Por Tiago Angelo
As restrições urbanísticas não podem ser flexibilizadas apenas para beneficiar empreendimentos imobiliários, uma vez que o interesse público se sobrepõe às ambições de natureza econômica.
O entendimento é da juíza Cynthia Thomé, da 6ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo. A magistrada anulou alvarás que autorizavam a construção de dois imóveis residenciais no Jardim Leonor, no Morumbi. A juíza também ordenou que sejam demolidas as construções já iniciadas. A decisão é desta terça-feira (3/11).
O caso concreto envolve ação civil pública ajuizada pela Associação de Moradores do Jardim Guedala, contra a TGSP - 39 Empreendimentos Imobiliários LTDA e a Prefeitura de São Paulo. A empresa havia conseguido aprovar a construção dos complexos IL Faro e IL Bosco, que ficariam de frente para a Avenida Morumbi. Segundo o site da Tegra Incorporadora, todos os imóveis — cerca de 599 vagas residenciais — já foram vendidos.
O empreendimento seria construído em uma área classificada pelo Plano Diretor de São Paulo como Zona Corredor (ZCOR). Nesses locais, há permissão para atividade comercial, desde que exista compatibilidade com a vizinhança residencial. Os lotes são voltados para trechos de vias e as construções são mais restritas.
No entanto, a Lei Municipal 16.402/16 alterou a classificação de três lotes do Jardim Leonor para Zona de Centralidade (ZC), que contém restrições mínimas se comparada à classificação anterior. Os únicos três lotes que passaram a ser ZC são os que receberiam o empreendimento imobiliário. Com isso se criou uma situação inusitada, já que os complexos habitacionais teriam uma definição e todo o seu entorno teria outra.
"Como se depreende do mapa, todos os lotes da Avenida Morumbi lindeiros à Zona Exclusivamente Residencial foram classificados como Zcor-1, com exceção dos três lotes em questão", ressalta a decisão. A magistrada também diz que a alteração ocorreu sem qualquer justifica pertinente e fugindo da lógica da classificação do Plano Diretor (Lei 16.050/14).
"O empreendimento em questão apresenta características opostas ao bairro-jardim planejado, que ainda mantém suas características originais, e, caso admitido, terá o condão de aniquilar os atributos essenciais do bairro, que conta com alta qualidade de vida, reduzindo seu padrão urbanístico, apenas para atender interesse econômico de terceiros. O impacto negativo vai ser gigantesco e, certamente, trará consequências desastrosas para a região", diz a juíza.
A decisão destaca que além da classificação controversa, as construções ocorreram sem a elaboração de um estudo de impacto, necessário para ver quais as consequências dos imóveis no bairro.
"O empreendimento será erigido em local composto por casas residenciais, com baixa densidade demográfica. É certo que além de trazer grande impacto ao sistema viário — que já é caótico —, concentração populacional, fluxo de outra natureza decorrente do comércio, sobrecarregará a infraestrutura já existente e implicará em relevante impacto para as funções urbanísticas do local, em grave prejuízo para a população que vive na região, bem como para a população externa, pois não se pode deixar de considerar que a cidade é um organismo vivo e interligado", afirma a magistrada.
"Como se vê", prossegue, "não há justificativa para o afrouxamento das restrições urbanísticos-ambientais convencionais pela via legislativa". "O interesse público não ampara a lei. Muito pelo contrário, o interesse público clama pela manutenção das restrições".
A juíza destacou, por fim, que as construções começaram por insistência da Tegra, que apesar de saber que a Associação de Moradores impugnava a obra, decidiu prosseguiu com o feito. Assim, diz, não é possível que a empresa sustente a tese do fato consumado.
Clique aqui para ler a decisão
Processo 1034110-82.2019.8.26.0053
Tiago Angelo é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 4 de novembro de 2020, 15h40
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