Tarefa tormentosa é distinguir quando o consumo é mera satisfação de
nossas necessidades básicas ou um subterfúgio às pressões do cotidiano.
J. Fayard, em sua obra A chave da felicidade e a saúde mental, dedica
um capítulo especial ao que ele chama de paraísos artificiais,
referindo-se aos indivíduos usuários de entorpecentes e os motivos que
os levam à tal prática.
Analogicamente aos usuários de entorpecentes, guardando as devidas
proporções, é claro, não são raros os casos de quem se deixa escravizar
pelo consumo, no qual encontram, em princípio uma sensação fictícia de
bem-estar, ou seja, um “paraíso artificial”, um refúgio agradável, porém
irreal, a arrostar as dificuldades cotidianas.
Nesse sentido, eis a lição de Costa Freire:
(...) falamos de um ‘consumo’ de bens materiais ou símbolos de status, sem perceber que o que está sendo verdadeiramente ‘consumido’ é a vitalidade de nossos corpos e mentes, diariamente vendida e comprada, usada e abusada para azeitar a máquina ensandecida do lucro. Observadas de perto, as promessas da ‘sociedade de consumo’ são espantosas. Tudo cabe numa lista tacanha, onde, de um lado, estão os meios de evasão (...) e, de outro, a realidade social da qual todos querem se evadir (Apud Gerson Pastre de Oliveira. In http://www.campus-oei.org/pensariberoamerica/colaboraciones12.htm).
Lasch (1986) tem semelhante opinião:
“A produção de mercadorias e o consumismo alteram as percepções não apenas do eu como do mundo exterior ao eu; criam um mundo de espelhos, de imagens insubstanciais, de ilusões cada vez mais indistinguíveis da realidade. O efeito especular faz do sujeito um objeto; ao mesmo tempo, transforma o mundo dos objetos numa extensão ou projeção do eu. É enganoso caracterizar a cultura do consumo como uma cultura dominada por coisas. O consumidor vive rodeado não apenas por coisas como por fantasias. Vive num mundo que não dispõe de existência objetiva ou independente e que parece existir somente para gratificar ou caracterizar seus desejos” (LASCH, Christopher. O mínimo eu: sobrevivência psíquica em tempos difíceis. São Paulo: Brasiliense, 1986).
Anote-se que o consumo, obviamente, não é capaz de causar as
debilidades atribuídas aos entorpecentes. Porém, as conseqüências de seu
desregramento não são menos graves.
Tomemos como exemplo mais corriqueiro a violência nos grandes centros
urbanos, já banalizada pelos meios de comunicação. São inegáveis as
conseqüências que o movimento do campo para a cidade trouxeram para o
convívio social. Acostumados a uma vida simples e miserável, muitos
acabaram por optar pela vida urbana como forma de alcançar o sucesso
sócio-econômico.
É cediço que tal modelo de vida requer a satisfação de uma série de
necessidades, acarretando, por conseguinte um grau de consumo mais
elevado, em comparação com a vida rural. Destarte, há um choque cultural
enorme entre indivíduos pertencentes a estilos de vida diferentes. O
ponto de intersecção entre quaisquer indivíduos está exatamente na
sedução pela modernidade, pelas novidades do mercado, pela
automatização, novas tecnologias, enfim, pela chamada “tecnoestrutura”.
São seduzidos, tanto o homem médio, quanto aquele sem qualquer
instrução; este último em grau mais elevado. O habitante do “morro”
também aspira o sucesso alcançado pelo rico empresário. Ilustrando-se:
quer um lap-top, o tênis Nike, o jeans Levis, o carro do ano etc.
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