terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Trabalho da pessoa com deficiência (Sérgio Pinto Martins)

A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência foi assinada em Nova York em 30 de março de 2007. Foi aprovada pelo Decreto Legislativo n.º 186/2008. O Decreto n.º 6.949, de 25 de agosto de 2009, promulgou a referida norma.

Discriminação por motivo de deficiência significa qualquer diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, com o propósito ou efeito de impedir ou impossibilitar o reconhecimento, o desfrute ou o exercício, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais nos âmbito político, econômico, social, cultural, civil ou qualquer outro. Abrange todas as formas de discriminação, inclusive a recusa de adaptação razoável (art. 2.º).

Os Estados Partes da Convenção reconhecem que todas as pessoas são iguais perante e sob a lei e que fazem jus, sem qualquer discriminação, a igual proteção e igual benefício da lei (art. 5., 1). Os Estados proibirão qualquer discriminação baseada na deficiência e garantirão às pessoas com deficiência igual e efetiva proteção legal contra a discriminação por qualquer motivo (art. 5., 2). A fim de promover a igualdade e eliminar a discriminação, os Estados adotarão todas as medidas apropriadas para garantir que a adaptação razoável seja oferecida (art. 5., 3).

Pessoa com deficiência é a que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (art. 20, §2.º, I, da Lei n.º 8.742/93, art. 4.º, II do Decreto n.º 6.214/07).

A fim de possibilitar às pessoas com deficiência viver de forma independente e participar plenamente de todos os aspectos da vida, os Estados tomarão as medidas apropriadas para assegurar às pessoas com deficiência o acesso, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, ao meio físico, ao transporte, à informação e comunicação, inclusive aos sistemas e tecnologias da informação e comunicação, bem como a outros serviços e instalações abertos ao público ou de uso público, tanto na zona urbana como na rural. Essas medidas, que incluirão a identificação e a eliminação de obstáculos e barreiras à acessibilidade, serão aplicadas, entre outros, a: a) edifícios, rodovias, meios de transporte e outras instalações internas e externas, inclusive escolas, residências, instalações médicas e local de trabalho; b) informações, comunicações e outros serviços, inclusive serviços eletrônicos e serviços de emergência (art. 9, 1).

Em matéria de trabalho e emprego, os Estados reconhecem o direito das pessoas com deficiência ao trabalho, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. Esse direito abrange o direito à oportunidade de se manter com um trabalho de sua livre escolha ou aceitação no mercado laboral, em ambiente de trabalho que seja aberto, inclusivo e acessível a pessoas com deficiência. Os Estados salvaguardarão e promoverão a realização do direito ao trabalho, inclusive daqueles que tiverem adquirido uma deficiência no emprego, adotando medidas apropriadas, incluídas na legislação, com o fim de, entre outros: a) proibir a discriminação baseada na deficiência com respeito a todas as questões relacionadas com as formas de emprego, inclusive condições de recrutamento, contratação e admissão, permanência no emprego, ascensão profissional e condições seguras e salubres de trabalho; b) proteger os direitos das pessoas com deficiência, em condições de igualdade com as demais pessoas, às condições justas e favoráveis de trabalho, incluindo iguais oportunidades e igual remuneração por trabalho de igual valor, condições seguras e salubres de trabalho, além de reparação de injustiças e proteção contra o assédio no trabalho; c) assegurar que as pessoas com deficiência possam exercer seus direitos trabalhistas e sindicais, em condições de igualdade com as demais pessoas; d) possibilitar às pessoas com deficiência o acesso efetivo a programas de orientação técnica e profissional e a serviços de colocação no trabalho e de treinamento profissional e continuado; e) promover oportunidades de emprego e ascensão profissional para pessoas com deficiência no mercado de trabalho, bem como assistência na procura, obtenção e manutenção do emprego e no retorno ao emprego; f) promover oportunidades de trabalho autônomo, empreendedorismo, desenvolvimento de cooperativas e estabelecimento de negócio próprio; g) empregar pessoas com deficiência no setor público; h) promover o emprego de pessoas com deficiência no setor privado, mediante políticas e medidas apropriadas, que poderão incluir programas de ação afirmativa, incentivos e outras medidas; i) assegurar que adaptações razoáveis sejam feitas para pessoas com deficiência no local de trabalho; j) promover a aquisição de experiência de trabalho por pessoas com deficiência no mercado aberto de trabalho; k) promover reabilitação profissional, manutenção do emprego e programas de retorno ao trabalho para pessoas com deficiência. Os Estados assegurarão que as pessoas com deficiência não serão mantidas em escravidão ou servidão e que serão protegidas, em igualdade de condições com as demais pessoas, contra o trabalho forçado ou compulsório (art. 27, 2).

A OIT considera que não são discriminatórias as medidas especiais que demandem tratamento diferenciado para quem tem necessidades particulares por razões de gênero, de deficiência mental, sensorial ou física (Informe global da OIT, 2007).

O legislador estabelece situação de igualdade na lei para efeito de tratar pessoas que são naturalmente desiguais.

A proteção dos deficientes, por intermédio da legislação, é uma forma de dar dignidade ao ser humano, permitindo também que essas pessoas possam ser cidadãos e exercitar a cidadania.

Deve ter o deficiente a possibilidade de igualdade de oportunidade para poder trabalhar.

O deficiente obtém a sua dignidade por meio da sua inserção no mercado de trabalho, no qual pode trabalhar e receber remuneração pelo trabalho que faz. O deficiente passa a se ser útil, pois também pode prover a si e a sua família. 

Não pode o deficiente físico ser considerado um marginal, um inútil, um pária na sociedade. Pelo trabalho dignifica-se e torna-se útil dentro da própria sociedade. A realidade mostra que muitas vezes o deficiente no trabalho dedica-se muito mais que qualquer outro, visando superar as dificuldades que tem.

John F. Kennedy afirmou: "admito que o deficiente seja vítima do destino, mas não posso admitir que seja vítima da indiferença". As políticas públicas para o deficiente têm de ser analisadas justamente para que não se configure essa indiferença e também discriminação.

Jornal Carta Forense, terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Moradora que alugou casa para festa rave é condenada

Uma moradora de Pendotiba, em Niterói, foi condenada a pagar R$ 7 mil de indenização por danos morais a sua vizinha. Motivo: alugou sua casa para que fosse promovida uma festa rave que varou a madrugada. O desembargador Fernando Cerqueira Chagas, da 15ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio, manteve a decisão de primeira instância.

Na decisão, o desembargador afirma que não há dúvidas de que houve o uso anormal da propriedade. Segundo ele, não se atribui apenas faculdades ao seu titular, mas também se impõe deveres ao mesmo. “Em violados estes, há que se sancionar o infrator para que se adéque às normas exigidas pelo convívio social, como previsto pelo artigo 1.277 do Código Civil”, afirmou.

A moradora entrou com ação de reparação por danos morais, alegando perturbação da ordem e violação do direito de vizinhança, decorrente da festa rave realizada no imóvel vizinho ao seu. Ela contou que o evento não deixou sua família dormir e que os frequentadores também bloquearam parte da rua e deixaram lixo por toda a parte.

Já a proprietária do imóvel tentou se eximir da responsabilidade. Alegou em sua defesa que os problemas gerados não foram de sua culpa exclusiva, pois houve falha da “máquina estatal”, eis que a Polícia, quando acionada, “não tomou nenhuma providência”. Também se disse vítima dos abusos cometidos, já que alugou a área para uma “festa simples”. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-RJ.

0019968-93.2009.8.19.0002
Revista Consultor Jurídico

Responsabilidade civil pelo cliente bancário clonado (Flávio Tartuce)

O Código de Defesa do Consumidor ampliou sobremaneira o seu alcance de incidência, ao adotar o conceito de consumidor equiparado ou bystander, em três de seus dispositivos. De início, o art. 2º, parágrafo único, da Lei 8.078/1990 enuncia que "Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo". Ato contínuo, com grande impacto prático, prevê o art. 17 do CDC que, para os fins de responsabilização civil, "equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento". Por fim, no que concerne às práticas comerciais, "equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas" (art. 29 da Lei 8.078/1990).

Merece destaque o segundo preceito, por considerar consumidor qualquer vítima da relação de consumo, mesmo que estabelecida entre outros sujeitos. Assim, qualquer prejudicado por uma relação de consumo poderá fazer uso da responsabilidade objetiva em face do fornecedor de produtos ou prestador de serviços. O exemplo geralmente citado é o do cidadão atingido pela explosão de um eletrodoméstico adquirido por terceiro, podendo ser considerado um consumidor equiparado mesmo não tendo comprado o produto.
 
A construção bystander não é aplicada somente para os fins de responsabilização extracontratual, mas também em decorrência do contrato de consumo, eis que o CDC rompeu com o sistema dual de responsabilidade civil, que a dividia em responsabilidade contratual e extracontratual. Dessa feita, é comum a incidência da ideia para os casos do cliente bancário clonado.

Imagine-se a hipótese de alguém que tem toda a documentação furtada ou roubada. O criminoso ou um terceiro, munido desses documentos, vai até um banco e abre uma conta corrente em nome da vítima, emitindo vários cheques sem fundos, fazendo com que o seu nome seja inscrito em cadastro de inadimplentes. O clonado, na situação descrita, poderá ingressar com demanda em face da instituição bancária, subsumindo-se a responsabilidade objetiva com base nos arts. 14 e 17 do CDC. A premissa foi adotada recentemente pelo Superior Tribunal de Justiça que, em julgamento de incidente de recursos repetitivos, acabou por concluir pela responsabilização da instituição bancária em casos tais. Com tom eludicidativo, vejamos a publicação no Informativo 481 daquele Tribunal:

"REPETITIVO. FRAUDE. TERCEIROS. ABERTURA. CONTA-CORRENTE. Trata-se, na origem, de ação declaratória de inexistência de dívida cumulada com pedido de indenização por danos morais ajuizada contra instituição financeira na qual o recorrente alega nunca ter tido relação jurídica com ela, mas que, apesar disso, teve seu nome negativado em cadastro de proteção ao crédito em razão de dívida que jamais contraiu, situação que lhe causou sérios transtornos e manifesto abalo psicológico. Na espécie, o tribunal a quo afastou a responsabilidade da instituição financeira pela abertura de conta-corrente em nome do recorrente ao fundamento de que um terceiro a efetuou mediante a utilização de documentos originais. Assim, a Seção, ao julgar o recurso sob o regime do art. 543-C do CPC c/c a Res. n. 8/2008-STJ, entendeu que as instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros - por exemplo, a abertura de conta-corrente ou o recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos -, uma vez que tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento. Daí, a Seção deu provimento ao recurso e fixou a indenização por danos morais em R$ 15 mil com correção monetária a partir do julgamento desse recurso (Súm. n. 362-STJ) e juros de mora a contar da data do evento danoso (Súm. n. 54-STJ), bem como declarou inexistente a dívida e determinou a imediata exclusão do nome do recorrente dos cadastros de proteção ao crédito, sob pena de multa de R$ 100,00 por dia de descumprimento". (STJ, REsp. 1.197.929/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 24/8/2011).

Além da subsunção do conceito de consumidor equiparado, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que o golpe praticado tem relação direta com a atividade desenvolvida pela instituição financeira, entrando no risco do empreendimento ou no seu risco-proveito. Desse modo, não é o caso de se aventar a culpa exclusiva de terceiro ou mesmo um evento totalmente externo, a fim de excluir a responsabilização bancária. Fez bem o Tribunal Cidadania, demonstrando o seu claro papel de efetiva tutela de direitos dos consumidores, como ordena a Constituição da República no seu art. 5º, inc. XXXII. 

Jornal Carta Forense, terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Instâncias e regiões

Saiu na Folha de 17/01/12:
"O caldo entornou
O chef Eric Jacquin, da brasserie que leva seu nome, em Higienópolis, foi condenado a pagar R$ 62 mil de indenização a um funcionário que diz ter apanhado dele. Matheus Lima Alves, que trabalhava na cozinha, teria levado um tapa e um pontapé do francês. 'Ele reclamou que meu cliente não havia cortado pedaços de pato na espessura correta e o agrediu', diz a advogada Maria Valéria Belluzzo.
A decisão é de primeira instância, da 2ª Região da Justiça do Trabalho. Jacquin ainda pode recorrer. Ele disse por meio de sua assessoria que não irá se manifestar sobre o assunto
".

As justiças são divididas em primeiras e segundas instâncias. Instância é o grau recursal. Por exemplo, se você está insatisfeito com a sentença de um juiz de direito (primeira instância), você pode recorrer ao TJ (segunda instância), onde os desembargadores irão julgar se você tem razão de estar insatisfeito.

A Justiça do Trabalho funciona da mesma forma. Um juiz do trabalho de primeira instância decide e você pode, eventualmente, recorrer ao TRT, onde juízes do trabalho mais experientes julgarão seu recurso.

Os juízes do trabalho de primeira instância estão espalhados por centenas de cidades do país. Já os TRTs, não. Eles cuidam de uma área muito maior, mas estão baseados em algumas poucas cidades (normalmente, nas capitais dos Estados). Um mesmo TRT julga os recursos de juízes do trabalho de primeira instância espalhados por dezenas ou centenas de cidades. A área pela qual o TRT é responsável é chamada de região. Por exemplo, a matéria se refere à 2ª Região, que é o tribunal que cuida dos recursos das cidades da grande São Paulo (um outro tribunal, com sede em Campinas, cuida de todas as outras cidades do Estado. Ele é conhecido como TRT da 15ª região).

O juiz do trabalho da matéria acima está, de fato, na 2ª Região. Mas normalmente não nos referimos a esses juízes pela região na qual estão porque dizer que ele é juiz de tal região é muito vago. Um juiz da 15ª região, por exemplo, pode estar no extremo oeste ou no litoral do Estado de São Paulo. É por isso que quando vamos nos referir a um juiz do trabalho, eleitorais ou federais de primeira instância, normalmente dizemos que ele é o juiz do trabalho/eleitoral/federal em tal cidade. Isso é muito mais específico. E deixamos a referência à região para os tribunais, pois sabemos que eles normalmente estão nas capitais dos Estados.

Na Justiça estadual, não há regiões. A divisão dentro de um estado é chamada de comarca.

PS: Aliás, não dizemos terceira e quarta instância para nos referirmos aos tribunais superiores (como o STJ) e ao STF. Nos referimos a eles como instâncias especiais (no caso dos tribunais superiores) e extraordinária (no caso do STF).

http://direito.folha.com.br/1/post/2012/01/instncias-e-regies.html