sábado, 21 de janeiro de 2012

Repetição de indébito x responsabilidade civil por chargeback

Passando ao campo da responsabilidade por chargeback, verificada a ocorrência de fraude, o consumidor, tendo sido cobrado ou tendo quitado o que não devia, terá direito à repetição do indébito, nos exatos termos do parágrafo único do art. 42 do CDC. A natureza jurídica dessa medida, como aponta a melhor doutrina, é de caráter sancionatório, isto é, é uma sanção aplicada ao fornecedor que age canhestramente, cobrando o consumidor pelo que ele não deve ou cobrando em excesso, isto é, mais do que ele efetivamente deve. Portanto, é medida de caráter pedagógico, imposta ao fornecedor com o escopo de educá-lo para que não volte a atuar da mesma forma.

No caso de má-fé do próprio consumidor, isto é, naqueles casos em que este comunica falsamente uma fraude, diz não reconhecer uma compra que ele mesmo efetuou etc., e em decorrência disso tem os valores indevidamente estornados para o seu cartão, certamente poderá ser punido, inclusive criminalmente, a depender do caso. Na órbita civil, deverá ser condenado a ressarcir o fornecedor lesado por sua prática, sendo que, nesse caso, a medida tem caráter indenizatório, e não sancionatório, já que visa restituir ao lesado o status quo ante, indenizando-o verdadeiramente.

Passo à análise de interessantes questionamentos articulados pelo professor Pablo Stolze Gagliano em seu editorial. O eminente civilista indaga:
Em caso de cancelamento da compra, pelo não reconhecimento do consumidor, seria juridicamente possível a repartição dos riscos e dos prejuízos entre o lojista e administradora de cartões de crédito ou débito, em virtude da própria atividade lucrativa que exercem no mercado de venda de produtos a distância? Afigurar-se-ia, em tese, viável que o lojista não arcasse sozinho com o risco e o ônus do chargeback? A administradora de cartões poderia ser considerada co-responsável pela venda frustrada? (http://pablostolze.ning.com/)

Para responder a estas indagações, antes é necessário identificar as relações envolvidas em um contrato de cartão de crédito. ANDRÉ LUIZ SANTA CRUZ RAMOS nos explica o que é um contrato de cartão de crédito, bem como as relações que o cercam:

Trata-se de contato por meio do qual uma instituição financeira, a operadora do cartão, permite aos seus clientes a compra de bens e serviços em estabelecimentos comerciais cadastrados, que receberão os valores das compras diretamente da operadora. Esta, por sua vez, cobra dos clientes, mensalmente, o valor de todas as suas compras realizadas num determinado período. Chama-se cartão de crédito, então, o documento por meio do qual o cliente realiza a compra, apresentando-o ao estabelecimento comercial cadastrado.

Do que foi exposto, pode-se então distinguir três relações jurídicas distintas numa operação com carta de crédito: (i) a da operadora com o seu cliente; (ii) a do cliente com o estabelecimento comercial; (iii) do esabelecimento comercial com a operadora (Direito Empresarial Esquematizado. 1ª Ed. São Paulo: Método, 2011, p. 485).

Analisando o articulado pelo insigne autor, de modo a responder às indagações do professor Pablo Stolze, é possível afirmar que as duas primeiras relações, isto é, a da operadora com o seu cliente, e a do cliente com o estabelecimento comercial, são relações de consumo, portanto sujeitas às regras do CDC.

Em sendo relações de consumo, submetem-se à regra de responsabilidade civil objetiva, agasalhada pelo sistema consumerista. Significa que, perante o consumidor, tanto o comerciante quanto a administradora do cartão responderão, independentemente da existência de culpa por eventuais danos causados ao consumidor em razão de chargeback, pois ambos se enquadram no conceito de fornecedor, insculpido no art. 3º do CDC.

Assim, respondendo à primeira indagação, é, sim, "juridicamente possível a repartição dos riscos e dos prejuízos entre o lojista e administradora de cartões de crédito ou débito, em virtude da própria atividade lucrativa que exercem no mercado de venda de produtos a distância", uma vez que estaremos de vício na prestação do serviço, sujeito à regra do art. 19 do CDC (salvo comprovada má-fé do próprio consumidor, obviamente, o que caracteriza sua culpa exclusiva), "embora seja mais comum a verificação de um único fornecedor na cadeia de consumo, no caso o que prestou o serviço", como nos informa LEONARDO DE MEDEIROS GARCIA (Direito do Consumidor: código comentado e jurisprudência. 7ª ed. rev. amp. e atual. Niterói: Impetus, 2011, p. 179).

Destarte, a responsabilidade por vício do serviço é solidária e objetiva. Além disso, como foi dito, o sistema de responsabilidade civil objetiva, agasalhado pelo CDC, funda-se na teoria do risco do empreendimento. Sendo assim, se o comerciante adere às vendas por meio de cartão de crédito, se ele já sabe de antemão que atualmente o volume de fraudes na utilização de cartões de crédito é grande, sujeitar-se-á aos riscos inerentes, pois, como se sabe, não deverá o consumidor suportar os prejuízos daí advindos.

Isto posto, perante o consumidor, haverá repartição dos riscos, devendo tanto a operadora de cartões quanto o comerciante, responderem.

Para responder ao segundo questionamento, deve-se frisar que a relação entre o comerciante e a operadora de cartões, por sua vez, é eminentemente empresarial. Ou seja, o contrato firmado entre esses dois sujeitos é de natureza empresarial; é um contrato entre iguais.

Num primeiro momento, é possível afirmar que, por estarem em pé de igualdade, o comerciante e a operadora de cartão de crédito gozam de plena liberdade de contratar (faculdade de realizar ou não o negócio) e de liberdade contratual (relacionada ao conteúdo da avença), em homenagem ao princípio da autonomia da vontade.

Assim, por serem, em tese, iguais, e embora o contrato firmado entre comerciante e operadora de cartão de crédito seja de adesão, não se vislumbra a vulnerabilidade que caracteriza o consumidor. Como informa ANDRÉ LUIZ SANTA CRUZ RAMOS, "no âmbito do direito empresarial, o norte interpretativo deve ser sempre, na nossa modesta opinião, a autonomia da vontade das partes. Caso contrário, o que se instaura é a insegurança jurídica, que se manifesta especificamente nas atividades econômicas como um obstáculo ao desenvolvimento" (Op. cit., pág. 435).

Destarte, nesse primeiro momento, entendo que sendo o contrato empresarial de adesão, embora presente, em tese, a autonomia da vontade, dificilmente o comerciante conseguirá discutir os termos afetos aos riscos envolvendo o chargeback. Pode até ser que contratos dessa natureza sejam leoninos, como afirmado por JOSIANE OSÓRIO, praticamente prevendo somente vantagens para a operadora de cartões de crédito e riscos para o comerciante e, por isso, o correto, no meu entender, seria o compartilhamento de riscos entre esses dois sujeitos. Contudo, dificilmente isso ocorrerá. Dificilmente as operadores de cartão de crédito passarão a assumir um risco que as tirará da zona de conforto em que se encontram, a não ser que haja uma debandada por parte dos comerciantes, deixando de adotar essa modalidade de pagamento, o que, talvez, faria com que as operadoras de cartão repensassem seu modelo de compartilhamento de riscos.

Contudo, tal atitude por parte dos comerciantes pode significar o insucesso do empreendimento, já que o volume de contratações por meio de cartão de crédito é bastante grande. O mais interessante é que, da mesma forma, igual insucesso poderá experimentar, já que o volume de fraudes também é considerável, podendo levar ao fechamento do negócio. É, portanto, uma "faca de dois gumes" para o comerciante.

Concluindo, possíveis soluções para a diminuição do chargeback são apontadas por especialistas em e-commerce. Uma delas seria o uso de intermediários de pagamento como os conhecidos Pagseguro (UOL), Pagamento Digital, Mercadopago (Mercado Livre), pois, nesse caso, a venda seria garantida. O problema é que essa medida importa em aumento de custos, o que, certamente, será repassado ao consumidor pelo comerciante. Outra alternativa seria a contratação de uma empresa especializada em análise de risco, atitude adotada por grandes empresas atualmente (http://www.lojavirtualy.com/seguranca/o-que-e-chargeback-e-como-evitar-o-chargeback).
 

GUGLINSKI, Vitor Vilela. O chargeback e suas repercussões no e-commerce e nos direitos do consumidor e da empresa. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3124, 20 jan. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20896/o-chargeback-e-suas-repercussoes-no-e-commerce-e-nos-direitos-do-consumidor-e-da-empresa>.
Certamente, o tema não se esgota aqui. É um assunto novo, atual, complexo e instigante. Como afirmado pelo professor PABLO STOLZE no editorial citado neste texto, "ainda não temos repostas consolidadas na jurisprudência. Mas o tema, em respeito aos próprios empresários e aos consumidores, merece ser trazido à luz dos debates acadêmicos".

Distinção entre "chargeback" e o direito de arrependimento previsto no art. 49 do CDC

Há quem confunda o chargeback com o direito de arrependimento previsto no art. 49 do CDC, isto é, aquele em que o consumidor desiste de uma conratação, obtendo a devolução do valor efetivamente pago ao fornecedor, monetariamente corrigido. Entretanto, como restará demonstrado, essas situações não se confundem, e guardam diferenças sensíveis.

De comum, o chargeback e o direito de arrependimento só possuem uma característica: a devolução, ao consumidor, de valores por ele despendidos. A semelhança pára por aí.

Como podemos perceber através do conceito descrito linhas acima, o chargeback não se confunde com o direito de arrependimento previsto no art. 49 do Código de Defesa do Consumidor, pois, nesse caso, não está o consumidor obrigado a declinar o motivo do cancelamento do negócio, ao passo que, no chargeback, existe uma causa (ou causas) específica que o legitima.

Em outras palavras, para que haja o chargeback, é necessária a ocorrência de uma das causas anteriormente mencionadas, a saber:
1) o não reconhecimento, por parte do titular do cartão, da compra que gerou o débito lançado na respectiva fatura;
2) o descumprimento de normas afetas ao contrato firmado entre o fornecedor de produtos ou serviços e a administradora de cartões, fato que autoriza esta a não creditar valores na conta daquele.

Resumindo, pode-se dizer que o chargeback exige relevante motivo de direito para que seja legítimo, pois, do contrário, poderá resultar em abuso de direito por parte do consumidor ou da própria administradora de cartões de crédito. Em suma, é pressuposto para o chargeback a ocorrência de alguma ou ambas as situações acima descritas.

Por sua vez, o direito de arrependimento conferido ao consumidor pela regra do art. 49 do CDC é um direito potestativo, isto é, exercido livremente pelo consumidor, dentro de um prazo que, no caso, é o chamado prazo de reflexão. São sete dias conferidos ao consumidor, contados da assinatura do contrato ou do ato de recebimento do produto ou serviço, e ao qual o fornecedor estará obrigatoriamente sujeito, independentemente da ocorrência de alguma causa.

Para que o consumidor exercite o seu direito de arrependimento não há a necessidade da ocorrência de qualquer evento, bastando a sua vontade de não mais contratar, isto é, de prosseguir com o negócio. Não há necessidade, por exemplo, da ocorrência de vícios do produto ou do serviço para que o consumidor desista de contratar. O direito de desistir do negócio celebrado carece de motivação, devendo o consumidor receber, imediatamente, a quantia eventualmente paga, monetariamente corrigida.

Sendo assim, a razão de existência das normas, ou, em outras palavras, a ratio essendi das normas é diversa.

No chargeback, o cancelamento da venda, com o consequente estorno de valores, seja ao consumidor ou à administradora de cartões (a depender da causa que motiva o ato) ocorre mediante relevante razão de direito. Por parte do consumidor, pode ocorrer quando terceiro se apoderar do número e da senha de seu cartão (fraude, furto ou roubo do cartão etc.), e então passar a realizar compras em nome daquele. Como não foi o consumidor quem realizou a transação, poderá, legitimamente, contestá-la, devendo obter o ressarcimento do que lhe for eventualmente cobrado, inclusive valendo-se da regra do parágrafo único do art. 42 do CDC, que lhe confere o direito à repetição do indébito, "por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável".

Uma observação se faz necessária: deve-se atentar para a parte final do preceptivo, pois, o fornecedor desavisado poderá alegar que houve engano justificável na venda ou até mesmo que agiu com boa-fé, uma vez que confiou que portador do cartão era de fato seu titular.

Ledo engano.

Tendo o CDC desenvolvido o sistema de responsabilidade civil objetiva com base na teoria do risco do empreendimento, o fornecedor deverá arcar com eventuais prejuízos causados ao consumidor, na medida em que, aventurando-se a adotar um sistema de vendas mais informal, estará sujeito ao risco de estar negociando com uma pessoa que não é efetivamente a titular do cartão de crédito. Lembrando o personagem Severino, incorporado pelo brilhante ator Paulo Silvino, nas vendas à distância é praticamente impossível realizar o "cara – crachá", fazendo com que o fornecedor de produtos e serviços deva suportar os riscos nessa modalidade de negócio e, portanto, o dever de indenizar.

De seu turno, a ratio do direito de arrependimento, ou seja, da norma etiquetada no art. 49 do CDC, é a vulnerabilidade do consumidor, evidenciada pela ausência de contato direto com o produto ou serviço que irá adquirir ou contratar. Quando contrata fora do estabelecimento comercial, o consumidor não exerce contato físico com o produto; não tem condições de verificar se a cor corresponde à desejada, se o tamanho do produto é de fato o esperado etc.

Por outro lado, examinando pessoalmente o produto, o consumidor reúne condições de verificar se este realmente corresponde à suas expectativas, pode testá-lo no local da aquisição para conferir seu funcionamento, consultar outros consumidores que, porventura, adquiriram o mesmo produto, ouvindo as respectivas opiniões etc. Da mesma forma, quando tem acesso direto ao conteúdo de um contrato, é possível ao consumidor verificar, via de regra, se as cláusulas não são abusivas, se as condições do negócio não lhe são desfavoráveis etc.

Em resumo, negociando em contato com o objeto do negócio, o consumidor tem mais chances de consumir refletidamente, conscientemente, firme na ideia de que está contratando o que quer e como quer.

Lado outro, se contrata à distância, correrá o risco de o objeto do negócio não corresponder ao que espera, tendo e vista as diversas técnicas de "maquiagem" do produto para torná-lo mais atraente (vide hambúrgueres de redes de fast food), publicidades com apelo emocional, mostrando famílias sorridentes, felizes, de vida aparentemente perfeita, como ocorre com publicidade de planos de saúde, seguros, contratos de time sharing etc.

Esta é, portanto, a razão de ser do direito de arrependimento, a ser exercido no prazo de reflexão: leva-se em conta o aumento da vulnerabilidade do consumidor, em razão da ausência de contato direto com o objeto do negócio.

Sintetizando, no chargeback inexiste arrependimento do consumidor em relação ao negócio sacramentado, pois sequer há tratativas entre este e o fornecedor. Há, sim, a ocorrência de uma fraude por parte de terceiros, ou até mesmo por má-fé do consumidor, ou por parte de próprio fornecedor, ao descumprir as regras que regulamentam o contrato entre este e a administradora do cartão.

De seu turno, no direito de arrependimento inexiste fraude ou descumprimento de qualquer regra contratual a ensejar a desistência do consumidor em prosseguir com o negócio. Como dito, é um direito potestativo, despido de qualquer justificativa por parte do consumidor para que ocorra. O consumidor, após refletir sobre a conveniência ou oportunidade da contratação, simplesmente desiste de prosseguir com o negócio, se arrepende, e ao fornecedor resta apenas o dever de acatar a decisão do consmidor.

GUGLINSKI, Vitor Vilela. O chargeback e suas repercussões no e-commerce e nos direitos do consumidor e da empresa. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3124, 20 jan. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20896/o-chargeback-e-suas-repercussoes-no-e-commerce-e-nos-direitos-do-consumidor-e-da-empresa>.

O chargeback

Em interessante editorial publicado em seu site no dia 17/01/2012 (http://pablostolze.ning.com/), o eminente professor PABLO STOLZE GAGLIANO nos convida a refletir sobre uma prática que vem se tornando bastante arraigada no cotidiano dessa era digital em que vivemos. Trata-se do denominado chargeback, e que é tido por muitos empresários como um dos atuais vilões do e-commerce, ou, em bom português, comércio eletrônico.

Convite aceito, e que estendo aos demais estudiosos do Direito, procurei me debruçar sobre o tema neste singelo estudo, de onde extraí as primeiras conclusões envolvendo o conceito de chargeback, sua diferença em relação ao direito de arrependimento previsto no art. 49 do Código de Defesa do Consumidor, e algumas questões afetas a eventuais sanções envolvendo o tema, bem como ao sistema de responsabilidade civil a ser observado em cada caso.

Hodiernamente, são inúmeras as opções de contratação fora do estabelecimento comercial realizadas diariamente por milhares de consumidores em todo o mundo, seja por meio da internet ou via telefone, reembolso postal etc., sendo que, atualmente, muitos empresários sequer possuem pontos físicos onde exercem a empresa, preferindo a comodidade do ambiente virtual e, principalmente, a agilidade das transações envolvendo cartões de crédito/débito.

Se é correto afirmar que o comércio virtual trouxe conforto e comodidade a empresários e, principalmente, aos consumidores, também é correta a afirmação no sentido de que severas mazelas vêm ocorrendo em razão dessa prática, ante as sucessivas notícias de fraudes perpetradas por ocasião das fragilidades que caracterizam a contratação à distância, notadamente no ambiente da internet.

Nesse cenário, uma prática começa a chamar a atenção dos juristas: é o chamado chargeback. Mas, o que é chargeback? Por quê essa prática é considerada uma das vilãs do comércio eletrônico.

O conceito básico de chargeback nos é fornecido por JOSIANE OSÓRIO:

Chargeback é o cancelamento de uma venda feita com cartão de débito ou crédito, que pode acontecer por dois motivos: um deles é o não reconhecimento da compra por parte do titular do cartão, e o outro pode se dar pelo fato de a transação não obedecer às regulamentações previstas nos contratos, termos, aditivos e manuais editados pelas administradora. Ou seja, o lojista vende e depois descobre que o valor da venda não será creditado porque a compra foi considerada inválida. Se o valor já tiver sido creditado ele será imediatamente estornadoou lançado a débito no caso de inexistência de fundos no momento do lançamento do estorno. Os números são desconhecidos mas o que se sabe é que o volume é assustador principalmente nas lojas virtuais" (http://www.cursodeecommerce.com.br/blog/chargeback/).
A mesma autora, em suas explanações, nos informa o motivo que leva essa prática a ser uma "dor de cabeça" que assola o e-commerce:
O chargeback é um dos grandes fantasmas para os proprietários de lojas virtuais e responsável por um bom número de fechamentos destas lojas. O problema é muito maior do que as pessoas imaginam e não ganha a devida publicidade porque não interessa às administradoras de cartões de crédito fazer qualquer tipo de divulgação sobre o volume de fraudes que ocorrem na utilização de seus cartões porque isso afugentaria clientes e exporia a fragilidade destes sistemas de cobrança. 
(...) A verdade é que nenhuma administradora de cartão de crédito garante transação alguma nas vendas efetuadas pela Internet, ficando a cargo do lojista todos os riscos inerentes à operação e também, é claro, o risco do chargeback. Este posicionamento expõem o vendedor a todo tipo de golpes que vão desde a fraude com cartões de crédito roubados/clonados até a má fé de alguns usuários que simplesmente alegam não reconhecer compras legítimas. É uma verdadeira Roleta Russa que pode levar a empresa a falência.
o contrato de credenciamento de uma administradora de cartão de crédito, em sã consciência, não assina. As cláusulas são leoninas e em muitos casos totalmente subjetivas. Resumindo as relações de responsabilidades descritas na maioria dos contratos, as administradoras tem todos os direitos e os lojistas arcam com todas as obrigações. Além do famoso contrato, são criados aditivos e novas regras que beneficiam exclusivamente as administradoras deixando em situação cada vez mais fragilizada o lojista.

(..) Quem lê e entende
Não bastasse o prejuízo pelo não recebimento pelas vendas efetuadas, o lojista ainda pode ser surpreendido pela bizarra situação de passar da posição de lesado para a de devedor da administradora. Suponhamos a situação em que o lojista efetua várias vendas e muitas delas são recusadas pela administradora. Independentemente das outras transações serem legítimas ou não, elas respondem pelo valor das transações fraudadas e portanto, devem ser usadas para reposição de valores que tenham sido sacados pelo lojista antes da negativação da compra. É justamente nessa situação que muitas lojas virtuais encerram suas atividades. Como o fluxo de vendas é interrompido, mas não o fluxo de negativação de compras já efetuadas, o resultado é um saldo devedor na conta do lojista afiliado.

GUGLINSKI, Vitor Vilela. O chargeback e suas repercussões no e-commerce e nos direitos do consumidor e da empresa. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3124, 20 jan. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20896/o-chargeback-e-suas-repercussoes-no-e-commerce-e-nos-direitos-do-consumidor-e-da-empresa>.

Decisão definitiva em sede de ação direta de inconstitucionalidade

A Lei nº 9.868/99 trata da decisão em sede de ADI conjuntamente com a decisão proferida na ação declaratória de constitucionalidade, como uma unidade conceitual, tendo em vista sobretudo o seu caráter dúplice ou ambivalente .

A lei uma vez mais exige a manifestação da maioria absoluta do Tribunal, presentes pelo menos oito Ministros (arts. 22 e 23).

A decisão que julga procedente ou improcedente o pedido é irrecorrível, ressalvada a interposição de embargos de declaração (art. 26 da Lei nº 9.868/99), que somente poderão ser oferecidos pelo requerente ou pelo requerido, e não por terceiros, nem mesmo pelo Advogado-Geral da União. Também não pode, nos termos desse mesmo art. 26, ser objeto de ação rescisória.

Em regra, os efeitos da decisão são retroativos (ex tunc), gerais (erga omnes), repristinatórios e vinculantes.

A retroatividade dos efeitos da decisão que reconhece a inconstitucionalidade da norma impugnada encontra suporte na teoria da nulidade, acolhida por Marshall, em Marbury v. Madison. Afinal, se uma lei incompatível com a lei suprema pudesse reger dada situação e produzir efeitos regulares e válidos, isso representaria a negativa de vigência da Constituição naquele período, em relação àquela matéria. Também por isso, a decisão que reconhece a inconstitucionalidade tem caráter declaratório.

Tal tese, acolhida no direito brasileiro desde o início da república e prevalente até os dias atuais, sofreu alguns temperamentos ao longo dos anos. A própria Lei nº 9.868/99, em seu art. 27, admite que o STF proceda à modulação temporal dos efeitos da decisão, mediante o quorum qualificado de dois terços de seus membros.

O dispositivo fala em "razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social", transparecendo que representa um mecanismo de ponderação de valores. O que o STF poderá fazer ao dosar os efeitos retroativos da decisão é uma ponderação entre a norma violada e as normas constitucionais que protegem os efeitos produzidos pela lei inconstitucional [37].

Demais disso, a eficácia contra todos explica-se, doutrinariamente, por força do fenômeno da substituição processual. As pessoas e órgãos constantes do art. 103 da Constituição atuam com legitimação extraordinária, agindo em nome próprio, mas na defesa do interesse da coletividade. Por essa razão, é que os efeitos da decisão têm caráter geral, e não apenas entre as partes do processo.

Efeitos vinculantes nada mais são do que a ampliação dos limites da coisa julgada. Subjetivamente, ultrapassa as partes para atingir os demais órgãos do Poder Judiciário e a Administração Pública federal, estadual e municipal (art. 28 da Lei nº 9.868/99 e art. 102, §2º, da CF). O Poder Legislativo, no exercício da função legislativa, ficou excluído do seu alcance, em razão da liberdade de conformação, que se reflete na possibilidade de escolher o conteúdo e o momento de edição das suas normas. Também assim o Governo, que não se vincula no exercício da sua função legiferante atípica, mas apenas na função administrativa.

Nesse ponto, merece destaque o fato de que, ao contrário do que ocorre com a res iudicata nos processos subjetivos, a doutrina assevera que a decisão de improcedência do pedido em sede de ADI não se reveste da autoridade da coisa julgada material, por ser inadequado impedir o STF de reapreciar a constitucionalidade ou não de uma lei anteriormente considerada válida, à vista de novos argumentos, de novos fatos, de mudanças formais e informais no sentido da Constituição ou de transformações na realidade que modifiquem o impacto ou a percepção da lei [38].

Com a clareza e precisão que lhe são peculiares, Luís Roberto Barroso sintetiza tais nuances:
A decisão que declara a inconstitucionalidade de uma lei em ação direta reveste-se de autoridade de coisa julgada, com sua eficácia vinculativa para todos os órgãos judiciais, inclusive para o próprio STF. Mas a decisão que julga improcedente o pedido – e, consequentemente, declara a constitucionalidade da lei ou ato normativo- produz apenas efeito vinculante, subordinando todos os demais tribunais, mas não o próprio STF, que poderá revê-la se assim lhe aprouver.
Objetivamente, o STF tem sustentado que a coisa julgada extrapola o dispositivo e abarca igualmente a fundamentação, construção que vem denominando transcendência dos motivos determinantes. Em outras palavras, juízes e tribunais devem observância não apenas à conclusão do acórdão, contida em sua parte dispositiva, mas igualmente à própria ratio decidendi [39].

No mesmo sentido, leciona prestigiada doutrina que "a limitação do efeito vinculante à parte dispositiva da decisão tornaria de todo despiciendo esse instituto, uma vez que ele pouco acrescentaria aos institutos da coisa julgada e da força de lei [40].

Por fim, no que pertine aos efeitos repristinatórios, a Lei nº 9.868/99 apenas ratificou, em seu art. 11, §2º, entendimento doutrinário e jurisprudencial já consagrados, embora admitindo que o Tribunal possa excepcioná-lo, manifestando-se expressamente em sentido contrário.

GOMES, William Akerman. Ação direta de inconstitucionalidade: principais aspectos. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3124, 20 jan. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20894/acao-direta-de-inconstitucionalidade-principais-aspectos>.

Medida cautelar nas ações diretas de inconstitucionalidade

A Constituição prevê expressamente a possibilidade de pedido cautelar nas ações diretas de inconstitucionalidade (art. 102, I, p, da CF). Constitui providência de caráter excepcional, à vista da presunção de constitucionalidade dos atos normativos.

Anote-se, desde logo, que, malgrado a Constituição Federal utilize a expressão "medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade", da mesma forma o fazendo a Lei 9.868/99, a natureza jurídica da liminar concedida em controle concentrado, segundo a melhor doutrina, é de antecipação da tutela. Isso porque, segundo a jurisprudência do STF, o provimento liminar em ADI é o de suspender, até julgamento da ação, a eficácia da norma atacada, renascendo a disposição legal anteriormente existente.

Percebe-se, portanto, a relação de congruência entre o provimento provisório e a tutela final almejada, restando inconteste a sua natureza de antecipação de tutela

Os requisitos para a sua concessão, segundo a jurisprudência do STF, são: a) plausibilidade jurídica da tese exposta (fumus boni iuris); b) possibilidade de prejuízo decorrente do retardamento da decisão postulada (periculum in mora); c) irreparabilidade ou insuportabilidade dos danos emergentes dos próprios atos impugnados; e d) necessidade de garantir a ulterior eficácia da decisão. Alguns julgados referem-se à relevância do pedido (englobando o sinal de bom direito e o risco de manter-se com plena eficácia o ato normativo) e à conveniênia da medida, que envolve a ponderação entre o proveito e o ônus da suspensão provisória.

O indeferimento do pedido cautelar não tem efeito vinculante, mas a concessão da medida deve importar na suspensão do julgamento de qualquer processo em andamento perante o STF, até a decisão final da ação direta. Há precedentes no sentido de que o mesmo se deva passar relativamente a processos em tramitação perante outros órgãos judiciais, quando envolverem a aplicação da lei cuja vigência tenha sido suspensa.

Não cabe pedido de reconsideração da decisão que defere a liminar suspendendo o ato impugnado, mas, sendo ela indeferida, admite-se a reiteração do pedido, desde que ocorram fatos supervenientes que possam justificar o reexame.

A Lei nº 9.868/99, em seu art. 10, estabelece que a medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade será concedida por decisão da maioria absoluta dos membros do Tribunal, reunidos em sessão do Pleno com a presença de pelo menos oito Ministros.

A cautelar em ADI ostenta eficácia erga omnes e efeitos vinculantes (efeitos subjetivos). Quanto aos efeitos temporais, são ex nunc, salvo se o Tribunal entender que deva conceder-lhe eficácia retroativa (art. 11, §1º, da Lei nº 9.868/99).

A concessão da medida cautelar torna aplicável a legislação anterior acaso existente, salvo expressa manifestação em sentido contrário (art. 11, §2º, da Lei nº 9.868/99), o que caracteriza o denominado efeito repristinatório.




GOMES, William Akerman. Ação direta de inconstitucionalidade: principais aspectos. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3124, 20 jan. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20894/acao-direta-de-inconstitucionalidade-principais-aspectos>.

Legitimação para a ação direta de inconstitucionalidade

Preliminarmente, deve-se consignar, de plano, que a práxis do STF refere-se a requerente e requerido, respectivamente, para designar o autor do pedido e o órgão do qual emanou o ato impugnado.

A legitimação passiva, na ação direta de inconstitucionalidade, não apresenta maior dificuldade: recai sobre os órgãos ou autoridades responsáveis pela lei ou ato normativo objeto da ação, aos quais caberá prestar informações ao relator do processo (art. 6º da Lei nº 9.868/99). Segundo já decidiu o STF, entidades meramente privadas, porque destituídas de qualquer coeficiente de estatalidade, não podem figurar como litisconsortes passivos necessários em sede de ação direta de inconstitucionalidade [14].

Foi no tocante à legitimação ativa para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade que se operou a maior transformação no exercício da jurisdição constitucional no Brasil. Desde a criação da ação genérica, em 1965, até a Constituição de 1988, a deflagração do controle abstrato e concentrado de constitucionalidade era privativa do Procurador-Geral da República, submetida ao seu juízo de discricionariedade.

Com a Constituição de 1988, ampliou-se expressivamente o elenco de legitimados ativos para a propositura da ação direta, enunciados nos nove incisos do art. 103, suprimindo-se o monopólio do Procurador-Geral da República.

A jurisprudência do STF consolidou uma distinção entre duas categorias de legitimados: os universais, que são aqueles cujo papel institucional autoriza a defesa da Constituição em qualquer hipótese; e os especiais, que são os órgãos e entidades cuja atuação é restrita às questões que repercutem diretamente sobre sua esfera jurídica ou de seus filiados e em relação às quais possam atuar com representatividade adequada.

O Governador de Estado, a Mesa de Assembléia Legislativa, confederação sindical e entidade de classe de âmbito nacional são considerados legitimados especiais, ou seja, devem comprovar a pertinência temática, consistente na relação de interesse entre o objeto da ação e a classe profissional, social, econômica ou política por eles representada.

Os demais são considerados universais e, portanto, a pertinência temática é dispensada.

No que se refere ao Conselho Federal da OAB, sua colocação no elenco do art. 103 da CF em inciso diverso das demais entidades de classe de âmbito nacional, deve ser interpretada, segundo entendeu o Pretório Excelso, de modo a permitir a propositura de ação direta de inconstitucionalidade contra qualquer ato normativo, independentemente do requisito da pertinência temática entre o seu conteúdo e o interesse dos advogados.

Os partidos políticos devem estar representados por seus diretórios nacionais e ainda ter representação no Congresso Nacional, em pelo menos uma das casas, aferida no momento da propositura. A perda da representação no curso da ação não gera a extinção do feito sem julgamento do mérito, tendo em vista a matéria de ordem pública objeto da ação [16].

As confederações sindicais devem ser constituídas na forma do art. 535 da Consolidação das Leis do Trabalho, sendo formadas por pelo menos 3 federações. O STF não reconhece a legitimidade às federações e aos sindicatos nacionais, fazendo uma interpretação estrita do dispositivo constitucional [17].

As entidades de classe, por seu turno, devem ter representação em pelo menos 9 estados da federação, adotando-se por analogia o art. 8º da Lei nº 9.096/95, para que se lhes reconheça o caráter nacional.

Ademais, exige-se, ainda no que se refere a essas entidades, que os seus filiados estejam ligados entre si pelo exercício da mesma atividade econômica ou profissional. Com base nesse entendimento, o STF negou legitimidade à União Nacional dos Estudantes (UNE) [18].

Por outro lado, o STF tem entendido que a entidade postulante deve representar a integralidade da categoria econômica em questão, e não apenas uma parcela setorizada dessa [19].

De outro giro, a jurisprudência antes dominante no STF exigia que a entidade tivesse como membros os próprios integrantes da classe, sem intermediação de qualquer outro ente que os representasse. Assim, as associações de associações, também denominadas associações de segundo grau, não podiam propor ADI. Entretanto, essa orientação foi revista no julgamento da ADI 3153 [20], passando-se a reconhecer o caráter de entidade de classe de âmbito nacional àquela constituída por associações estaduais cujo objeto seja a defesa de uma mesma categoria social.

Por fim, cumpre assinalar que na ADI 127 [21], ficou consignado que os partidos políticos, as confederações sindicais e as entidades de classe precisam de advogado para propor ADI, dispensada essa representação para os demais legitimados, que possuem capacidade processual plena e dispõem, ex vi da própria norma constitucional, de capacidade postulatória.

Participação do AGU e do PGR

A defesa, propriamente dita, da norma impugnada, seja ela federal ou estadual, cabe ao Advogado-Geral da União (art. 103, §3º, da CF), que funciona como uma espécie de curador especial da presunção de constitucionalidade dos atos emanados do Poder Público.

Contudo, desde o julgamento da ADI 1616 [22], o STF vem atenuando essa obrigatoriedade. Entendeu-se que, se já houvesse precedente do STF pela inconstitucionalidade da lei no controle difuso, o AGU não precisaria defender o ato normativo impugnado.

Em 2009, no julgamento da ADI 3916 [23], o STF firmou entendimento no sentido de que o AGU tem a faculdade de escolher como se manifestar, conforme a sua convicção jurídica, não sendo obrigado a necessariamente defender o ato normativo impugnado.

No que se refere ao Procurador-Geral da República, de acordo com o art. 103, §1º, da CF, atuará como fiscal da lei em todas as ações que tramitam perante o STF. Exara parecer, inclusive, nas ações por ele propostas, não se vinculando ao posicionamento inicialmente manifestado na ação.

Ressalte-se que a mudança de entendimento não equivale à desistência da ação, pois nenhuma das ações do controle concentrado de constitucionalidade permite desistência do pedido (art. 5º da Lei nº 9.88/99), haja vista versarem sobre matéria de ordem pública.

Amicus curiae
No controle concentrado de constitucionalidade, o ordenamento jurídico pátrio não prevê legitimidade popular. Para que as decisões estejam interpenetradas com a realidade do país, foi introduzida formalmente no ordenamento brasileiro a figura do amicus curiae, prevista agora no art. 7º, §2º, da Lei nº 9.868/99.

A expressão significa literalmente "amigo da corte", designação dada a pessoas ou organizações distintas das partes do processo, admitidas a apresentar suas razões, por terem interesse jurídico, econômico ou político no desfecho do processo.

Tal inovação é reconhecida como fator de legitimação das decisões do Supremo Tribunal Federal, em sua atuação como tribunal constitucional.

Observe-se que o amicus curiae não é parte formal no processo, mas um colaborador. Mesmo porque a ADI não admite intervenção de terceiros (Lei nº 9.868/99, art. 7º). Não tem, destarte, interesse recursal.
O pedido de participação é dirigido ao relator da ação. O despacho que defere a manifestação do amicus curiae é irrecorrível (art. 7º, §2º, da Lei nº 9.868/99). Alguns autores e o próprio STF admitem agravo interno nos casos de indeferimento.

Na ADI 4071 [24], o STF, por maioria, afirmou que a possibilidade de intervenção do amicus curiae está limitada à data da remessa dos autos à mesa para julgamento. Logicamente, sua participação não constitui direito subjetivo, ficando a critério do relator, mas uma vez admitida inclui também o direito de sustentação oral [25], oferecimento de memoriais e requerimento de perícias.




GOMES, William Akerman. Ação direta de inconstitucionalidade: principais aspectos. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3124, 20 jan. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20894/acao-direta-de-inconstitucionalidade-principais-aspectos>.

Ação direta de inconstitucionalidade

A ação direta de inconstitucionalidade (ADI) de lei ou ato normativo, também conhecida como ação genérica, foi introduzida no Direito brasileiro pela Emenda Constitucional nº 16, de 26 de novembro de 1965, à Constituição de 1946, que a ela se referia como representação de inconstitucionalidade. Trata-se, no entanto, de verdadeira ação, no sentido de que os legitimados provocam, direta e efetivamente, o exercício da jurisdição constitucional. Mas certamente não se cuida do típico direito de ação, consagrado na Constituição (art. 5º, XXXV) e disciplinado pelas leis processuais. Não há, como dito acima, pretensões individuais nem tutela de direitos subjetivos no controle de constitucionalidade por via principal. O processo tem natureza objetiva, e só sob o aspecto formal é possível referir-se à existência de partes.

Base legal

A ADI encontra assento no art. 102, I, a, do Texto Maior, que, ressalte-se, constitui norma de eficácia plena. Seu processo e julgamento são regidos atualmente pela Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999.

Finalidade

Tem por finalidade declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual (art. 102, I, a, da CF), seja por vício de forma, seja por vício material, seja por dupla inconstitucionalidade.

Ocorrerá inconstitucionalidade formal quando um ato legislativo tenha sido produzido em desconformidade com as normas de competência (inconstitucionalidade orgânica) ou com o procedimento estabelecido para seu ingresso no mundo jurídico (inconstitucionalidade formal propriamente dita). A inconstitucionalidade será material quando o conteúdo do ato infraconstitucional estiver em contrariedade com alguma norma substantiva prevista na Constituição, seja uma regra, seja um princípio.

Objeto

Os atos impugnáveis mediante ADI são a lei e o ato normativo federal ou estadual primários, isto é, que retiram fundamento diretamente da Constituição.

Assim, são passíveis de controle de constitucionalidade pelo STF: as emendas constitucionais, as leis complementares, as leis ordinárias [04], as leis delegadas, as medidas provisórias [05], os decretos legislativos, as resoluções, todas essas espécies normativas constantes do art. 59 da CF; os regulamentos autônomos [06]; a legislação estadual, aqui incluídos a Constituição do Estado, a legislação ordinária e os regulamentos autônomos produzidos no âmbito de cada uma dessas entidades federativas; a legislação distrital, editada no exercício da competência legislativa estadual; e os tratados internacionais, tenham eles status de lei ordinária ou supra-legal, no caso de tratados internacionais sobre direitos humanos.

Diversamente, as normas pré-constitucionais são revogadas em virtude do advento de uma nova Constituição, não se podendo falar em inconstitucionalidade superveniente [07]. Apenas por meio de arguição de descumprimento de preceito fundamental (Lei nº 9.882/99, art. 1º, parágrafo único, I) no controle concentrado, ou no controle difuso e concreto de constitucionalidade, pode ser reconhecida eventual contrariedade entre norma anterior e a Constituição posterior.

Ainda nesse ponto, merece destaque o fato de que normas infraconstitucionais também não podem, salvo nas hipóteses acima delineadas, ser objeto da fiscalização de constitucionalidade tendo como parâmetro norma alterada por emenda constitucional que lhe seja posterior, exatamente, porque, se houver incompatibilidade, não haverá inconstitucionalidade, mas sim revogação, conforme se assentou no julgamento da ADPF 144 [08].

Os atos normativos secundários, que retiram fundamento imediato da lei, como não podem inovar na ordem jurídica, também não se sujeitam à fiscalização abstrata de constitucionalidade.

As leis municipais e as distritais de natureza municipal, consoante se extrai do texto expresso do art. 102, I, a, da CF, foram excluídas do âmbito da ADI. Nesse particular, deve-se registrar que o STF entende que não pode a Constituição do Estado atribuir ao Tribunal de Justiça competência para processar e julgar representação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo municipal em face da Constituição Federal, porquanto representaria usurpação de competência da Suprema Corte [09].

As propostas de emenda constitucional e os projetos de lei também não podem ser objeto da ADI, por se tratarem de atos ainda em fase de formação [10].

A Súmula, que é uma proposição jurídica que consolida a jurisprudência de determinado tribunal acerca de um tema controvertido, como não tem caráter normativo, não é passível de controle de constitucionalidade.

Ainda em tema de objeto da ADI, impende ressaltar que generalidade, abstração, primariedade e edição pelo poder público sempre foram, classicamente, os requisitos para o controle abstrato de constitucionalidade.

Entrementes, o STF já havia aberto uma exceção: as leis de criação de municípios também se submetiam ao controle abstrato. Em precedente de 2008 (ADI-MC 4048-DF, rel. MIn. Gilmar Mendes), a jurisprudência tradicional desta vez foi confrontada abertamente por diversos Ministros e acabou relativizada, senão superada. Por maioria, entendeu-se que o caráter abstrato da fiscalização realizada em ação direta diz respeito à existência de uma questão constitucional posta em tese – desvinculada, portanto, de qualquer caso concreto –, e não ao conteúdo do ato específico sobre o qual o controle irá recair. Foi sustentado, ainda, que a Constituição não exige, em seu art. 102, I, a, caráter normativo das leis, mas apenas dos demais atos, de tal sorte que, mesmo as leis em sentido meramente formal, estariam sujeitas ao controle de constitucionalidade via ação direta.

Nesse ponto, ensina-nos renomada doutrina que "neste caso, houve por bem o constituinte não distinguir entre leis dotadas de generalidade e aquelas outras conformadas sem o atributo da generalidade e abstração", ressaltando, por fim, que "muitos desses atos, por não envolverem situações subjetivas, dificilmente poderão ser submetidos a um controle de legitimidade no âmbito da jurisdição ordinária" .

GOMES, William Akerman. Ação direta de inconstitucionalidade: principais aspectos. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3124, 20 jan. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20894/acao-direta-de-inconstitucionalidade-principais-aspectos>.

Introdução ao controle concentrado de constitucionalidade

No Estado contemporâneo, o texto constitucional ocupa a posição de delimitador do horizonte de possibilidades para elaboração de todo o ordenamento jurídico de uma nação, assumindo o papel de condição de validade de todos os atos administrativos e legislativos. Como bem assinala José Afonso da Silva, "a constituição é o vértice do sistema jurídico do país, a que confere validade, e todos os poderes estatais são legítimos na medida em que ela os reconheça e na proporção por ela distribuídos" [01].

Nesse sentido, há que se imaginar uma espécie de controle de adequação das demais normas com a Constituição, garantindo-se, dessa forma, a unidade e harmonia do sistema jurídico.

O controle de constitucionalidade nasce com essa finalidade, podendo ser conceituado como o juízo de compatibilidade vertical imediata entre norma constitucional e norma infraconstitucional.

Orienta-se basicamente por dois pressupostos, quais sejam, a supremacia e a rigidez constitucionais. A supremacia da Constituição, nas palavras de Luís Roberto Barroso, "revela sua posição hierárquica mais elevada dentro do sistema, que se estrutura de forma escalonada, em diferentes níveis. É a Constituição o fundamento de validade de todas as demais normas" [02].

A rigidez constitucional, por outro lado, traduz-se na exigência de processo mais complexo para a modificação das normas constitucionais do que aquele apto a gerar normas infraconstitucionais [03].

De fato, o aspecto da rigidez constitucional garante supremacia formal à Constituição. Afinal, se as normas constitucionais fossem elaboradas da mesma forma que as infraconstitucionais, a superveniência de lei ordinária contrária a um mandamento constitucional acarretaria não inconstitucionalidade, mas sim revogação da norma constitucional por ato posterior.

É mister destacar, outrossim, que a existência do controle de constitucionalidade, além de intimamente ligada aos princípios da supremacia da constituição e da rigidez constitucional, exerce a notável função de defesa e concretização dos direitos fundamentais, marcada pela possibilidade de supressão de ato normativo que possa frustrar a máxima aplicabilidade daqueles direitos resguardados de forma expressa ou implícita pela Constituição Federal.

Por outro giro, a função jurisdicional, como regra geral, destina-se a solucionar conflitos de interesses, a julgar uma controvérsia entre partes que possuem pretensões antagônicas. O controle de constitucionalidade por ação direta ou por via principal, conquanto também seja jurisdicional, não se desenvolve em torno daquilo que Carnellutti denominava lide.

Diz-se que o controle é em tese ou abstrato porque não há um caso subjacente à manifestação judicial. Seu objeto é um pronunciamento acerca da própria lei e destina-se à proteção do próprio ordenamento, evitando a presença de um elemento incompatível com a Constituição.

Trata-se de um processo objetivo, isto é, sem partes, que não se presta à tutela de direitos subjetivos, de situações jurídicas individuais.

A principal ação do controle concentrado abstrato de constitucionalidade é, sem sombra de dúvidas, a ação direta de inconstitucionalidade, da qual se cuida nas linhas subsequentes.

GOMES, William Akerman. Ação direta de inconstitucionalidade: principais aspectos. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3124, 20 jan. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20894/acao-direta-de-inconstitucionalidade-principais-aspectos>.