sábado, 29 de agosto de 2020

Lei de Alienação Parental completa 10 anos; especialistas avaliam a experiência de uma década

27/08/2020Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM
imagem por ambermb por Pixabay

A Lei da Alienação Parental (12.318/2010) completou 10 anos na quarta-feira, 26 de agosto. Considera-se ato de alienação parental, nos termos da lei, a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância na tentativa de fazer com que o menor não estabeleça vínculos com um de seus genitores.

A norma elenca atos considerados como de alienação parental, por exemplo, dificultar o exercício da autoridade parental; dificultar contato de criança ou adolescente com genitor; dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar. E prevê punições, que vão desde acompanhamento psicológico e multas, até a perda da guarda da criança.

Antes da lei, os atos típicos de alienação parental eram considerados reflexos da litigiosidade dos adultos em processo de separação ou divórcio. Com a lei em ação, os magistrados e apopulação em geral teve uma conscientização desse problema.

Dificuldades de aplicação e tentativa de revogação da lei

Contestada e descaracterizada por grupos que defendem que a Lei de Alienação Parental favorece pais abusadores, a revogação começou a ser discutida em 2017, em Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI sobre maus-tratos a crianças e adolescentes. Desde então, produziram-se várias propostas pela modificação ou revogação da norma.

A advogada Renata Cysne, coordenadora do Grupo de Estudo e Trabalho sobre Alienação Parental do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, reforça que a Lei da Alienação Parental apresenta-se como uma ferramenta concreta de defesa da integridade psicológica e da convivência familiar dos filhos. “A Lei possibilita que as crianças e adolescentes inseridos em uma dinâmica de conflito familiar sejam vistos como sujeitos de direitos”, afirma.

No entanto, ela explica que há discussões sobre a sua vigência porque observam-se situações de mau uso e má aplicação da lei, que é um instrumento de proteção de crianças e adolescentes.

“A precariedade de instrumentalização do Judiciário, especialmente ante a ausência ou baixo número de profissionais que compõem as equipes multidisciplinares nos tribunais, também se apresentam como fatores que dificultam a aplicação da Lei. Também fragiliza a aplicação da Lei 12.318/10, a ausência de comunicação entre a rede de proteção da criança e do adolescente, especialmente quando há aspectos da proteção à criança e o adolescente que contemplam os Juízos de Família e Criminal, o que tem gerado decisões conflitantes e a revitimização de vulneráveis”, enfatiza.

Mudanças são necessárias

Por isso, Renata Cysne diz que alguns pontos da Lei precisam ser aperfeiçoados, assim como a sua aplicação. Atento a essa questão o IBDFAM, por meio do Grupo de Estudo e Trabalho sobre Alienação Parental, realiza pesquisa para conhecer a opinião dos associados e associadas sobre questões conceituais e práticas do fenômeno da Alienação Parental.

Coordenado por ela, o grupo conta ainda com Giselle Groeninga, Adriana Hapner, Ana Gerbase, Bruna Barbieri, Elsa Mattos, Líbera Copetti e Silvana do Monte Moreira, todas as especialistas são membros do IBDFAM.

“Na minha opinião, a lei deveria contemplar questões procedimentais para sua aplicação, o que minimizaria sua má aplicação, por exemplo: definir quando e de que forma as medidas de proteção devem ser aplicadas. A alteração do termo ‘genitor’ por ‘familiar’ se mostra adequada, pois quando necessária a aplicação da Lei da Alienação Parental deve ultrapassar o par parental, o que na prática já ocorra”, destaca.

Assim, a especialista reafirma que as mudanças necessárias ultrapassam o aperfeiçoamento do texto da Lei da Alienação Parental, é preciso aprimorar a atuação da rede de proteção da criança e do adolescente, além de eliminar o abismo na comunicação entre as esferas criminais, da infância e juventude e família. “Ademais, a correta aplicação da lei perpassa pela capacitação de advogados, juízes, promotores, delegados, psicólogos e assistentes sociais sobre a temática”, diz.

As nuances da alienação parental

A doutoranda e mestre em Direito Bruna Barbieri, esclarece que a psicologia chama de “Alienação Parental” todo e qualquer afastamento entre pais e filhos. Há uma divisão que precisa ser publicizada para a sociedade e a comunidade jurídica, que é a divisão entre Alienação Parental Justificada e a Alienação Parental Injustificada.

“Um pai muito autoritário ou violento, uma mãe negligente ou abusiva, irão provocar o distanciamento dos seus filhos, como consequência natural dos seus atos. Existem várias manifestações da Alienação Parental Justificada: atos reais de abuso, negligência, violência, ou até mesmo fases de rebeldia e insegurança, como na adolescência. Quando, por outro lado, o distanciamento entre um genitor e seus filhos não têm justificativa para tanto, ou seja, é um afastamento manipulado, induzido, provocado pelo comportamento de outro adulto, estamos diante da Alienação Parental Injustificada de que trata a Lei nº 12.318/2010”, detalha.

Para as hipóteses lesivas de Alienação Parental Justificada, Bruna Barbieri explica que existe um grande arcabouço de normas no Código Civil e no ECA para proteger as crianças e adolescentes dessas negligências e violências: as regras jurídicas sobre abandono material, abandono de incapaz, proibição de castigos físicos ou tratamentos cruéis e degradantes, contra crimes contra a dignidade sexual, entre outros.

Assim, a Lei nº 12.318/2010 foi editada no Brasil para socorrer as crianças e adolescentes vítimas de uma violência familiar muito particular: uma violência invisível, decorrente das disputas de forças, muitas vezes até inconscientes, entre os adultos.

“Por isso a lei fala em ‘ato’ de Alienação Parental, como o comportamento do adulto que interfere na convivência familiar de uma criança ou adolescente com um familiar que lhe seja significante. Como são pessoas em estágio de desenvolvimento humano, a convivência familiar assume uma natureza de direito fundamental para o público infantojuvenil, pois a qualidade dessa convivência está diretamente imbricada no seu sadio crescimento e formação biopsicossocial”, afirma.

Ela assinala a importância de “rasgar o véu” que ainda torna a violência do ato de Alienação Parental tão naturalizado entre as famílias. “Não é normal que filhos cresçam odiando seus pais após o divórcio, não é normal que filhos cresçam desrespeitando suas mães após a separação, não é normal que ensine a uma criança ou adolescente a falar mal, rejeitar afeto ou escolher lados no espaço da família”, enfatiza a advogada.

Formas de Alienação Parental

Bruna Barbieri destaca que a Alienação Parental como interferência injustificada na convivência familiar e estabelecimento de vínculos emocionais saudáveis possui várias formas de manifestação nos lares, e está relacionada à própria dinâmica de relacionamento dos adultos antes do evento catalisador que desperte a atenção para o ato.

Muitas vezes, segundo ela, os casais ainda na constância da união, ou os avós na convivência com os netos, já praticam micro ou macro atos de interferência familiar que vão minando a segurança emocional e o afeto da criança ou adolescente com o familiar alienado, e isso só acaba sendo “objeto de atenção” depois que uma separação ou divórcio.

“Costumo separar os atos de Alienação Parental em três grandes categorias: atos de difamação, atos de manipulação e atos de impedimento à convivência, que são até ilustrados pelos exemplos trazidos pelo parágrafo único do artigo 2º da Lei nº 12.318/2010.
São exemplos de atos de difamação: a realização de campanha denegritória contra o familiar alienado para outros parentes, amigos, comunidade; falsear a verdade para os filhos sobre acontecimentos passados na relação do casal ou parental, ou sobre fatos presentes; o falar mal na presença dos filhos, para incutir sentimentos negativos, etc”, elenca.

Como exemplos de atos de manipulação, está a prática de inserir os filhos em conflitos de lealdade, para que sejam obrigados a escolher lados; dificultar o exercício da autoridade parental ou familiar, insuflando rebeldia ou desobediência; omitir informações relevantes, para que o filho se sinta abandonado/ negligenciado/ não amado, entre outros.

Já como exemplos de atos de impedimento à convivência, são práticas comuns: a mudança injustificada de domicílio; o descumprimento dos acordos de convivência; o impedimento de contato (via telefone, mensagem, videoconferência ou qualquer meio legítimo); o oferecimento de denúncias falsas para que o Judiciário proíba a convivência.

“Infelizmente, a criatividade do familiar alienador não encontra um rol taxativo, trazendo a experiência forense várias formas de prática de atos em grau leve, moderado ou severo”, afirma.

Reconstruir a harmonia e a segurança afetiva do ambiente familiar é a finalidade principal, diz especialista

A Lei n 12.318/2010 traz, em seu artigo 6º, várias medidas que podem ser adotadas para reprimir a prática da Alienação Parental, sem prejuízo de eventual responsabilidade civil ou criminal: desde a advertência ao alienador, até a ampliação do regime de convivência em favor do alienado, o pagamento de multa, passando pelo acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial, e até mesmo medidas mais gravosas, como a alteração da guarda, a fixação cautelar de domicílio ou a suspensão da autoridade parental.

Para a especialista, essas são providências que se aproximam da natureza de Medidas de Proteção do artigo 101 do Estatuto da Criança e do Adolescente, e que demonstram como a Proteção Integral exige um olhar atento para que as violações ao Superior Interesse infantojuvenil sejam detectados.

“É importante que se registre que a Lei de Alienação Parental não deve ser vista como uma lei que ‘pune o alienador’. A bem da verdade, a finalidade primeira da Lei n 12.318/2010 é reconstruir a harmonia e a segurança afetiva do ambiente familiar manchado pela prática da Alienação Parental, pois o foco da Lei é o restabelecimento dos laços e a reeducação dos envolvidos. A Lei nº 12.318/2010 é, acima de tudo, a lei vocacionada para proteção à convivência familiar e integridade psicológica das crianças e adolescentes, e não apenas um diploma repressivo a atos ilícitos”, aponta Bruna Barbieri.

Ela frisa que não é necessário declarar, com todas as letras, a ocorrência de Alienação Parental em um processo judicial, para que o magistrado faça uso dos recursos pedagógicos da Lei nº 12.318/2010:“O caput do artigo 6º autoriza que, caracterizados atos típicos de alienação parental ‘ou qualquer conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor’(grifos nossos), o juiz poderá adotar os instrumentos processuais aptos a “inibir ou atenuar seus efeitos”. Isso significa que todo e qualquer ato de interferência familiar deve ser combatido com precisão e sem demora, para evitar a consolidação de danos”.

Conhecimento recente

Bruna Barbieri lembra que a comunidade científica só se despertou para o fenômeno da Alienação Parental na década de 1980, quando se começou a questionar quais os efeitos do divórcio sobre os filhos. Richard Gardner, Judith Wallerstein, Amy Baker, Douglas Darnall, Ira Turkat, William Bernet e tantos outros profissionais da Psicologia e Psiquiatria iniciaram estudos para aferir quais os impactos do transbordamento dos conflitos conjugais sobre o desenvolvimento dos filhos.

Portanto, todo esse conhecimento é muito novo e recente, e está passando pelo momento histórico de validação. “Para a psiquiatria, talvez isso chegue a ser chamado de uma Síndrome de Alienação Parental, ou talvez não. Talvez outras doenças já catalogadas sejam suficientes para cuidar da integridade psicológica de crianças envolvidas no sofrimento e na angústia de divórcios e separações beligerantes”, afirma.

Assim, ela conclui que o Direito não precisa que a Alienação Parental exista como síndrome, para atuar. A existência do “ato” de Alienação Parental independe da validação científica da Síndrome.

“Por isso, a lei resta pairando acima de qualquer dúvida sobre a existência ou não de uma Síndrome, pois a lei se volta a defender o exercício dos direitos fundamentais à convivência familiar e à integridade psicológica das crianças e adolescentes, titulares de prioridade absoluta e proteção integral”, diz.

Porém, ela lembra que nenhuma lei consegue abarcar, em sua redação, todas as hipóteses de sua aplicação, nem consegue esgotar literalmente todas as providências necessárias para seu fiel cumprimento. Por isso, é natural no sistema civil que as leis sejam aperfeiçoadas, o que não é diferente da Lei de Alienação Parental.

“Precisamos, assim, repensar a atuação dos Conselhos Tutelares, dos Juízos de Infância e Juventude, da Rede de Atendimento em prol de uma melhor atuação preventiva contra as manifestações da Alienação Parental no seio das famílias. A Lei também deve trazer maior segurança à apuração das denúncias de abusos contra crianças e adolescentes, para impedir que alguém alegue falsamente ser vítima de Alienação Parental como forma de escapar da punição por abusos reais”, declara.

Segundo ela, há pessoas que usam as leis disponíveis de forma maliciosa, por isso o problema não está na Lei. “O principal obstáculo é esse pequeno número de pessoas que possa vir a desvirtuar seus artigos. Mas o Judiciário está cada vez mais atento e capacitando seus membros e servidores para afastar essa possibilidade”, finaliza a especialista.

Saiba mais sobre a pesquisa que o IBDFAM está realizando.

https://www.ibdfam.org.br/noticias/7666/Lei+de+Aliena%C3%A7%C3%A3o+Parental+completa+10+anos%3B+especialistas+avaliam+a+experi%C3%AAncia+de+uma+d%C3%A9cada

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