No tópico anterior, procurou-se evidenciar o grande interesse político
no segmento do agronegócio e a presença do Estado como principal agente
normatizador, regulador e importante financiador dessa atividade.

Há que se registrar que o Sistema Nacional de Crédito Rural - SNR
carregava uma orientação estratégica de modernização conservadora do
agronegócio brasileiro, ou seja, os recursos eram direcionados
fortemente para produtos que estivessem integrados à agroindústria, aos
grandes produtores, ao custeio da safra e bastante concentrados nas
regiões Sul e Sudeste.
Até meados da década de 80 o modelo de financiamento ao setor do
agronegócio envolvia recursos do Tesouro Nacional com juros subsidiados
que eram repassados pelos agentes financeiros estatais e de economia
mista, mediante o ajuste das taxas de juros via equalização, ou seja, os
bancos, notadamente o Banco do Brasil, efetuavam os empréstimos à juros
mais baratos do que os custos de captação e, posteriormente, faziam o
ajuste da diferença do custo do dinheiro no mercado, à débito do Tesouro
Nacional. (REZENDE, 2003).
Para tanto, havia sido instituído um mecanismo chamado Conta Movimento,
onde o Banco do Brasil sacava os recursos, à ordem do Tesouro Nacional,
na medida necessária para atender às demandas de crédito para cada
período de safra, de modo a garantir a continuidade dos negócios da
espécie. (GREMAUD, VASCONCELOS E TONETO JR, 2002).
Este modelo encontra exaustão na década de 80, também chamada pelos
economistas da década perdida. No início da década o mundo enfrentou a
segunda crise do petróleo, com consequências econômicas negativas como
aumento das taxas de juros internacionais e o inevitável aumento do
déficit público e da inflação.
Já em 1986, o governo federal decide encerrar o mecanismo da Conta
Movimento em função da deterioração das contas públicas, uma vez que os
saques, agora a descoberto por falta de recursos do Tesouro, tinham um
efeito nefasto sobre a inflação. O que se viu foi uma redução drástica
dos recursos subsidiados e a consequente redução da oferta de crédito ao
agronegócio.
Aliado a esse movimento de acerto das contas públicas, viu-se o
produtor rural diante de um quadro complexo e de difícil solução, pois
além da redução do volume de recursos para financiamento de suas
atividades, os preços dos produtos, diante da crise mundial, também
foram fortemente deprimidos e o setor viu seus lucros reduzirem em
patamares preocupantes (SERVILHA, 1994).
A saída encontrada pelo sistema político foi, ainda em 1986, aumentar
os percentuais das exigibilidades de financiamento dos bancos, sobre
seus saldos de depósitos à vista, para até 30% nos casos dos grandes
bancos, 20% para os médios e 10% para os pequenos, tendo como reflexo um
aumento superior a 80% nos recursos destinados ao agronegócio. (GASGUES
E VILLA VERDE, 1996).
Paralelamente, conforme leciona Servilha (1984), a edição da Resolução
n? 937 do Conselho Monetário Nacional, de 1? de agosto de 1984, havia
permitido aos bancos comerciais realizarem operações de crédito rural
com seus recursos de conta própria (também ditos livres), ou seja, fora
da regra das exigibilidades, de acordo com seus interesses comerciais e
estratégicos, além de poderem praticar taxas de mercado.
Em função da redução de recursos, ainda em 1986, foi autorizada a criação da Caderneta de Poupança Rural[10],
também chamada Poupança Verde, que de um lado aliviava a pressão por
recursos oriundos do Tesouro Nacional e de outro, dotava o sistema
financeiro de uma poderosa fonte de captação de recursos destinados ao
financiamento agrícola.
Mas, para Gasgues e Villa Verde (1996), os problemas não foram
resolvidos, muito pelo contrário, agravaram-se em função da situação
econômica pela qual passava o país, bem como por uma decisão tomada em
1989, pelo Conselho Monetário Nacional, que determinou a proibição da
cobrança de taxas de juros acima de 12% a.a. nos empréstimos lastreados
pela Poupança Rural, diminuindo ainda mais, já em 1990, para 9% a.a. o
teto máximo, o que causou sérios prejuízos aos bancos, obrigando o
Tesouro Nacional a cobrir a diferença.
Com isso, a safra 1989/90 apresentou um péssimo desempenho, bem abaixo
das previsões esperadas, provocando redução no abastecimento interno e
pressões inflacionárias. Com o objetivo de sanar os problemas até então
vividos, em agosto de 1990, decide-se aumentar os preços mínimos de
garantia de alguns produtos, como arroz, feijão e milho, além de
corrigir os valores básicos de custeio, que norteiam os financiamentos
agrícolas, para a safra 1990/91. (IPEA, 2000)
Todavia, em função do confisco de ativos ocorrido no governo Collor, há
época dessas medidas, a escassez de recursos obrigou o Conselho
Monetário Nacional a prorrogar, pelo prazo de uma safra, os
financiamentos originados com lastro na Poupança Rural[11].
Além disso, foram necessárias medidas adicionais como a criação de uma
nova linha de crédito que pudesse ser garantida por caução de apólice de
seguro ou de contrato de venda no mercado futuro, como forma de
incentivar o sistema financeiro a usar seus recursos livres, mas com
riscos mitigados.
Portanto, a partir do agravamento da crise fiscal brasileira, ocorrida
na década de 80, conforme observado por Massuquetti (1999), o que se viu
foi a drástica redução de recursos públicos destinados ao suprimento
das demandas de crédito do setor agrícola, e, já nos anos 90, percebe-se
uma clara opção política pela redução das intervenções estatais na
economia, passando esta a ficar cada vez mais vinculada ao mercado, o
que resultou em um aumento da participação da iniciativa privada nos
financiamentos da espécie.
Dos exemplos acima se pode perceber a dependência do setor de
agronegócios de financiamentos, quer para custeio, investimentos e mesmo
para comercialização, sendo que tais demandas não podem mais ser
supridas apenas com recursos governamentais, ainda que estes sejam
imprescindíveis.
A recente estabilização da economia brasileira, que teve início com o
advento do Plano Real, ainda no Governo Sarney, tendo continuidade
assegurada nos governos Fernando Henrique Cardoso e Lula, parece
continuar no atual governo da presidente Dilma, como se pode verificar
pelo artigo publicado pelo renomado periódico inglês, Financial Times,
elogiando as medidas políticas e econômicas brasileiras, reconhecendo,
ainda, nossa desenvoltura, tanto no mercado interno, quando no externo, a
despeito da crise mundial atual.[12]
Este período de estabilidade dos últimos anos deu impulso considerável
ao agronegócio brasileiro, como já demonstrado anteriormente pelos
relevantes números que apresenta. A existência de perspectivas ainda
mais promissoras acaba por estimular novos investimentos em tecnologia e
aumento da produtividade, o que de fato tem ocorrido safra após safra.
Assim, desse mercado evoluído também participa o sistema financeiro,
desenvolvendo uma série de novas soluções que possibilitem ao empresário
do agronegócio viabilizar seus projetos com novas fontes de captação de
recursos, fugindo das formas tradicionais de financiamento, aliviando
as contas públicas e deixando para o governo os financiamentos que de
fato são de relevância social, como, por exemplo, o Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar - PRONAF[13] que busca o desenvolvimento da agricultura familiar.
Cada vez mais o financiamento da atividade do agronegócio advém dessas
novas fontes de captação, bem como pelo financiamento de outros entes
privados que participam da extensa cadeia desse segmento, como, por
exemplo, as grandes esmagadoras de grãos que acabam por antecipar os
recursos necessários aos produtores, assegurando o fornecimento de sua
matéria-prima.
A emissão de papéis oriundos da comercialização dos produtos, como CDCA[14], ou mesmo vinculados à safra futura, como as LCA’s[15],
são exemplos de mecanismos modernos que o sistema financeiro coloca à
disposição do agronegócio, além de soluções de proteção de preços,
frente às volatilidades do mercado internacional, também são exemplos de
apoio ao agronegócio.
Assim, dada a grande complexidade que as operações de agronegócio
demandam, bem como da extensa cadeia produtiva envolvida nesse segmento
econômico, tem sido cada vez mais relevante e essencial ao
desenvolvimento desses negócios, o financiamento bancário, quer por vias
convencionais, com ou sem subsídios estatais, quer por modernas e
intrincadas engenharias financeiras envolvendo grandes fundos de
pensões, nacionais e estrangeiros.
Podemos depreender dessa relação cada vez mais complexa, que as
instituições financeiras demonstrem crescente interesse nesses mercados,
ofertando soluções creditícias também cada vez mais elaboradas e,
naturalmente, cada vez mais lucrativas para os partícipes desse setor
econômico, particularmente aos bancos, pois sua atuação se dá em todas
as fases do processo, desde a produção, comercialização,
industrialização até a distribuição[16].
SANTOS, Marcos Alex Silva dos. O financiamento do agronegócio e a responsabilidade dos agentes financeiros nos impactos ambientais. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3299, 13 jul. 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/22207>.
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