1 CONCEITO DE INAMOVIBILIDADE
A Constituição Federal[1] não apresenta
definição para o termo “inamovibilidade”, apenas traz as previsões dos
cargos por ela beneficiados: Defensoria Pública (artigo 134, § 1º);
juízes (art. 95, II); e membros do Ministério Público (art. 128, § 5º,
I, b). Carrega em si hipóteses em que esta garantia será quebrada,
porém, em nome do interesse público.
Segundo o Dicionário Jurídico[2], inamovibilidade é “a situação do servidor público civil, vitalício, que não é sujeito a remoção ou transferência”.
Sobre o tema, aponta SILVA[3]:
Inamovibilidade. Refere-se à permanência do juiz no cargo para o qual foi nomeado, não podendo o tribunal e menos ainda o governo designar-lhe outro lugar, onde deva exercer suas funções (art. 95, II). Contudo, poderá ser removido por interesse público em decisão pelo voto da maioria absoluta do tribunal a qual estiver vinculado (art. 93, VIII). No entanto, o magistrado pode ser removido, a pedido ou por permuta com outro magistrado de comarca de igual entrância, atendidas, no que couber, as regras previstas nas alíneas a, b, c e e do inc. II do art. 93, referentes às promoções; mas pode também ser removido compulsoriamente, por interesse público por voto da maioria absoluta do respectivo tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça, assegurada ampla defesa.
Os membros do Ministério Público, diante da necessidade de ampla
liberdade funcional, assim como maior resguardo para o desempenho de
suas funções, contam com as garantias de inamovibilidade e
irredutibilidade de subsídio, uma vez que são “necessárias ao pleno
exercício de suas elevadas funções.”[4]
Tal garantia também é prevista constitucionalmente para os Defensores Públicos. Segundo MENEZES[5], a inamovibilidade prevista como sanção em legislação infraconstitucional é inconstitucional:
A inamovibilidade encontra sede constitucional no parágrafo único do art. 134 e consiste na vedação da remoção do Defensor Público do órgão de atuação onde o mesmo esteja lotado para qualquer outro independentemente de sua vontade, ou seja, de forma compulsória. Conclui-se, pois, que a remoção compulsória prevista como sanção no art. 50, § 1°, inciso III e § 4° da Lei Complementar n° 80/94 é inconstitucional, pois estabeleceu em nível infraconstitucional limitação à garantia da inamovibilidade, quando a norma constitucional não prevê qualquer restrição.
Se o constituinte pretendesse estabelecer limites à inamovibilidade,
teria, no art. 134, parágrafo único, feito as mesmas ressalvas previstas
em relação aos membros da Magistratura (art. 95, inciso II) e do
Ministério Público (art. 128, § 5°, inciso I, alínea “b”). Não podendo a
norma infraconstitucional restringir garantias estabelecidas pela
Constituição Federal. A garantia da inamovibilidade dos Defensores
Públicos só pode ser encarada como absoluta.
Segundo BÓZI[6], a inamovibilidade é conceito
que “abrange a própria função, ou seja, as respectivas atribuições, não
devendo ser encarada do ponto de vista geográfico apenas”. Aliás, a
garantia atinge “o cargo e a função, pois seria um contrassenso subtrair
as respectivas funções aos próprios cargos”.
A fim de compreender melhor tal garantia, se faz necessário estudar
quais são as hipóteses autorizadoras da remoção. Para JUSTEN FILHO[7],
a remoção se caracteriza por “ato administrativo unilateral, praticado a
pedido ou ofício, impondo ao servidor o desempenho de suas atribuições
em local geográfico distinto daquele em que se encontrava até então
sediado”, ou seja, seu conceito não abrange a função desempenhada pelo
agente.
Outra hipótese é se a remoção do agente resultar de um pleito
particular, a exemplo da previsão do art. 36, parágrafo único, da L.
8.112/90[8], que determina que o servidor
público federal será removido a pedido quando o cônjuge ou companheiro,
também servidor público, tiver sido removido no interesse da
Administração.[9] Entretanto, para SILVA[10], só pode ser admitida a remoção que atender o interesse público, devendo ser assegurada a ampla defesa.
O interesse público, doutrinariamente chamado de princípio do interesse
público ou da finalidade pública, é um dos denominados princípios
reconhecidos, vez que não é expresso pelo art. 37, CF.
Para MEIRELLES[11], o princípio do interesse
público é de observância obrigatória pela Administração Pública, estando
intimamente ligado ao princípio da finalidade, uma vez que a primazia
do interesse público sobre o privado é inerente à atuação estatal, já
que a existência do Estado justifica-se pela busca do interesse geral.
Sobre a questão, JUSTEN FILHO[12] aponta que o
interesse público não se confunde com o interesse estatal, ou seja, não
se confunde com o interesse do aparato administrativo, ou seja, nenhum
“interesse público” se configura como “conveniência egoística da
administração pública”. Adiciona que o interesse público também não se
identifica com o interesse do agente público, ou seja, do interesse
privado do sujeito que exerce a função administrativa. Por outro lado,
deduz que o interesse público não é um interesse privado comum a todos
os cidadãos[13].
Já CARVALHO FILHO[14] é taxativo ao apontar que
para ser obedecido o princípio da supremacia do interesse público, as
atividades administrativas devem ser desenvolvidas pelo Estado para
benefício da coletividade.
Relevante observar a existência de uma relação intrínseca entre os
princípios da impessoalidade, moralidade e publicidade, uma vez que há
entre eles instrumentalização recíproca, conforme apregoa MEDAUAR[15]:
Assim, a impessoalidade configura-se meio para atuações dentro da moralidade; a publicidade, por sua vez, dificulta medidas contrárias à moralidade e impessoalidade; a moralidade administrativa, de seu lado, implica observância a impessoalidade e da publicidade.
O princípio da supremacia do interesse público também é chamado de princípio da finalidade pública por Di PIETRO[16],
que anota que ele está presente tanto no momento da elaboração da lei
como no momento de sua execução pela Administração Pública.
Em síntese, pode-se dizer que há supremacia do interesse público quando
este prevalece face ao interesse do particular isoladamente. Tal
predominância, porém, é de se asseverar, é relativa, uma vez que ao
particular é sempre garantido o contraditório e ampla defesa.
A íntima relação existente entre os princípios do interesse público e
da impessoalidade pode ser percebida na finalidade pública, que está
implícita em ambos.
A finalidade pública [que] deve nortear toda a atividade
administrativa. Significa que a Administração não pode atuar com vistas a
prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o
interesse público que tem que nortear o seu comportamento.[17]
É de se observar que a remoção de servidor público é ato da
Administração Pública decorrente da investidura em cargo ou emprego
público, uma vez que estes guardam com o Estado relação jurídica de
subordinação a regime jurídico de direito público, “caracterizado pela
ausência de consensualidade para instauração tal como para a
determinação de direitos e deveres.”[18]
Ressalte-se que a investidura em cargo efetivo está condicionada,
conforme exige a Constituição Federal, ao pressuposto do concurso
público, composto por provas ou por provas e títulos. O objetivo de se
realizar concurso público para seleção dos titulares de cargos de
provimento efetivo é assegurar que o princípio da impessoalidade seja
observado. Ademais, a prova deve ser realizada de modo a selecionar
aqueles que apresentem as qualidades e capacidades consideradas ideais
para o exercício da função.[19]
Os atos da Administração Pública em relação a seus servidores estão
sujeitos ao princípio do interesse público, inclusive quando da tomada
da decisão de remover seus agentes.
Esse princípio vem apresentado tradicionalmente como o fundamento de
vários institutos e normas do direito administrativo e, também, de
prerrogativas de decisão, por vezes, arbitrárias, da Administração
Pública. Mas vem sendo matizado pela ideia de que à Administração cabe
realizar a ponderação dos interesses presentes numa determinada
circunstância, para que não ocorra sacrifício a priori de nenhum
interesse; o objetivo dessa função está na busca de compatibilidade ou
conciliação dos interesses, com a minimização de sacrifícios. O
princípio da proporcionalidade também matiza o sentido absoluto do
preceito, pois implica, entre outras decorrências, a busca da
providência menos gravosa, na obtenção de um resultado.[20]
Do mesmo modo, deve ser, então, considerado requisito da remoção a
observância do princípio da impessoalidade, assim como das capacidades
pessoais, no momento de se decidir a remoção do servidor, conforme
aponta JUSTEN FILHO[21]:
Nada impede, no entanto, que a Administração submeta a remoção à avaliação da conveniência dos servidores, tomando em vista o princípio de que o melhor desempenho funcional dependerá da satisfação pessoal do servidor. Assim, diante da necessidade de remoção de algum servidor para determinado local, a Administração consulta os diversos servidores para verificar qual deles se dispõe a “aceitar” a remoção. Obviamente, não se trata propriamente de um consenso de vontades, mas de identificar o voluntário para certo encargo que deverá ser executado de modo necessário.
Diante do exposto, conclui-se que para que a remoção do Delegado de
Polícia esteja de acordo com o interesse público, deve conjugar o
princípio da impessoalidade com a finalidade pública, a fim de atender
ao interesse da coletividade e possibilitar que o servidor público
exerça suas funções de maneira plena.
POLIZELLI, Denise Vichiato. A ausência da garantia de inamovibilidade para Delegados de Polícia . Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3488, 18 jan. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23484>. Acesso em: 19 jan. 2013.
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