Publicado por Pedro Henrique S. Pinto
Desde o princípio a sociedade em geral teve a concepção e ensinamentos quase inalterados sobre casamento, dado o seu viés costumeiro, religioso, “sagrado”, vindo de gerações pretéritas com ares da era patriarcal, porém, com o passar dos anos e a modernidade com que a sociedade teve de se adaptar aos poucos, podemos depreender as dificuldades na adequação que o Direito passou até hoje, para que possamos estudar as novas evoluções da sociedade em todos os sentidos, por assim dizer.
O escopo deste texto não é o casamento, mas sim, Separação Judicial. Que é v.g. uma das formas da dissolução da sociedade conjugal (Casamento), onde não rompe o vínculo matrimonial, isto é, nenhum dos consortes até o divórcio consumado, poderá contrair novas núpcias. É, portanto, uma medida preparatória da Ação do Divórcio, ainda vigente no Ordenamento Jurídico Brasileiro, “como uma esperança de reconciliação e o retorno do ex-cônjuge à sociedade conjugal antes havida entre ambos”, se assim podemos definir, sem mais burocracias jurídicas, esperando não haver, afinal, o divórcio.
Bem antes do ano de 1977, marco do Divórcio, com a promulgação da Lei 6.515/77 (Lei do Divórcio), o Brasil pairava na vigência de um Código Civilconservador do ano de 1916, que preconizava que o vínculo conjugal somente se dissolvia, pela morte (art. 315, parágrafo único, do Código de 1916).
Isso porque a Constituição vigente à época, bem como todas as anteriores, por serem da era patriarcal, conservadora, trazia em seu bojo os dogmas do paterinstituto romano da concepção do poder paterno e, consagrava veementemente a indissolubilidade do casamento por ser questão de honra e retidão familiar.
Admitia-se, muito dificilmente, e isso em via de muitas achincalhações e vergonha para a família da mulher (por óbvio) o rompimento da sociedade conjugal, com a manutenção do vínculo, o que era possível por meio do desquite (art. 315, III, do Código Civil de 1916), em que as mulheres eram “taxadas” como desquitadas (isso quando não eram consideradas meretrizes).
Com o desquite, autorizava-se a separação dos cônjuges, e se extinguia o regime de bens (art. 322). Porém, os cônjuges permaneciam casados, todavia, poderiam se relacionar com outras pessoas sem que isso caracterizasse o crime de adultério, mas, não podiam casar novamente.
Com o advento da EC nº 09/1977, introduziu-se em nosso ordenamento a possibilidade da dissolução do casamento pelo divórcio, (condicionado à prévia separação do casal – separação judicial). Com a então vigente Lei 6.515/1977 (Lei do Divórcio). Imperioso destacar aqui, que a separação judicial manteve o mesmo conteúdo que antes tinha o “desquite”.
Pois bem, no fim dos anos 80, com a promulgação da Constituição Federal“Cidadã” de 1988, com seus direitos e deveres “inovadores” para todas as esferas, inclusive no tocante ao divórcio, este instituto passou a contar com dois “pré-requisitos” por assim dizer, um deles é a necessidade da separação judicial com a duração de 01 (um) ano para que pudesse haver a então ação de divórcio. Ou, a separação de fato que deveria durar 02 (dois) anos (agora, como conseguia provar essa separação por 02 anos? difícil.), então o casal poderia dar início ao processo de divórcio, tudo como definia o § 6º do art. 226 da Constituição, isso, por mais de 20 anos, trazendo imenso sufoco para quem pretendia se divorciar, tanto pelo dispêndio em processo de separação judicial e em seguida o processo de divórcio, quanto para provar que a separação fora dada ao período de 02 (dois) anos.
Foi então que em 13 de julho de 2010, após quase um século de verdadeira humilhação, surgiu a EC nº 66, que alterou completamente o tema da dissolução da sociedade e do vínculo conjugal. A partir da emenda, o § 6º do art. 226 da Constituição passou a ter a seguinte redação: “o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”. (apenas)
É óbvio que a partir de então a doutrina civilista viria a se divergir em correntes, os que defendem que a EC nº 66 aboliu a separação judicial, e os que acreditam que mesmo com a EC nº 66, não necessariamente aboliu a separação judicial deixando-a apenas a critério do casal, ademais, os Códigos devem ser interpretados a diversas maneiras, afinal, os operadores do direito são formadores de opiniões.
O Mestre Elpídio Donizetti, num recente artigo publicado no Site Gen Jurídico, demonstrou que a partir de 2010, o divórcio deixou de depender de prévia separação judicial ou de fato, admitindo-se, então que seja imediato (e atemporal). Isso não significa, no entanto, que o casal não possa optar, antes de pedir o divórcio, pela separação judicial (opção que não é muito viável por óbvio). Em conclusão, agora pelo Código Civil de 2002, a sociedade conjugal termina (art. 1.571): com a morte de um dos cônjuges; com a declaração de nulidade ou anulação do casamento; com a separação judicial; com o divórcio.
O novo art. 693 do CPC/2015 inclui a separação contenciosa como “ação de família”, contrariando o posicionamento doutrinário no sentido de que a EC nº 66 teria acabado com esse instituto. Com a nova redação resta clara a possibilidade de opção entre o desfazimento imediato do vínculo matrimonial por meio do divórcio e a ultimação apenas da sociedade conjugal por meio da separação judicial (ficando a critério do casal, caso tenham a intenção de reatarem o casamento posteriormente). (DONIZETTI, 2016)
O Mestre Carlos Roberto Gonçalves, manteve ensinando, pouco depois da EC nº 66, em suas doutrinas civilistas do Direito de Família, salientando ainda mais que esta modalidade de dissolução da sociedade conjugal ainda permanece viva com a nova emenda:
“a separação judicial, embora coloque termo à sociedade conjugal, mantém intacto o vínculo matrimonial, impedindo os cônjuges de contrair novas núpcias” (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família.7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 6, p. 201).
No mesmo sentido, a Mestra Maria Helena Diniz ressalta:
“A separação judicial é causa de dissolução da sociedade conjugal, não rompendo o vínculo matrimonial, de maneira que nenhum dos consortes poderá convolar novas núpcias. (...). A separação judicial é uma medida preparatória da ação do divórcio, (...).” (DINIZ, Maria Helena. Curso de Deito Civil Brasileiro: direito de família. 23ª ed. rev. atual. e ampl. de acordo com a reforma do Código de Processo Civil e com o Projeto de Lei 276/2007. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 282 e 283).
O Mestre Elpídio Donizetti, complementou ainda, que os preceitos do Código Civil devem ser equiparados com o novo texto da EC nº 66, para evitar o que chamou de “contradições não toleráveis” (em relação ao que falo ao norte sobre as correntes doutrinárias). Seja na separação judicial (litigiosa ou consensual), seja na extrajudicial, é salutar para o texto aqui tratado que deve-se levar em consideração que não mais persiste o requisito temporal de um ano de casamento para o pedido de separação judicial por mútuo consentimento. Ora, se o divórcio pode ser requerido de imediato (a qualquer tempo, inclusive um dia após o casamento), não há motivos para se dificultar a decretação da separação, ainda mais havendo consentimento de ambos os cônjuges.
Como exemplo da evolução, não mais cabe à invocação de culpa como fundamento da separação judicial, ou para a negativa desta, isto é, a discussão de culpa como motivo para a separação judicial não tem mais validade no ordenamento jurídico brasileiro até porque não há utilidade em se definir quem deu causa à ruína do casamento (pois isso ocasionaria um retrocesso, e um intrometimento na seara intima de cada um), ou seja, como o divórcio, a separação judicial pode ser requerida a qualquer momento por qualquer dos cônjuges.
Ainda que a culpa não seja mais elencada como motivo para a decretação da separação, é preciso considerar que permanecem alguns casos específicos em que a culpa poderá ser analisada, como por exemplo, na anulação do casamento por vício de vontade de algum dos cônjuges. Nesse caso, a culpa deve ser aferida para verificar a ocorrência de coação ou de erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge.
Já foi visto alhures, que a separação judicial como pré-requisito para o divórcio ainda vinha sido mantido pela Constituição pelo motivo de o Brasil, ainda hoje, ser um país tradicionalmente fiel às concepções da Igreja Católica e da família (patriarcal), no qual muitos se mostravam e mostram-se ainda hoje (muitas das vezes) contra a dissolução do casamento por ser algo “sagrado”, “O que Deus uniu nos céus, o Homem não separa na terra”, entre outros motivos pelo qual a Lei dificultava o divórcio imediato, na expectativa de que o casal, repensando seu casamento nesse período de Separação Judicial ou mesmo de Fato, decidisse por reatar a sociedade conjugal.
Destarte, entendeu-se que a desburocratização do divórcio desestabiliza o instituto da família e, também é possível que se possa aferir um reflexo econômico negativo, já que não mais precisarão as partes arcar com custas processuais, cartorárias, nem honorários advocatícios por duas vezes. Com a aprovação da EC nº 66, o pedido de divórcio passou a ser um direito potestativo do cônjuge, independentemente de benefícios ou desvantagens à facilitação do divórcio.
A discussão acerca da permanência ou não da separação judicial dentro do ordenamento jurídico só se faz necessária porque as pessoas entendem que família é sinônimo de casamento “de papel passado”. E isso como brilhantemente define a Dra. Karla Cortez de Souza em seu artigo na Internet, “se protrai em uma mentalidade inquietante por parte dos juristas quanto ao real significado da Emenda 66/2010, pois o fim do casamento seria sinônimo de fim da família”. (SOUZA, 2014)
Entretanto, entendo que na realidade, o fim da família se dá, efetivamente, no processo de convivência de um casal, nas atitudes expressadas, nos desgastes emocionais provenientes de traições, falta de assistência familiar efetiva, afeto, amor, compreensão, que é muito difícil se extrair de um casal nos dias atuais e isso muito antecede ao Divórcio (ponto final da sociedade conjugal).
Segundo a Dra. Karla, em brilhante analogia ao assunto:
“aos que prezam por sua manutenção, em analogia ao Direito Penal, o divórcio seria a consumação do fim de uma família e a simples existência da separação judicial ainda que não condicionante após a emenda, se prestaria então como uma circunstância alheia à vontade do agente que poderia evitar a consumação. E mais, antes da alteração do texto constitucional, esperava-se que separação judicial funcionasse como o “arrependimento eficaz” do Direito de Família”. (SOUZA, 2014)
Concluo o entendimento como sendo a separação judicial uma forma alternativa ao divórcio; quando ainda se tem dúvida sobre o fim ou não do casamento; quando ainda há uma pequena porcentagem de esperança no reatar da sociedade conjugal, pode ser inclusive (deixando claro que é opinião própria, e talvez possa repassar a futuros clientes em caso de divórcio consensual) uma indicação aos mesmos, para que possam repensar individualmente, neste período de um ano, a sua vida “a dois” desde o início, ou os filhos, os bens havidos entre ambos, e a família como um todo, se é que possível, as vantagens e as desvantagens, em fim, tudo o que não venha gerar um desgaste emocional, que pode ser evitado.
O divórcio a partir da EC nº 66 ganhou muito mais força, tanto pela praticidade, quanto pela desburocratização, que por derradeiro, acabou gerando a quase inutilização da separação judicial como método preparatório para o divórcio, isto é, a qualquer momento, inclusive um dia após as núpcias, é possível haver o pedido de divórcio, que é um direito potestativo de ambos os cônjuges, uma escolha neste sentido é extremamente costumeira, fria, e sem as mediações ao norte, que até julgo necessárias e racionais para um término responsável, que deveriam ser levadas em consideração por ambos os cônjuges.
Por fim, a separação judicial hoje é mera opção e não mais obrigação, e por ser um direito potestativo dos cônjuges pode ser requerida a qualquer tempo, bem como o divórcio.
REFERÊNCIAS
DONIZETTI, Elpídio. Separação Judicial, o fim da controvérsia gerada pela EC66. EM: 09. Mar.2016 Disp In: http://genjuridico.com.br e https://portalied.jusbrasil.com.br/artigos/302532958/separação-judicialofim-da-controversia-gerada....
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. Direito de família. 7. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010. V. 6, p. 201.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Deito Civil Brasileiro: direito de família. 23ª ed. rev. atual. e ampl. de acordo com a reforma do Código de Processo Civil e com o Projeto de Lei 276/2007. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 282 e 283.
SOUZA, Karla Cortez. A Emenda Constitucional nº 66 e seus reflexos na separação judicial. EM: 09. Jul.2014 Disp In: http://www.direitonet.com.br/artigos.
https://pedroheadv.jusbrasil.com.br/artigos/481085195/o-que-e-a-separacao-judicial-hoje-com-o-advento-da-ec-n-66-e-a-facilidade-de-divorciar?utm_campaign=newsletter-daily_20170726_5680&utm_medium=email&utm_source=newsletter
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