quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

A constitucionalidade e a retroatividade do art. 2.035, parágrafo único, do Código Civil

As questões sociais ganharam especial atenção por parte dos responsáveis pela elaboração do Código Civil de 2002. E também os negócios jurídicos foram encarados com os olhos voltados para os seus aspectos sociais.

Assim é que, quando das disposições finais e transitórias, foi inserida a norma do art. 2.035 e seu respectivo parágrafo único, com a específica atenção ao lado social dos negócios e atos jurídicos. Eis a redação dos referidos dispositivos legais:
"Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução.
Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos."
O caput do artigo acima transcrito, diante de uma simples leitura inicial, já evidencia uma série de questões que caberiam perfeitamente no bojo de uma abordagem em separado, tamanha a complexidade dos temas polêmicos ali estampados.

No entanto, a preocupação no breve estudo que agora se faz restringir-se-á a algumas questões apresentadas no parágrafo único do art. 2.035, mormente sobre a retroatividade e constitucionalidade de tal norma, temas que também não vem encontrando águas tranqüilas em sua interpretação.

Os estudos desenvolvidos sobre o referido dispositivo legal sempre destacam aquele que seria o ponto principal do problema: é possível a retroação da norma contida da lei civil sem que tal fato agrida o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada, garantias constitucionais estampadas no art. 5º, inciso XXXVI?

No entanto, a par de toda a discussão que vem sendo travada desde a entrada em vigor do atual Código Civil, um ponto parece não estar merecendo a devida atenção por grande parte dos doutrinadores – o que, de forma paradoxal, poderia fazer com que toda a discussão (ou quase sua totalidade) restasse desnecessária. Trata-se de saber se a regra contida no art. 2.035, parágrafo único trouxe efetivamente alguma inovação, a ponto de se falar em retroatividade, ou se, em verdade, se está diante de uma norma que apenas vem a confirmar preceitos já vigentes no ordenamento jurídico pátrio.

Todavia, em atenção a tudo o que já se debateu sobre o tema, mostra-se importante ser aqui feito em resgate do ponto que vêm causando certo reboliço na doutrina, qual seja, da possibilidade da retroação da norma do art. 2.035, parágrafo único, do CC, sem que isso afronte às garantias constitucionais do direito adquirido e do ato jurídico perfeito.

O primeiro aspecto envolve destacar a questão relativa à possibilidade de se ter a retroatividade de uma determinada norma, ainda que tal fato signifique atingir tão somente os efeitos de um negócio jurídico celebrado sob a égide de uma legislação anterior.

Sobre o tema, diversos foram os estudos já desenvolvidos, uns na defesa da impossibilidade de retroatividade em tal situação, outros, em sentido contrário, defendendo a hipótese de retroatividade, mormente quando se estiver diante de normas que envolvam preceitos de ordem pública e aspectos sociais.
Sempre visto como uma referência doutrinária nos debates travados acerca do direito intertemporal, Paul Roubier, citado por Eduardo Espinola e Eduardo Espinola Filho, destaca a absoluta impossibilidade de uma lei nova incidir sobre negócios jurídicos celebrados com base na antiga legislação, mesmo que a nova legislação venha a trazer regras de ordem pública (1943, p. 321).

No mesmo sentido seguiu o Supremo Tribunal Federal, no já clássico julgamento da ADIN nº 493-0/DF, cujo tema central envolvia a declaração de inconstitucionalidade da lei que instituiu a TR, em substituição da OTN e da UPC, como índice de atualização dos saldos devedores dos contratos celebrados com órgãos integrantes do Sistema Financeiro de Habitação.

Em tal julgamento – que, aliás, serviu de base para idêntico posicionamento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, quando entendeu que a legislação do plano real não poderia atingir os contratos firmados anteriormente à sua vigência – o Supremo Tribunal Federal, em acórdão da lavra do Min. Moreira Alves, sustentou que:
"Se a lei alcançar os efeitos futuros de contratos celebrados anteriormente a ela, será essa lei retroativa (retroatividade mínima) por que vai interferir na causa, que é um ato ou fato ocorrido no passado. O disposto no art. 5º, XXXVI, da CF, se aplica a toda e qualquer lei infraconstitucional, sem qualquer distinção ente lei de Direito Público e lei de Direito Privado, ou entre lei de ordem pública e lei dispositiva. Precedente do STF. Ocorrência, no caso, de violação ao direito adquirido" (ADIn nº 493-0/DF, relator Ministro Moreira Alves, DJU 04.09.92.).
Todavia, outras vozes igualmente importantes surgem em sentido oposto. Na verdade, são posicionamentos que sustentam, de forma geral, a necessidade de se avaliar – para se saber da possibilidade ou não da retroatividade de uma lei – a finalidade social da norma.

Nesse sentido segue, dentre outros, Carvalho Santos (1980, p. 51), que destaca que "onde quer que haja necessidade, por interesse da ordem superior, de sacrificar os direitos de outrem, não se pode negar a possibilidade da lei ter efeito retroativo, ainda que vá ferir direitos adquiridos, ato jurídico perfeito ou coisa julgada."

Tendo o julgamento antes referido como fundamento, Antônio Jeová dos Santos (2002, p. 310) defende a inconstitucionalidade tanto do caput do art. 2.035, como do seu respectivo parágrafo único, afirmando que "a segunda parte do art. 2.035 do Código Civil é incompatível com a Constituição e, portanto, não irá sobreviver, nem merecer aplicação dos juízes e tribunais", complementando ainda que todos os contratos celebrados sob a vigência do "Código de 1916 (excetuam-se aqueles abrigados pelo Código de Defesa do Consumidor), mesmo que de trato sucessivo, terão aplicação em vista da lei anterior e não do Código novo"
No entanto, como foi anteriormente salientado, e com a devida vênia daqueles que pensam em sentido contrário, parece que a questão não vem sendo enfrentada sob a ótica adequada. Em verdade, como bem salienta a Min. Fátima Nancy Andrighi, é preciso maior reflexão sobre o tema, para que, com isso, seja possível "perceber que a discussão a respeito dessa disposição não se coloca, necessariamente, em termos de irretroatividade, ou de retroatividade" (2205, p. 4-5).

Com efeito, apenas pode se falar em retroatividade ou não de uma lei que esteja, de alguma forma, alterando dispositivos legais pré-existentes, ou regulando situações jurídicas ou institutos até então inéditos no ordenamento jurídico do país. Todavia, tais hipóteses não são encontradas no caso em exame.

Sobre o ponto, muito pertinentes se mostram, uma vez mais, as palavras da Min. Nancy Andrighi (2005, p. 5):
"Com efeito, os princípios cuja aplicação aos contratos antigos é determinada pelo art. 2.035 do Código Civil de 2002 – notadamente o princípio da função social dos contratos – não nasceram especificamente no momento em que se editou esse diploma legal. O Código de 2002, na verdade, nada mais fez que codificar princípios que já vinham sendo reconhecidos por toda a jurisprudência antes de sua edição, como corolários de outros princípios constitucionais, como o da igualdade e o da função social da propriedade (respectivamente, art. 5º, caput e, inciso XXIII, da Constituição Federal)."
Em interessante digressão a respeito da função social da propriedade, Ana Rita Vieira Albuquerque (2002, p. 51) destaca que "o embrião da visão social da propriedade foi introduzida em nossa Constituição em 1934 e desde então vem sendo modificada a visão liberal da Carta de 1824, com sensível alteração do conteúdo mesmo do direito de propriedade". E complementa a autora, dizendo que "com a Constituição de 1988, a propriedade transmudou seu caráter constitucional individualista em um instituto de natureza social".
Dessa forma, a função social da propriedade, há bastante tempo, vem sendo prevista – mesmo que de forma implícita – no ordenamento pátrio, sendo certo que, com a Constituição da República de 1988, a mesma foi efetivamente positivada, nos termos do art. 5º, XXIII.

E a função social do contrato, por sua vez, também não se apresenta como uma novidade introduzida pelo Código Civil de 2002, na medida em que se mostra como corolário dos princípios da função social da propriedade e da isonomia.

Em artigo destacando o interesse social no direito privado, destaca Arnoldo Wald (2005, p. 43) que:
"a função social do contrato e a aplicação do princípio da boa-fé não devem, pois, ser interpretadas exclusiva ou principalmente como proteção especial da parte economicamente mais fraca. Significam a manutenção do equilíbrio contratual e o atendimento dos interesses superiores da sociedade".
Destarte, as funções sociais da propriedade e do contrato não foram introduzidas no ordenamento por meio do Código Civil. Ao contrário, são princípios que já existiam, e que já nortearam – ou deveriam ter norteado – os negócios celebrados antes mesmo da vigência do Código Civil de 2002.

Destaca José Renato Nalini (2007, p. 76) que não há mais espaço atualmente para que a vontade individual reine absoluta. Assim é que, segundo o autor, "a liberdade de contratar, se não foi subtraída à instância da individualidade, foi ao menos debilitada. Subordina-se à função social".

Com efeito, a importância do aspecto social nas convenções celebradas entre as pessoas é uma tendência bastante evidente, e que há muito é detectada no em vários ramos do direito – citando-se, apenas a título de exemplo, as relações trabalhistas e consumeristas – sempre com o intuito de se promover a correção das distorções existentes, para que se possa alcançar efetivamente a realização da justiça.

Em conclusão: com a vigência do art. 2.035, parágrafo único do Código Civil, não houve, portanto, nenhuma inovação no ordenamento jurídico pátrio. O referido dispositivo legal nada mais fez do que repisar e positivar certos princípios, que já se encontravam presentes no sistema. E se assim o fez, nenhuma inconstitucionalidade pode ser cogitada, assim também como não se justifica a discussão acerca da retroatividade ou irretroatividade da norma.

MILLER, Cristiano Simão Miller . A constitucionalidade e a retroatividade do art. 2.035, parágrafo único, do Código Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3110, 6 jan. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20794/a-constitucionalidade-e-a-retroatividade-do-art-2-035-paragrafo-unico-do-codigo-civil>.

Embargos de declaração conhecidos como agravo interno

Não se sabe bem qual foi a causa – se os julgadores passaram automaticamente a julgar desta forma como meio de desafogar seus gabinetes das pilhas de processos, ou se tudo decorreu do manejo inadequado do recurso pelos advogados – o certo é que está sedimentado na jurisprudência brasileira conhecer dos embargos de declaração como agravo interno, quando opostos em face de decisão monocrática de relator. Mas será que essa regra não é merecedora de temperamentos?

As linhas abaixo redigidas demonstrarão a necessidade de primeiro identificar as razões recursais e o pedido encartados nos aclaratórios, pois são eles quem definirão a natureza da espécie recursal. Além disso, algumas situações práticas foram identificadas, e as soluções pertinentes serão apresentadas em seguida.

Dos embargos de declaração

O juiz, ao sentenciar determinado processo, deve estar revestido de isenção de ânimo, aberto a reflexões sobre os argumentos da parte – mesmo que com eles não concorde – e movido pelo dever de aplicar o direito ao caso concreto, haja vista, publicada a sentença, ela só será alterada para correção de erro material ou de cálculo ou por meio de embargos de declaração.

Esses embargos não servem para diretamente modificar o entendimento exarado na decisão. Têm a missão, por outro lado, de retirar de seu conteúdo contradições, eliminar obscuridades ou colmatar omissões. Noutras palavras: "O que se pede é que se declare o que foi decidido, porque o meio empregado para exprimi-lo é deficiente ou impróprio. Não se pede que se redecida; pede-se que se reexprima." [01]. Por isso que o juiz deve estar convicto da posição a ser tomada, já que, em regra, os embargos de declaração não constituem nova chance para refletir sobre a causa posta em sua mesa.

O parágrafo anterior, como tudo na vida, não deve ser tomado de forma absoluta. Apesar de esse recurso não ser manejado diretamente contra o mérito, a correção dos vícios previstos no CPC podem gerar, por via oblíqua, efeitos infringentes (ou modificativos). Basta imaginar o juiz ter deixado de avaliar um dos fundamentos (o principal deles) da defesa, e julgado procedente o pedido; opostos os embargos de declaração, e sanada a omissão, o magistrado avaliará a defesa por completo, podendo, desta feita, acolher o "fundamento esquecido" e julgar improcedente o pedido.

O grande problema é que os efeitos infringentes começaram a ser a alma corriqueira desses embargos – não se sabe se por erro do julgador ou por argúcia do advogado – de modo que os magistrados passaram a sistematicamente não conhecê-los.
Eis pertinente crítica da doutrina:
Infelizmente, porém, os embargos de declaração vêm sendo interpretados por muitos juízes como uma forma de "crítica" às suas decisões. Por isso, alguns magistrados deixam de conhecer e examinar os embargos de declaração sob o argumento de possuírem caráter infringente, visando com isso esconder defeitos em suas decisões, colocando-as a salvo de reparos, como se o erro não fosse imaginável na atividade jurisdicional. Tal mentalidade deve ser revista urgentemente, uma vez que os embargos de declaração não podem ser considerados como ataque pessoal ao juiz, mas como forma de colaboração com a atividade estatal, tendente a permitir que a decisão seja a mais perfeita, completa e clara possível. [02]
No caso das decisões monocráticas previstas no art. 557 do CPC, os embargos de declaração contra elas opostos estão sendo, sem maiores cuidados, conhecidos como agravos internos, sem se perquirir se a intenção do recorrente é corrigir os vícios constantes do art. 535 do CPC ou impugnar a justiça da decisão. É sobre essa visão que pretende refletir.

Do agravo interno

O agravo interno é a modalidade recursal que impugna decisões monocráticas dos relatores. É bom que se diga que, a razão de haver a possibilidade de se decidir monocraticamente em vez de forma colegiada, é exatamente a existência do agravo interno, que possui o condão de levar a disputa judicial ao órgão colegiado.

As atenções desse artigo se voltam para a clara e evidente diferença de escopos e pressupostos de recorribilidade entre os embargos de declaração e o agravo interno. Em resumo, o primeiro quer aperfeiçoar a decisão, seja por esquecimento de examinar algum fundamento do pedido da inicial ou da defesa, seja porque suas linhas se mostraram obscuras (dificuldade de absorção intelectual) ou contraditórias (diz algo no começo e desdiz mais à frente). O segundo pretende que o órgão colegiado modifique a decisão monocrática proferida, conforme sua pretensão.
Delineado esse quadro, não há como confundi-los.

Das situações práticas

Agora, adentra-se nas situações práticas corriqueiramente enfrentadas no meio forense, notadamente, nos tribunais de segunda instância.

A primeira delas é quando o recorrente, ao opor embargos de declaração, tem a intenção de fazer desaparecer alguma contradição, obscuridade ou omissão do édito monocrático.

Partindo do pressuposto de que os embargos cabem contra qualquer decisão judicial [03], e que, segundo a Corte Especial do STJ [04], a competência para julgá-los quando opostos contra decisão do relator é dele, e não da turma, câmara, pleno ou órgão especial, não podem eles ser convertidos de forma cega em agravo interno; devem, sim, ser acolhidos e desacolhidos como embargos de declaração pelo relator.

O grande prejuízo da conversão nessa situação é para o recorrente que aviou de forma legítima e adequada seu recurso. Imagine-se o relator ter omitido certo ponto que merecia apreciação. Qual a estratégia a ser escolhida pela parte? Opor os embargos para suprimir a omissão, e – suprimida ou não, mas mantida a parte dispositiva – posteriormente, interpor agravo interno. Mas, e se o relator converte os embargos em agravo interno, e nega provimento, mantendo in totum sua decisão?

É de clareza solar o prejuízo da parte. Primeiro, o recurso não foi analisado e julgado como deveria ser: as razões recursais e o pedido giravam em torno de uma omissão, e não do mérito. Segundo, a parte não teve a possibilidade de apresentar o caso em debate para os demais julgadores do colegiado, já que o feito foi levado em mesa como se agravo interno fosse.

É certo que o julgador não é obrigado a manifestar-se sobre todos os pontos suscitados pelas partes, se, de forma lógica, sua posição rejeita os argumentos das partes. Entretanto, se o conteúdo decisório não infirma os fundamentos dos litigantes, seu não enfrentamento viola o princípio do contraditório, na faceta do direito de a parte ver seus argumentos considerados pelo julgador [05], nem que seja para desacolhê-los.

A segunda hipótese é quando a parte opõe os aclaratórios com vistas a diretamente reformar o mérito. Por economia processual, os magistrados convertem o recurso em agravo interno, já que o prazo recursal de ambos é o mesmo, e o pedido encartado na insurreição está voltado contra o mérito, e não em face de algum das três máculas do art. 535 do CPC.

Por derradeiro, se parte dos embargos cinge-se aos pressupostos do art. 535 do CPC e a outra tenciona reformar a decisão, devem eles ser parcialmente conhecidos, e, nessa parte, acolhidos ou desacolhidos como embargos declaratórios.

Conclusão

A realidade aponta uma demanda superior à capacidade de o Poder Judiciário dar vazão. Várias são as razões: número insuficiente de juízes, ausência de uma estrutura de pessoal e material adequada para o desenvolvimento do seu mister, manobras das partes com a intenção de protelar sua derrota ou a satisfação do direito a quem foi reconhecido como legítimo detentor etc.

Mas todos os envolvidos estão oficiando onde pretendem: terminaram seu curso na faculdade, estudaram para passar em concurso público ou se preparam diuturnamente para defender os interesses do seu representado. Ninguém está obrigado a fazer tarefa alguma; não houve uma lei sequer que obrigou fulano a cursar direito e ser juiz ou advogado.

Se tivermos atenção, e empregarmos com rigor as prescrições legais, enxergaremos saídas para melhorar prestação jurisdicional e punir quem estiver tumultuando o processo, sem inventarmos fórmulas que não espelham a devida prestação jurisdicional, tampouco solucionam o exacerbado demandismo judicial vivido hodiernamente, mas apenas o empurra para frente.

Como não devemos perder a memória de que há vida por trás de cada processo e recursos públicos despendidos indevidamente, abandonemos a posição de um inveterado otimista ou de um cego pessimista, e sejamos realistas esperançosos que colhem as pedras do caminho para pavimentarem a estrada do sucesso.

CRUZ, Henrique Jorge Dantas da. Embargos de declaração conhecidos como agravo interno. Uma constante que merece revisão. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3114, 10 jan. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20825/embargos-de-declaracao-conhecidos-como-agravo-interno>.

Direito de exercício de culto religioso nas relações de vizinhança

Conforme é sabido, são inúmeros os problemas envolvendo as relações de vizinhança em nosso País, o que poderia ser explicado, inclusive, por questões culturais, mas esse não é o objeto do presente ensaio, que busca analisar um determinado aspecto desse problema, no que se refere ao conflito desses direitos de vizinhança (previstos no Código Civil) e a liberdade pública (e, portanto cláusula pétrea) do direito de fé e manifestação religiosa.

Parto, em minhas observações, de um caso concreto que analisei, envolvendo um conflito gerado entre o direito de culto dos participantes de uma determinada comunidade evangélica, titulares desta liberdade pública e do direito de propriedade correlato ao imóvel onde se realizavam os cultos, e o direito à tranqüilidade dos moradores vizinhos.

Pelo óbvio, não se pretende coibir o livre exercício da fé de qualquer pessoa (e a decisão da polêmica não é ideológica, não passando por qualquer preconceito em relação a qualquer religião, posto que a solução seria a mesma sendo uma igreja católica, uma mesquita ou uma sinagoga), direito este constitucionalmente assegurado pela Constituição de 05.10.1988, na norma contida no seu artigo 5º, inc. VI; contudo, de se salientar que o exercício deste direito não pode anular o direito também constitucionalmente garantido, no tocante ao exercício da propriedade.

E, desde há muito se encontra superado o espírito iluminista corporificado na máxima francesa "laissez faire, laissez passet", que definia as relações de propriedade no período que se seguiu à Revolução Francesa (e o Código Napoleônico de 1.804 foi fonte inspiradora de Clóvis Bevilacqua nos estudos de elaboração de nosso Código Civil atual), e, no lugar desta acepção, vem se assentando a idéia da função social da propriedade, herança de uma releitura do instituto sob a ótica do "Welfare State" (e, atualmente, com o fenômeno da chamada globalização, os postulados deste estado de bem estar social também acabarão por suscitar novas leituras).

Assim, tratando-se o Brasil, de um Estado Democrático de Direito, conforme expressa previsão constitucional, também insculpiu princípio semelhante em sua Magna Carta (e, se a noção de soberania não for gravemente alterada em função de fatores econômicos, de prevalecer o teor que se conferiu aos institutos pela nossa Carta Política).

Logo, a liberdade de culto é garantida, bem como o seu exercício e sua manifestação, mas, parece óbvio, que tal exercício deverá ser racional, não podendo extrapolar as esferas do exercício regular do direito de propriedade, que encontra limitações nas normas concernentes ao direito de vizinhança.

Desta feita, entendo que o artigo 5º, inc. VI da Constituição Federal, não tenha revogado a norma contida no artigo 554 do Código Civil de .1916 (vigente quando do advento da atual Carta Constitucional), que disciplina as relações de vizinhança, orientando-se no sentido de que não se pode exercer o direito de propriedade de forma a por em risco a tranqüilidade, a segurança e as condições de saúde do imóvel vizinho.

O alcance da norma contida no referido artigo 554 do Código Civil de 1.916, realocado pelo advento do atual Código Civil (Lei nº 10.406/02), em sua norma contida no artigo 1.277l, recepcionado, insista-se, pela Ordem Constitucional vigente, é inequívoco em relação a este aspecto, podendo-se destacar maciço entendimento doutrinário neste sentido.

Por exemplo, neste sentido, poderiam ser apontadas as opiniões dos eminentes civilistas Washington de Barros Monteiro [01]; Antônio José de Souza Levenhagen [02]; Sílvio Rodrigues [03] e Carlos Roberto Gonçalves [04].

Mas, mais elucidativa sobre o tema, é a opinião de Maria Helena Diniz, como se observa no trecho de sua obra abaixo transcrito e que é suficiente para dissipar qualquer dúvida que possa ter a respeito de tal tema: " .......... Para Santiago Dantas há conflito de vizinhança sempre que um ato praticado pelo dono de um prédio, ou estado de coisas por ele mantido, vá exercer seus efeitos sobre o imóvel vizinho, causando prejuízo ao próprio imóvel ou incômodo ao morador ......... Limita-se o direito de propriedade quanto à intensidade de seu exercício em razão do princípio geral que proíbe ao indivíduo um comportamento que venha a exceder o uso normal de um direito, causando prejuízo a alguém ............ Por exemplo, se alguém, em face de regulamentos de condomínio, pode ligar a televisão até as 24 horas, e o fizer dentro deste horário, ainda que venha a prejudicar o estado de neurose de seu vizinho, está usando de um direito dentro dos limites normais e só por simples caridade poderia se restringir. Isto é assim porque, segundo o artigo 160, inc. I, do Código Civil, não comete ato ilícito o proprietário que exerce seu direito de maneira regular ou normal. Dentro de sua zona o proprietário pode, em regra, retirar da coisa que é sua todas as vantagens, conforme lhe for mais conveniente ou agradável, porém, a convivência social não permite que ele aja de tal forma que exercício passe a importar em grande sacrifício ou dano ao seu vizinho ...... São ofensas ao sossego os ruídos excessivos que tiram a tranqüilidade dos habitantes do prédio confinante, como festas noturnas espalhafatosas; gritarias; barulho ensurdecedor de indústria; emprego de alto-falante de grande potência para transmitir programas radiofônicos. Isto porque todos temos direito ao sossego, sobretudo nas horas de repouso noturno, devido à grande influência nefasta do barulho na gênese das doenças nervosas. (pág. 182/183). Convém esclarecer que mesmo o uso lícito do domínio, desde que prejudicial pelo seu exagero, incide em proibição legal. O mau uso é o uso anormal, sendo que só o que é abusivo e intolerável incorre na proibição legal. O que não ultrapassar os limites da anormalidade entra na categoria dos encargos ordinários da vizinhança" [05].

No caso em tela, a Entidade Religiosa vinha, ainda que de forma lícita, exercendo de forma anormal a sua propriedade sobre a área na qual se localizava seu templo (não chegaria a caracterizar, tecnicamente, um ato emulativo posto que não se comprovou o dolo, ou seja, a intenção de praticar o ato apenas para causar perturbação da tranqüilidade, o que, aliás, impediria a caracterização de qualquer contravenção penal pela falta da chamada voluntariedade de conduta), infringindo normas da Resolução nº 01 do CONAMA datada de 08.03.90, retificada em 16.08.90, em prejuízo de seus vizinhos, o que foi devidamente apurado por laudos periciais, de modo que, diante de tal constatação, determinou-se, em sede de constituição de verdadeira obrigação de fazer, que a Entidade adaptasse seu templo às normas técnicas (com a instalação de filtros de som e isolantes nas paredes), sob pena de sofrer com o pagamento de astreintes (as conhecidas multas diárias).

Diante disso, conseguiu-se estabelecer um parâmetro razoável que permitiu o equilíbrio e a coexistência de duas liberdades públicas aparentemente antagônicas, não se entendendo nem o direito de propriedade, nem o direito do exercício de crenças religiosas, de forma absoluta (o que somente foi possível, no contraste com outra liberdade pública dos moradores vizinhos, decorrente de seus direitos individuais de propriedade, que lhes garantiam direitos de vizinhança na forma supramencionada), o que subsistiu em sede recursal, em julgamento realizado pelo E. 2º Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo (veja-se a esse respeito, o acórdão publicado na JTA-Lex 173/499).

No entanto, destaca-se que tal solução foi aplicada sob a ótica do direito civil, em processo ocorrido no ano de 1.996, que não considerou a alteração legislativa posterior, que estabeleceu tratamento diferenciado nas relações de direito administrativo (ou seja, quando o Estado "lato sensu", atua com seu poder de polícia), a partir da chamada nova Lei Ambiental, o que poderia ser analisado em outra oportunidade, eis que escapa ao tratamento essencialmente civilista que me propus a analisar.

SILVA, Júlio César Ballerini. Direito de exercício de culto religioso nas relações de vizinhança. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3114, 10 jan. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20832/direito-de-exercicio-de-culto-religioso-nas-relacoes-de-vizinhanca>.

Acordo extrajudicial impede discussão judicial

Em um momento em que o Judiciário incentiva a conciliação e os acordos extrajudiciais, seria um contrasenso um tribunal não respaldar um pacto sem que houvesse vício de consentimento por uma das partes envolvidas. Para a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em nome da segurança jurídica, a realização de um acordo extrajudicial impede a discussão posterior, no Judiciário, da questão que foi objeto dessa transação. A Turma  reformou acórdão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina para julgar improcedente uma ação de indenização proposta por uma passageira que sofreu acidente de ônibus.

O único fator que ensejaria a ação de indenização, afirmou a relatora do recurso no STJ, ministra Nancy Andrighi, seria vício na vontade. De acordo com ela, “o tribunal estadual não teceu nenhuma consideração acerca da existência de qualquer vício na manifestação de vontade da vítima que pudesse impedir o acordo extrajudicial de produzir efeitos”.

Pelo contrário. “No momento da assinatura do acordo, a recorrida [passageira] estava representada por um advogado, que também firmou o documento, inexistindo qualquer alegação da parte quanto à existência de algum vício de consentimento capaz de acarretar a invalidade do negócio jurídico”. Ou seja, não houve engano quanto a nenhum dos elementos essenciais ao negócio, como natureza, objeto, substância ou pessoa. “Ainda que, posteriormente, possa ter considerado insuficiente a quantia recebida, não se pode atribuir seu arrependimento a erro no momento da conclusão do negócio.”

Na decisão, a ministra Nancy Andrighi reconhece que a jurisprudência sobre o assunto ainda não é unânime. No entanto, para ela, essa heterogeneidade se deve ao modo como se dá cada caso concreto. “Torna-se indispensável a avaliação das circunstâncias existentes no momento em que o ato foi praticado e em que medida influenciaram o ânimo contratante”, explica.

O advogado Rodrigo de Assis Horn, do Mosimann, Horn & Advogados Associados, que representou a empresa, conta que a decisão incentiva a conciliação. “Feito o acordo, não existe a possibilidade de ajuizamento de ação para rediscutir as questões por ele abrangidas, salvo quando da ocorrência de dolo ou violência, em que a parte terá de pleitear a anulação da transação”, explica. 

No caso, a passageira da Transporte Coletivo Estrela machucou o joelho em acidente ocorrido com o ônibus da empresa em 1999, na cidade de São José (SC). Em acordo celebrado com a empresa, a mulher recebeu um valor para o custeio do tratamento médico e, ainda, outro a título de compensação pelo período em que ficou afastada do trabalho. Os dois somaram R$ 3 mil. Insatisfeita, recorreu ao Judiciário pedindo indenização por danos materiais, morais, estéticos e pensão.

Ao rejeitar pedido por pedido, a relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, lembrou, com base em entendimento do ministro Carlos Alberto Menezes Direito, que “a quitação plena e geral, para nada mais reclamar a qualquer título, constante de acordo extrajudicial, é válida e eficaz, desautorizando investida judicial para ampliar a verba indenizatória aceita e recebida”.

Em sentido contrário, o TJ-SC havia decidido que a quitação dada pela empresa, por ocasião da realização de acordo extrajudicial, não retira da passageira o direito de ajuizar ação pedindo a complementação da reparação dos danos sofridos em razão do acidente, "principalmente se o valor pago pela empresa de transportes responsável pelo sinistro, a título de danos morais, é ínfimo e não condiz com o ilícito causado”. O TJ havia fixado uma indenização de R$ 20 mil.

RE 1.265.890
Revista Consultor Jurídico

Condomínio responde por agressão de condômino

O condomínio residencial responde pelos atos de condôminos que causem danos a seus empregados. Com base nessa premissa, a 8ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou o retorno de um processo à 2ª Vara do Trabalho de Aracaju para que proceda à abertura da instrução processual e julgue o caso de um porteiro agredido por um condômino e demitido posteriormente.

Segundo o trabalhador, contratado em março de 2009 pelo Condomínio Residencial Vitória Régia, em Aracaju, o fato ocorreu em 29 de julho de 2010. Nesse dia, um condômino teria se dirigido a ele, na guarita do condomínio, e dito que poderia matar ou mandar matar quem ele quisesse. Quinze minutos depois, quando o porteiro entregava o boleto da taxa de condomínio a outro morador, o agressor voltou e, sem nenhum aviso, levantou a camisa para mostrar que estava desarmado, chamou o trabalhador de "velho safado" e desferiu-lhe um tapa no rosto.

O porteiro soube depois que o agressor era policial, portava arma e já se comportara daquela maneira em outras ocasiões. Procurado pela síndica por telefone, foi aconselhado a não abrir boletim de ocorrência e "deixar isso para lá". Segundo a síndica, situações parecidas já teriam acontecido outras vezes, e o agressor "não possuía suas faculdades mentais normais". Em juízo, o condomínio reconheceu a agressão, mas negou que houvesse qualquer responsabilidade sua pelo ato do morador.

Ao examinar o caso, a 2ª Vara de Aracaju negou o pedido de indenização feito pelo porteiro, pois o condomínio não poderia ser responsabilizado por um "ato pontual" e de "caráter personalíssimo" praticado por condômino, pessoa física. Em relação à dispensa do trabalhador, o juízo de primeira instância considerou que, por ser ato discricionário do empregador, não havia, no caso, qualquer prova cabal de que a iniciativa se dera como consequência do ocorrido.

Tutela do empregador
O processo toma agora novo rumo, após a decisão da 8ª Turma do TST no julgamento do recurso de revista do trabalhador. Para o relator, juiz convocado Sebastião Geraldo de Oliveira, se o empregado sofre dano físico e moral durante a jornada de trabalho, quando está sob a tutela do empregador, o condomínio deve responder pelo dano causado.

Para o relator, cada condômino, ao tratar pessoalmente com os empregados do condomínio, está na posição de empregador, uma vez que sua condição de proprietário garante o exercício de determinados direitos. Portanto, o condômino que agride física e/ou verbalmente o empregado "abusa verdadeiramente da subordinação jurídica decorrente da relação de emprego, o que enseja a responsabilidade de indenização por dano moral".

A fundamentação da decisão baseou-se no entendimento de que o condomínio deve zelar pela integridade tanto de seus moradores como dos empregados, punindo aqueles que não observem as regras de convívio, conforme dispõe o artigo 1.337 do Código Civil, que prevê procedimentos a serem aplicados pelos condomínios a seus condôminos antissociais. Portanto, se algum morador gera problemas por seu comportamento antissocial, e o condomínio não o pune, está caracterizada a atitude omissiva do empregador.

Retorno dos autos
Para que o condomínio seja condenado ao pagamento de indenização por dano moral - com base na responsabilização subjetiva contemplada no artigo 186 do Código Civil, é necessária, porém, a existência de ação ou omissão do empregador, nexo causal e lesão extrapatrimonial. No caso, o juiz de primeiro grau negou o pedido com base na ausência de responsabilidade do condomínio. Assim, as provas não foram analisadas, e a oitiva de testemunhas não foi realizada.

Diante dessa situação, a Turma não pôde analisar se o trabalhador sofreu as agressões. Por isso, a 8ª Turma determinou o retorno dos autos à Vara de origem para que realize a instrução processual e julgue o feito como entender de direito.

RR - 1464-27.2010.5.20.0002
Revista Consultor Jurídico