Deste longa data, objetivando conquistar segurança jurídica nas suas
relações interpessoais, o homem se preocupou em eternizar a ocorrência
dos mais variados fatos, inclusive a exteriorização de suas idéias, em
um documento, tido como sendo toda coisa que, por força de uma atividade
humana, seja capaz de representar um fato
[54] ou na qual estejam inseridos símbolos que tenham aptidão para transmitir idéias ou demonstrar a ocorrência de fatos.
[55]
Assim, aliado a percepção de que, “na hora da morte e do prolongamento
da angústia de um indivíduo, o que ocorre é que parece haver desejo em
não se respeitar a mesma dignidade garantida nos procedimentos da vida”,[56] nos tempos atuais é vigorosa a expansão do chamado testamento vital, conceituado pela tradicional doutrina como
documento em que a pessoa determina, de forma escrita, que tipo de
tratamento ou não tratamento que deseja para a ocasião em que se
encontrar doente, em estado incurável ou terminal, e incapaz de
manifestar sua vontade;[57]
instrumentos legales que expresan en forma escrita las preferencias de
tratamientos o cuidados que se desean o que no se desean en caso de
encontrarse en una situación que disminuya considerablemente o que
elimine la capacidad de dar el propio consentimiento;[58]
documento em que a pessoa poderá esclarecer sua vontade quanto aos
tipos de procedimentos médicos que deverão ser realizados no caso de
encontrar-se doente, em estado terminal ou incurável, sem que possa
transmitir seu interesse, podendo até manifestar-se pelo não tratamento;[59]
documento elaborado por uma determinada pessoa que, mediante
diretrizes antecipadas, realizadas em situação de lucidez mental,
declara a sua vontade, autorizando os profissionais médicos, no caso de
doenças irreversíveis ou incuráveis, em que já não seja mais possível
expressar a sua vontade, a não prolongarem o tratamento;[60] ou ainda
ato unilateral de vontade onde o declarante, com lucidez e convicção,
atestadas por um especialista, expressa seu desejo, perante duas
testemunhas de, em situações terminais, na hipótese de ser acometido de
uma doença grave, ou no caso de um acidente que acarrete um quadro de
inconsciência permanente, ser evitado o prolongamento da vida por meios
artificiais.
[61]
Ademais, também a Associação Médica Mundial definiu o que se entende
por testamento vital: “documento escrito e assinado ou declaração verbal
perante testemunhas no qual uma pessoa expressa seus desejos em relação
à atenção médica que quer ou não receber se estiver inconsciente ou se
não puder expressar sua vontade”.[62]
Dessa forma, caracteriza-se por ser aplicado nos casos de quadros
clínicos terminais, sob um estado permanente de inconsciência ou um dano
cerebral irreversível que não possibilite a capacidade de a pessoa se
recuperar e tomar decisões, e é de suma importância para determinar que a
pessoa não deseja submeter-se a tratamento para prolongamento da vida
de modo artificial, às custas de sofrimento, evitando medidas invasivas
contra a sua real vontade.
Ocorre que o testamento vital é apenas espécie do gênero diretivas antecipadas, que contempla ainda o mandado duradouro,[63]
“documento no qual o paciente escolhe uma pessoa que deverá tomar
decisões em seu nome, quando o próprio paciente não puder exprimir mais
sua vontade”,[64] ou seja, “documento no qual o
paciente nomeia um ou mais procuradores que deverão ser consultados
pelos médicos na circunstância de sua incapacidade – terminal ou não –,
para decidirem sobre o tratamento ou não”.[65]
Vê-se que o testamento vital é um documento mais abrangente que o
mandado duradouro, na medida em que, não bastasse ser possível incluir
em suas disposições a nomeação de um procurador, efetivamente contém as
diretrizes sobre aceitação e recusa de tratamento, enquanto o mandado
duradouro é apenas um instrumento de nomeação de um procurador.
Todavia, “o mandado duradouro tem um alcance mais amplo porque
demonstra seus efeitos cada vez que a pessoa que o outorgou seja incapaz
de tomar uma decisão, ainda que de forma temporária”,[66] ao passo em que o testamento vital somente produzirá efeito nos casos de incapacidade definitiva do paciente.
Por tal razão, alerta-se que, caso a pessoa queira fazer as duas
modalidades de diretivas antecipadas, as faça separadamente,
considerando que, aglutinando apenas no formato testamento vital a
nomeação de um procurador e as diretrizes sobre aceitação e recusa de
tratamento, a atuação do procurador em caso de incapacidade temporária
do outorgante restaria inviabilizada.
Por fim, convém ressaltar que o termo testamento vital[67], tecnicamente, sob o ponto de vista jurídico, mostra-se inadequado, pois remete para o instituto do testamento[68]
e, não obstante, prescinde da sua característica essencial, qual seja,
ser negócio jurídico com efeito causa mortis, produzindo, ao contrário,
efeitos inter vivos, ainda que imediatamente antes da ocorrência da
morte.
Assim, tem-se como mais adequada a expressão “declaração prévia de
vontade do paciente terminal”, haja vista que o “testamento vital” é, na
realidade, uma declaração de vontade manifestada pelo paciente terminal
anteriormente à situação de terminalidade. Entretanto, tendo em
vista que “testamento vital” é o nome pelo qual no Brasil é mais
conhecido, este continuará por nós a ser utilizado, apesar de sua
imprecisão técnico-jurídica.
LEÃO, Thales Prestrêlo Valadares.
Da (im)possibilidade do testamento vital no ordenamento jurídico brasileiro. Jus Navigandi, Teresina,
ano 18,
n. 3626,
5 jun. 2013
.
Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/24638>. Acesso em: 6 jun. 2013.
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