segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Lei garante a proteção do filho nas brigas judiciais

Quando um casal não vive sob o mesmo teto, por mais nefastas ou fúteis que tenham sido as razões da ruptura, o que tem de ser levado em conta é o bem-estar dos filhos. O que a princípio parece claro, na prática é bastante nebuloso. Movidos por sentimentos que vão desde o ódio até o inconformismo, muitas vezes um dos genitores alimenta na criança um sentimento de animosidade em relação ao ex-companheiro. Isso acaba por deixar os filhos no mínimo angustiados, e, em última análise, com a saúde mental afetada. Há tempos o Direito vem tentando achar uma solução pontual para lidar com essa realidade. A Lei de Alienação Parental (Lei 12.318/2010), criada para punir esse tipo de comportamento, acaba de completar um ano em vigor.

A chamada Síndrome de Alienação Parental (abreviada como SAP) nasceu nos consultórios psiquiátricos americanos. O termo foi taxado pelo psiquiatra Richard Gardner, no início de 1980, e se referia ao que ele descreve como um distúrbio no qual uma criança, numa base contínua, deprecia e insulta um dos pais sem qualquer justificativa, devido a uma combinação de fatores, incluindo a doutrinação pelo outro progenitor (quase exclusivamente como parte de uma disputa da custódia da criança). Gardner introduziu o termo em um documento de 1985, descrevendo um conjunto de sintomas que tinha observado durante o início de 1980.

Os efeitos dessa prática perversa já eram observados pelo Direito muito antes da lei recém-criada, como pode ser notado nos dispositivos legais que tentavam coibir esse tipo de comportamento. Segundo a advogada, Regina Beatriz Tavares da Silva, presidente da Comissão de Direito de Família do Iasp (Instituto dos Advogados de São Paulo), o artigo 168 do Código Civil fala da responsabilidade geral (quem viola direito e causa danos fica obrigado a repará-los). O ECA (Estatuto da Criança e Adolescente), em seu artigo 213, diz que o juiz pode decretar multa no caso de empecilhos à visitação. A advogada menciona também a modificação no artigo 1.584 Lei 11.698, onde consta no parágrafo 4º que o descumprimento imotivado de guarda, unilateral ou compartilhada, pode ser punido com redução de horas de convivência.

“Por isso a lei tem prestígio, pois foi maturada no tempo, experimentada, o mérito dela foi conceituar a alienação parental de formas exemplificativas”, orgulha-se Regina Beatriz. São exemplos desse comportamento, atitudes como: fazer campanha contra o outro genitor; dificultar o exercício da autoridade parental; dificultar o contato da criança com o genitor, (organizar viagens nos dias da visita); omitir informações relevantes (se o filho tem problemas na escola ou de saúde); apresentar falsa denúncia contra o genitor; mudar de cidade ou endereço sem justificativa. Essas e outras picuinhas, agora podem ser punidas judicialmente.

A advogada Regina Beatriz menciona algumas estratégias da alienação parental, que "vão desde a limitação injustificada do contato da criança com o genitor alienado até o induzimento da criança em escolher um ou outro dos pais. Passam também por punições sutis e veladas quando a criança expressa satisfação ao relacionar-se com o genitor alienado, pela revelação de segredos à criança a reforçar o seu senso de cumplicidade. Evita-se mencionar o nome do genitor alienado dentro de casa, limita-se o contato da família com o genitor alienado".

As crianças alienadas podem apresentar distúrbios psicológicos como depressão, ansiedade e pânico. Também a tendência suicida pode manifestar-se nesses menores. Sua baixa autoestima evidencia-se, do que decorrerão outros problemas na fase adulta, como as dificuldades de estabelecer uma relação estável, afirma a advogada.

Na prática

A 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, consentiu que um filho de oito anos tivesse o direito de pernoitar na casa do pai e ampliou, também para outras ocasiões, o tempo de convívio entre eles. No entendimento do desembargador relator Natan Arruda, o obstáculo apresentado pela genitora foi prejudicial à criança. “O individualismo da mãe deve ser afastado de plano e o procedimento da apelante caracteriza alienação parental, pois a recorrente já propusera ação de destituição de pátrio poder em face do recorrido, porém, sem sucesso.”

Consta dos autos que os estudos psicológico e social demonstraram que a criança está apta a ampliar o vínculo afetivo com o pai, salientando, ainda, que quando não se encontra na presença da mãe o filho aceita o pai com tranquilidade.

Em outro acórdão, a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul obrigou a mãe a conceder ao pai direito de visitação a filha, sob pena de multa de um salário mínimo por dia em caso de descumprimento. Para o desembargador relator Luiz Felipe Brasil, a genitora estava “insistindo em discordar da aproximação do genitor e da filha sem, contudo, demonstrar algum motivo concreto, depreendendo-se, pelo revés, que o afastamento da filha e do pai decorre da conflituosa separação do casal”.

A defesa do pai argumentou que a mãe concordava formalmente com a visitação, mas impedia de todas as formas a convivência, evidenciando a prática de alienação parental, pois a criança teria dificuldade de reconhecê-lo como pai em razão do transcurso do tempo.

A mãe, em contrapartida, alegou que há quatro anos a filha não vê o pai biológico e, por isso, não deseja revê-lo, limitando-se a respeitar a vontade da menina. Alegou ainda que o agravante foi um péssimo marido.

Punição

O especialista em Direito de Família, Antônio Marcos Nohmi, diz que a lei pode ser levantada ou discutida em qualquer processo, tanto numa ação autônoma, quanto suscitada incidentalmente. Quando existem indícios, o juiz pode tomar sempre tomar medidas preventivas.

Segundo ele, sanções cabíveis decorrentes da lei “passam pela aplicação de multa, aumento do convívio estipulado em juízo, também pode ser fixado tratamento psicológico para que seja feita uma reconstrução dos laços afetivos entre a criança alienada e o pai ou mãe, mudança do regime de guarda (de alternada para compartilhada), e finalmente, chegando à possibilidade de perder a condição de exercer o exercício da maternidade ou paternidade”.

Tudo indica, ao menos do ponto de vista jurídico, que é aconselhável aos pais resolverem seus problemas interpessoais ou expurgarem suas mágoas de outra forma que se limite ao universo dos adultos. Haja vista que a Justiça vem aplicando formas punitivas cada vez mais abrangentes.


Camila Ribeiro de Mendonça é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 3 de setembro de 2011