terça-feira, 15 de novembro de 2011

Independência funcional do MP tem Repercussão Geral

O Plenário Virtual do STF reconheceu a existência de Repercussão Geral no caso em que se discute a independência funcional de integrante de Ministério Público, prevista no parágrafo 1º do art. 127 da Constituição Federal.

No recurso, o Ministério Público de Alagoas alega que o Tribunal de Justiça estadual entendeu que uma promotora de Justiça estaria vinculada ao entendimento de seu antecessor, que teria pedido a impronúncia de um réu na fase de alegações finais. Com o argumento da existência de independência funcional dos promotores, o MP-AL pede que o Supremo reforme o entendimento para que o réu seja pronunciado e posteriormente submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri.

A existência de Repercussão Geral foi reconhecida pelos ministros Dias Toffoli, Joaquim Barbosa, Carlos Ayres Britto, Marco Aurélio e Celso de Mello. Contra esse entendimento votaram o relator do RE, ministro Ricardo Lewandowski, o presidente da Suprema Corte, ministro Cezar Peluso, e o ministro Luiz Fux, que entenderam que a controvérsia não tem Repercussão Geral.

Segundo o ministro Ricardo Lewandowski, a causa versa sobre a existência de perda do direito do MP, que atua em mesma instância, de recorrer da decisão do TJ. O ministro afirma que, no caso, o promotor de Justiça que acompanhou a instrução da causa e fez o pedido de impronúncia do acusado foi substituído por uma promotora. Esta, após a prolação da sentença de impronúncia, entendeu que existiam indícios suficientes para a pronúncia e o julgamento do réu pelo Júri. Por isso, ela requereu a reforma da sentença.

Para Lewandowski, “a discussão acerca da ocorrência de preclusão lógica, em face dos princípios da unidade e indivisibilidade do Ministério Público e da violação da independência funcional deste mesmo órgão, no caso, não ultrapassam o interesse subjetivo das partes”.

O casoNo Recurso Extraordinário interposto no Supremo, o MP alagoano alega ofensa ao parágrafo 1º do artigo 127 da Constituição Federal, que prevê a independência funcional do MP. Para o MP-AL, essa independência foi violada pelo acórdão do TJ-AL.

Segundo o MP, admitir a ocorrência de preclusão lógica, por ser a promotora de Justiça sucessora destituída de independência funcional, significaria negar a função fiscalizadora daquele órgão ministerial. Ainda segundo o MP, haveria a absurda situação em que o fiscal da lei (o integrante do MP), mesmo de posse de instrumentos processuais adequados, estaria obrigado a aquiescer com os pares que o antecederam, ainda que detectasse, no curso do processo, algo de atentatório à legalidade, quer por erro, culpa ou dolo.

Ao pedir o reconhecimento da Repercussão Geral, o MP-AL sustenta que o tema possui relevância em razão do interesse público da matéria, pois o tribunal de origem negou a independência funcional do MP, instituição que atua em todo o país. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.

RE 590908
Revista Consultor Jurídico

Controle prévio da constitucionalidade material

O sistema judicial brasileiro não prevê o controle prévio da constitucionalidade material da norma jurídica, isto é, durante o processo legislativo, o que se reserva às próprias câmaras e assembleias, através de suas comissões, a exemplo da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados. Essa estruturação é diretamente decorrente da própria divisão tripartite dos Poderes Republicanos, assegurando a autonomia do Legislativo na edição das leis, imune à ingerência do Poder Judiciário. Contudo, embora se mostre uma esquematização teoricamente perfeita, há casos em que não se pode fugir ao questionamento prático de sua adequação à realidade brasileira.

O processo legislativo não se esgota no plano técnico. Acima de tudo, é um fenômeno permeado politicamente, diretamente afetado pelas ideologias dominantes nos representantes da sociedade ao tempo de seu desenvolvimento. Com isso, muitas vezes a discussão de uma nova norma jurídica toma por base, não sua valia social ou tampouco sua estrita compatibilidade para com a Constituição da República, e sim o mais puro anseio ideológico de momento.

É nessas hipóteses que se passa a questionar a impossibilidade de realização do controle prévio de constitucionalidade material, com o qual se poderia evitar que uma norma infraconstitucional viciada ingressasse no mundo jurídico, produzisse efeitos, para somente então ser passível de questionamento perante o Poder Judiciário.

Tomemos por exemplo um projeto de lei que atualmente tramita na Câmara dos Deputados, de autoria do parlamentar Dr. Rosinha (PT/PR), pelo qual se pretende proibir a prática do Tiro Esportivo por crianças e adolescentes, ainda que acompanhados dos pais ou por eles autorizados, inclusive tipificando criminalmente a conduta de dirigentes esportivos que permitam o acesso daqueles aos seus ambientes de desporto (PL 1448/11).

Da leitura das justificativas para o aludido projeto de lei, prontamente se observa que sua motivação passa ao largo de qualquer prisma técnico, cuidando-se de uma proposta reflexiva da própria ideologia personalíssima de seu autor, que, inclusive, exprime seus desejos pessoais em sua justificação. Para o parlamentar, os eventos esportivos de tiro seriam um “espetáculo belicoso”, que ele, deputado, “não quer ver difundido no Brasil”.[1] Mais do que isso, o autor afirma que essa modalidade esportiva se revelaria “nefasta à formação dos cidadãos”[2].

Não é necessário qualquer esforço para se concluir estarmos diante de um claro exemplo de proposta estritamente ideológica, pela qual um parlamentar tenta transportar para o mundo jurídico uma convicção pessoal, talvez até preconceituosa, sem fundamentação técnica que a respalde. E tal como não raro ocorre em hipóteses de igual jaez, abre-se aí a porta para a inconstitucionalidade material, do que não foge o projeto de lei que ora tomamos como exemplo.

No afã de fazer prevalecer suas ideologia e convicção eminentemente pessoal, e mesmo sem apego à imputação discriminatória que também macularia a proposição[3], olvidou o parlamentar na observância de ser vedado ao Estado, por imposição constitucional, estabelecer restrições a uma prática esportiva lícita. Ao contrário, é comando inserto na Carta Magna o dever Estatal de fomentar o esporte, assegurada a autonomia das entidades desportivas para definir seu funcionamento.

Com efeito, dispõe o artigo 217 da Constituição Federal (em original sem destaque):
“Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados:
I - a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento;
II - a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento;
III - o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não- profissional;
IV - a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional.
§ 1º - O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei.
§ 2º - A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final.
§ 3º - O Poder Público incentivará o lazer, como forma de promoção social”.

O Tiro é uma modalidade esportiva amadora, legalmente estabelecida e permitida em nosso país. Sua prática, portanto, observadas as regras que se aplicam aos equipamentos nela empregados, há de ser fomentada pelo Estado Brasileiro, como direito individual de cada um de seus praticantes, preservada a autonomia das entidades desportivas que a ela se dedicam para definirem sua organização e funcionamento. Trata-se de uma clara garantia constitucional.

Nesse esteio, ao defender a imposição de restrições a uma prática esportiva, inclusive retirando a autonomia de entidades a ela dedicadas para definirem sua organização e funcionamento, a proposta aqui analisada viola flagrantemente a Constituição Federal, restando, portanto, viciada materialmente de inconstitucionalidade.

Cuida-se de um vício latente, que salta aos olhos de qualquer operador do direito que analise a proposta. No entanto, pelo sistema de controle de constitucionalidade das leis que hoje se aplica no ordenamento jurídico brasileiro, nada resta aos que já identificaram o vício, senão esperar que ele seja também identificado pela Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados e ali receba parecer pela rejeição.

Mesmo com a latência da inconstitucionalidade, ainda não pode o Judiciário reconhecê-la e sepultar o projeto de lei em seu nascedouro, pois que, cuidando-se de projeto de lei, sua apreciação judicial, sob o prisma da constitucionalidade, circunscreve-se ao processo legislativo, não alcançando o conteúdo da pretensa norma.

Sobre o tema já há sedimentada jurisprudência do Excelso Pretório:

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. PROCESSO LEGISLATIVO: CONTROLE JUDICIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. I. - O parlamentar tem legitimidade ativa para impetrar mandado de segurança com a finalidade de coibir atos praticados no processo de aprovação de leis e emendas constitucionais que não se compatibilizam com o processo legislativo constitucional. Legitimidade ativa do parlamentar, apenas. II. - Precedentes do STF: MS 20.257/DF, Ministro Moreira Alves (leading case), RTJ 99/1031; MS 21.642/DF, Ministro Celso de Mello, RDA 191/200; MS 21.303-AgR/DF, Ministro Octavio Gallotti, RTJ 139/783; MS 24.356/DF, Ministro Carlos Velloso, "DJ" de 12.09.2003. III. - Inocorrência, no caso, de ofensa ao processo legislativo, C.F., art. 60, § 2º, por isso que, no texto aprovado em 1º turno, houve, simplesmente, pela Comissão Especial, correção da redação aprovada, com a supressão da expressão "se inferior", expressão dispensável, dada a impossibilidade de a remuneração dos Prefeitos ser superior à dos Ministros do Supremo Tribunal Federal. IV. - Mandado de Segurança indeferido. “ (STF - MS 24642, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 18/02/2004, DJ 18-06-2004 PP-00045 EMENT VOL-02156-02 PP-00211)

“MANDADO DE SEGURANÇA - 2. PROCESSO LEGISLATIVO - Projeto de Lei. 3. Controle de constitucionalidade preventivo. 4. Conflito de atribuições. 5. Comprometimento do modelo de controle repressivo e do sistema de divisão de poderes estabelecidos na Constituição. 6. Mandado de Segurança indeferido”. (STF - MS 24138 - DF - TP - Rel. Min. Gilmar Mendes - DJU 14.03.2003 - p. 00028) [originais sem destaque]

Caso o vício não seja identificado no próprio Legislativo, somente então se poderá provocar sua apreciação judicial, numa pré-anunciada medida que poderia ser evitada caso se dispusesse de mecanismos prévios de controle constitucional. Isso, ainda não se cuidando de lei vigente, se poderia operar de modo mais simples – e até difuso – do que através das ações declaratórias de inconstitucionalidade e seus consequentes – e inevitáveis – recursos perante o Supremo Tribunal Federal.

No início deste ano, inclusive, o atual presidente da Suprema Corte, Ministro Cezar Peluso, tendo identificado o quanto a existência de mecanismos de controle prévio poderia desafogar o Poder Judiciário, chegou a defender formalmente a criação de tal instituto. No entanto, diante de críticas severas à ideia, justamente fundadas na alegação de violação à tripartição dos Poderes Republicanos, acabou abandonando sua defesa.

É fato que, em face da harmônica independência que, também por regramento constitucional, há de imperar entre os Poderes Legislativo e o Judiciário, a incumbência deste sobre um controle prévio de constitucionalidade material acaba se tornando efetivamente inviabilizada. Porém, diante de propostas tão descompassadas dos ditames constitucionais e amplamente identificáveis, inescusável o reconhecimento da valia de tal possibilidade.

Talvez não se possa, mesmo, atribuir mais essa tarefa à estrutura do Poder Judiciário, tal como hoje concebida, mas não se deve abandonar por completo a ideia, havendo-se, sim, de evoluir em sua concepção. Os exemplos práticos da gestação normativa estão aí a demonstrar a necessidade de obstar-se o ingresso no mundo jurídico de propostas flagrantemente desabrigadas sob o manto constitucional, desafogando os tribunais de questionamentos que há muito já poderiam ter encerrado.

[1] Projeto de Lei nº 1448/11, disponível íntegra no sítio eletrônico da Câmara dos Deputados - http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=503921
[2] Idem
[3] CF, art. 3º, IV, última parte.

Fabricio Rebelo é servidor do TJ-BA, bacharel em Direito e coordenador da ONG "Movimento Viva Brasil para a Região Nordeste".
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Imóvel de herança pode ser expropriado antes da partilha

O imóvel rural que compõe herança pode ser objeto de desapropriação, antes da partilha, para fins de reforma agrária, em razão de improdutividade. A decisão é da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao negar recurso que alegava a impossibilidade de desapropriar o bem havido pelos herdeiros em condomínio.
Para o relator, ministro Mauro Campbell, a ideia de fracionamento imediato do imóvel por força do princípio da saisine e com a simples morte do proprietário não se ajusta ao sistema normativo brasileiro. O instituto da saisine não é absoluto, já que no Brasil, apesar de ser garantida a transmissão imediata da herança, considera-se que os bens são indivisíveis até a partilha.

“Impossível imaginar que, em havendo a morte do então proprietário, imediatamente parcelas do imóvel seriam distribuídas aos herdeiros, que teriam, individualmente, obrigações sobre o imóvel agora cindido”, asseverou.

“Poder-se-ia, inclusive, imaginar que o Incra estaria obrigado a realizar vistorias nas frações ideais e eventualmente considerar algumas dessas partes improdutivas, expropriando-as em detrimento do todo que é o imóvel rural”, completou o ministro.

Ele acrescentou que, ainda que se considerasse a divisão ficta do bem em decorrência da saisine, ela não impediria a implementação da política de reforma agrária governamental. “Isso porque essa divisão tão-somente se opera quanto à titularidade do imóvel, a fim de assegurar a futura partilha da herança. Logo, é de concluir que a saisine, embora esteja contemplada no nosso direito civil das sucessões (artigo 1.784 do Código Civil em vigor), não serve de obstáculo ao cumprimento da política de reforma agrária brasileira”, concluiu.

O recorrente alegava que o Estatuto da Terra previa o fracionamento imediato do imóvel transmitido por herança. A previsão constaria no parágrafo 6º do artigo 46 da Lei 4.504/64: “No caso de imóvel rural em comum por força de herança, as partes ideais, para os fins desta lei, serão consideradas como se divisão houvesse, devendo ser cadastrada a área que, na partilha, tocaria a cada herdeiro e admitidos os demais dados médios verificados na área total do imóvel rural.”

Porém, o ministro Mauro Campbell esclareceu que o dispositivo trata apenas de matéria tributária, para fins de cálculo da progressividade do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR). “Dito isso, não faz sentido a oposição desses parâmetros para o fim de determinar se os imóveis são ou não passíveis de desapropriação, quando integram a universalidade dos bens hereditários”, afirmou. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

Resp 1.204.905
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