domingo, 27 de maio de 2012

Os direitos fundamentais

Os direitos fundamentais, segundo Canotilho[1], cumprem quatro funções (função de defesa ou de liberdade, função de prestação social, função de proteção perante terceiros e função de não discriminação). Em relação à função de defesa dos cidadãos, tal autor afirma que os direitos fundamentais a cumprem sob uma dupla perspectiva:
(1) constituem, num plano jurídico-objetivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual; (2) implicam, num plano jurídico-subjetivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdades negativas).
A concepção jusnaturalista dos direitos fundamentais do homem defende a tese de que tais direitos seriam inatos, absolutos, invioláveis (intransferíveis) e imprescritíveis[2]. José Afonso da Silva[3] não reconhece todas essa características, entendendo que os direitos fundamentais possuem os seguintes atributos:
(i) historicidade - a historicidade rechaça toda fundamentação baseada no direito natural, na essência do homem ou na natureza das coisas;
(ii) inalienabilidade - são direitos intransferíveis, inegociáveis, de conteúdo não econômico-patrimonial, indisponíveis;
(iii) imprescritibilidade - nunca deixam de ser exigíveis. A prescrição só atinge a exigibilidade dos direitos de cunho patrimonial, não a exigibilidade de direitos personalíssimos, ainda que não individualistas;
(iv) irrenunciabilidade - pode-se deixar de exercer os direitos fundamentais, mas não se admite que sejam renunciados; e
(v) caráter não-absoluto - o caráter não-absoluto que se reconhecia neles no sentido de imutabilidade não pode mais ser aceito, desde que se entenda que tenham caráter histórico.
Os direitos e garantias fundamentais não são frutos da elaboração de uma Constituição, mas elementos que servem de sustentação e edificação da mesma. Nesse sentido, afirma Bobbio que os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas[4]. Dessa forma, as Constituições apenas os certificam, declaram e garantem.
A moderna doutrina brasileira entende que os direitos fundamentais apresentam-se em gerações ou dimensões que, sucessiva e cumulativamente, vão absorvendo os direitos de liberdade, de igualdade e de fraternidade.
Os direitos de primeira geração são os direitos e garantias individuais e políticos clássicos (liberdades públicas). Os direitos civis e políticos iniciais têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa. São direitos de resistência ou de oposição perante o Estado. Ressaltam, na ordem dos valores políticos, a separação entre a sociedade e o Estado.[5]
Os direitos fundamentais de segunda geração são os direitos sociais, econômicos e culturais surgidos no início do século XX, bem como os direitos coletivos ou de coletividade[6]. São baseados no princípio da igualdade, exigindo do Estado uma ação positiva.
A terceira geração engloba os direitos de solidariedade ou fraternidade, envolvendo o direito a um meio ambiente equilibrado, à qualidade de vida, ao progresso, à paz, à autodeterminação dos povos e a outros direitos difusos. São direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um Estado, mas a todo o gênero humano. Também o direito ao desenvolvimento, à propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e o direito de comunicação[7].
Por oportuno, há quem divise até mesmo direitos fundamentais de quarta geração, os quais seriam os direitos à democracia, à informação e ao pluralismo[8].
É justamente nesse plexo de direitos fundamentais que se insere o art. 5º, inciso XLVII, alíneas “a” e “b”, da Constituição Federal de 1988, in verbis:
Art. 5º (...)
XLVII - não haverá penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;
b) de caráter perpétuo;
Tal disposição constitucional tem por inequívoco fundamento de validade o princípio da dignidade da pessoa humana, erigido pela ordem constitucional brasileira em sustentáculo da própria noção de Estado Democrático de Direito. Tratando de direito individual, a referida disposição do art. 5º da Carta Magna constitui verdadeira cláusula pétrea, consoante o art. 60, § 4º, inciso IV, do texto constitucional.
Neste sentido, cumpre observar o que aduz José Afonso da Silva:
Ao direito à vida contrapõe-se a pena de morte. Uma Constituição que assegure o direito à vida incidirá em irremediável incoerência se admitir a pena de morte. É da tradição do Direito Constitucional brasileiro vedá-la, admitida só no caso de guerra externa declarada, nos termos do art. 84, XIX (art. 5º, XLVII, a), porque, aí, a Constituição tem que a sobrevivência da nacionalidade é um valor mais importante do que a vida individual de quem porventura venha a trair a pátria em momento cruciante.[9]

MACEDO, Tatiana Bandeira de Camargo. Prisão perpétua e pena de morte: limites ao processo extradicional . Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3250, 25 maio2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21871>.