quinta-feira, 6 de junho de 2013

Estado clínico terminal e seus reflexos sob a autonomia do paciente

No contexto da terminalidade da vida, impõe-se compreender o quadro clínico daquele paciente considerado em estado terminal e, em face desse estágio de vulnerabilidade, analisar o grau de autonomia que ainda lhe resta, sobretudo no que se refere a capacidade para decidir sobre o rumo do seu próprio tratamento.

Em que pese a conceituação de paciente terminal não seja algo simples de se estabelecer, cumprindo-nos desde logo ressaltar que não existem critérios universalmente aceitos para identificar um doente como terminal, diversas são as contribuições doutrinárias que tentam objetivar ou, quando menos, possibilitar o reconhecimento do ser humano neste peculiar momento de sua vida.

Segundo ELENA SUÁREZ, paciente terminal é

la persona que sufre una enfermedad irreversible, cuya muerte se espera ocurra a pesar de todos los esfuerzos a nuestro alcance, es decir, está em el processo final de su vida, vivendo de acuerdo a sus circunstancias individuales, familiares, socioculturales y las de su entorno.[11]

Por outro lado, DANIEL SERRÃO e ISABEL MARIA PINHEIRO BORGES MOREIRA definem tal paciente, respectivamente, como “os doentes a quem os cuidados paliativos são dirigidos, isto é, sem possibilidades de cura e que se sabe que a sua morte está próxima”[12] e “aquele que vive um estágio ou uma etapa final de uma doença avançada, progressiva e incurável”,[13] ao passo em que CLÉCIO RAMIRES RIBEIRO destaca o seguinte:

O paciente terminal é portador de uma enfermidade letal e a experiência clínica demonstra que morrerá em prazo relativamente curto, medido provavelmente em dias ou semanas, não em meses ou anos. [...] O comprometimento severíssimo de muitos órgãos indica que pode ser esperada em questão de horas.[14]

Por sua vez, MANUEL GONZÁLEZ BARÓN[15] enumera 7 (sete) critérios que considera relevantes para diagnosticar um doente em fase terminal, quais sejam:

1) doença de evolução progressiva;
2) perspectiva de vida não superior a 2 (dois) meses;
3) insuficiência de 1 (um) órgão;
4) ineficácia comprovada dos tratamentos alternativos para a cura;
5) ineficácia comprovada dos tratamentos alternativos para o aumento da sobrevivência;
6) complicações irreversíveis finais; e
7) estado geral grave inferior a 40% na Escala Karnofski.[16]

Finalmente, discorrendo acerca do estado clínico terminal, PILAR LECUSSAN GUTIERREZ e MARIA JÚLIA KOVÁCS, respectivamente, asseveram:

É quando se esgotam as possibilidades de resgate das condições de saúde do paciente e a possibilidade de morte próxima parece inevitável e previsível. O paciente se torna "irrecuperável" e caminha para a morte, sem que se consiga reverter este caminhar.[17]

O conceito de paciente terminal é historicamente relacionado com o século XX, por causa da alteração das trajetórias das doenças, que em outras épocas eram fulminantes. Hoje, observa-se uma cronificação das doenças, graças ao desenvolvimento da medicina, da cirurgia e da farmacologia. [...] O doente passa por vários estágios desde o diagnóstico, os tratamentos, a estabilização, a recidiva e o estágio final da doença.[18]

Vê-se, portanto, que a idéia de paciente em estado terminal perpassa pela noção de está tal indivíduo acometido de patologia grave que, ainda que se esgotem os esforços com o escopo de proporcionar a reversão da enfermidade, esta se mostra irreversível e a morte revela-se iminente.

Todavia, não significa afirmar, necessariamente, que o doente em estado terminal, em razão desse quadro clínico, não teria condições de se portar autonomamente em relação aos diversos atos da vida civil e, especificamente, ao modo de encarar e determinar o desenvolvimento do seu próprio tratamento médico, considerando-se autônoma a pessoa que “não somente delibera e escolhe seus planos, mas que é capaz de agir com base nessas deliberações”.[19]

De outro giro, é forçoso reconhecer que, na maioria das vezes, diante do grau de debilidade em que se encontra imerso tal paciente, há situações em que, verdadeiramente, sua capacidade de gerir-se com autonomia é severamente reduzida ou até mesmo aniquilada, não estando em condições de externar qualquer ato autonomamente.

Nesses casos, embora, em consonância com o princípio bioético da autonomia,[20] continue a ter o direito de decidir sobre seu tratamento médico, por óbvio não poderá exercê-lo pessoalmente, motivo pela qual a decisão competirá ao seu representante legal que, invariavelmente, é algum de seus familiares mais próximos.

Com efeito, alerta MARIA HELENA DINIZ[21] que se a equipe médica observar que o responsável não está agindo de acordo com os interesses do paciente, terá o dever ético-legal de submeter à apreciação do Poder Judiciário a decisão informada pelo representante legal. Ademais, destaca que, incapaz o paciente de dar seu consentimento e inexistindo familiares, as ações da equipe médica fundam-se no princípio da beneficência,[22] podendo-se falar em consentimento presumido do doente, mormente o fato de que, quedando-se inerte o médico em circunstância grave e de iminente perigo de vida, poderá ser punido por omissão de socorro, a teor do que dispõe o art. 135 do Código Penal brasileiro.

É justamente nessa seara que emerge a importância de se questionar a possibilidade ou não de o médico, diante da incapacidade do paciente pessoalmente decidir sobre seu próprio tratamento clínico e da ausência de regulamentação específica no ordenamento jurídico brasileiro, bem ainda de diversas outras condicionantes, a exemplo da sua autonomia técnico-profissional, simplesmente levar a termo o desejo anteriormente expresso pelo doente através de um documento de diretrizes antecipadas por este assinado.

LEÃO, Thales Prestrêlo Valadares. Da (im)possibilidade do testamento vital no ordenamento jurídico brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3626, 5 jun. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/24638>. Acesso em: 6 jun. 2013.

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