Urge argumentar que os contratos de financiamento estudantil, encontram
respaldo na legislação protecionista do consumidor, pois traduzem
típicas relações de consumo, senão vejamos.
Note-se que o contrato em lide é contrato adesão, pois não cabe a
embargante discutir suas cláusulas, expor sua vontade, a fim de
alterá-las de forma que melhor lhes satisfaça a negociação.
Na lição de Cláudia de Lima Marques “o contrato de adesão é aquele
cujas cláusulas são preestabelecidas unilateralmente pelo parceiro
contratual economicamente mais forte, sem que o outro parceiro possa
discutir ou modificar substancialmente o conteúdo do contrato escrito”
(Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 5ª ed. São Paulo: RT,
2005, p. 71).
O legislador reconhecendo a vulnerabilidade do consumidor determinou
que todas as cláusulas restritivas de direito devem ser claras,
redigidas com destaques, com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a
facilitar a compreensão do consumidor. Não cumprindo estes requisitos,
essas cláusulas não obrigarão o consumidor.
Não é despiciendo lembrar que as cláusulas deverão ser interpretadas de
maneira mais favorável ao consumidor, portanto havendo dúvida quanto ao
alcance e se a forma redigida dificultar a sua compreensão, a
interpretação deve ser favorável ao consumidor desobrigando-o.
A presunção estabelecida pela legislação quanto aos caracteres
ostensivos, legíveis e redigidos com destaques, na medida em que a
legislação presume a vulnerabilidade do consumidor.
É o que dispõe os arts. 46, 47, 54, caput, §§ 3º e 4º do CDC, in verbis:
“Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.
Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.
Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.
(...).
§ 3° Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor.
§ 4° As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.” (grifamos)
Nesse sentido tem se posicionamento o Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
“EMENTA: DIREITO DO CONSUMIDOR. CONTRATO DE SEGURO. INVALIDEZ PERMANENTE. VALOR DA INDENIZAÇÃO. DIVERGÊNCIA ENTRE OS DOCUMENTOS ENTREGUES AO SEGURADO. PREVALÊNCIA DO ENTREGUE QUANDO DA CONTRATAÇÃO. CLÁUSULA LIMITATIVA DA COBERTURA. NÃO-INCIDÊNCIA. ARTS. 46 E 47 DA LEI N. 8.078/90. DOUTRINA. PRECEDENTE. RECURSO PROVIDO. I - Havendo divergência no valor indenizatório a ser pago entre os documentos emitidos pela seguradora deve prevalecer aquele entregue ao consumidor quando da contratação ("certificado individual"), e não o enviado posteriormente, em que consta cláusula restritiva (condições gerais). II - Nas relações de consumo, o consumidor só se vincula às disposições contratuais em que, previamente, lhe é dada a oportunidade de prévio conhecimento, nos termos do artigo 46 do Código de Defesa do Consumidor. III - As informações prestadas ao consumidor devem ser claras e precisas, de modo a possibilitar a liberdade de escolha na contratação de produtos e serviços. Ademais, na linha do art. 54, § 4º da Lei n. 8.078/90, devem ser redigidas em destaque as cláusulas que importem em exclusão ou restrição de direitos.Acórdão. Vistos, relatados e discutidos estes autos, prosseguindo no julgamento, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por maioria, conhecer do recurso e dar-lhe provimento. Votaram com o Relator os Ministros Ruy Rosado de Aguiar e Aldir Passarinho Junior, vencidos os Ministros Barros Monteiro e Fernando Gonçalves. Presidiu a Sessão o Ministro Aldir Passarinho Junior.” (Processo REsp 485760/RJ; RECURSO ESPECIAL 2002/0165622-4; Relator(a) MIN. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA (1088); Órgão Julgador T4 - QUARTA TURMA; Data do Julgamento 17/06/2003; Data da Publicação/Fonte DJ 01.03.2004 p. 186; RT vol. 827 p. 213). (grifamos)
O Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira consignou em seu voto,
no julgamento do REsp 485760/RJ, que as informações prestadas ao
consumidor devem ser prévias, claras e precisas, de modo a possibilitar a
liberdade de escolha na contratação de produtos e serviços. Ademais,
devem ser redigidas em destaque as cláusulas que importem em exclusão ou
restrição de direitos. Ora utilizamos como nossas razões, ipsis
litteris:
“1. Na espécie, conforme assentado na sentença, e não afastado no aresto impugnado, o segurado, no ato da contratação do seguro, recebeu apenas o "Certificado Individual” (fl. 12), cartão-proposta do seguro (fl. 13), que previa o pagamento de indenização global no montante de R$ 17.999,97 (dezessete mil novecentos e noventa e nove reais e noventa e sete centavos), em caso de invalidez total ou parcial por acidente. Dito certificado fazia menção às cláusulas gerais do contrato, que, no entanto, só posteriormente foram encaminhadas ao consumidor. As condições gerais do contrato (fls. 36/54), por sua vez, previam indenização no valor de R$ 1.800,00 (um mil e oitocentos reais) para o caso do autor. Ainda segundo tal documento, o valor constante no "Certificado Individual" seria o limite da importância segurada, e a indenização a ser realmente paga seria calculada em função de cada caso, tomando como base o grau de invalidez, conforme tabela específica. 2. À luz do Código de Defesa do Consumidor, as informações prestadas ao consumidor devem ser claras e precisas, de modo a possibilitar a liberdade de escolha na contratação de produtos e serviços. Ademais, devem ser redigidas em destaque as cláusulas que importem em exclusão ou restrição de direitos.”
Nas relações de consumo, o consumidor só se vincula às disposições
contratuais em que, previamente, lhe é dada a oportunidade de
conhecimento do seu conteúdo, nos termos do artigo 46 do Código de
Defesa do Consumidor, verbis:
"Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance".
Anote-se, nesse sentido, que as cláusulas econômicas não podem obrigar a
requerente do contrato em comento e respectivos aditamentos, por serem
abusivas, iníquas, colocando a requerida em posição de supremacia
exagerada em relação a requerente, na medida que além de não ter tido a
possibilidade de negociar o contrato, também não lhe informaram
previamente de forma clara, transparente, as conseqüências da tabela
price, da capitalização mensal de juros, juros sobre juros através de
efeito cascata, da amortização negativa, da multa, da pena convencional,
despesas processuais e honorários advocatícios na proporção de 20%
(vinte por cento), bem como sobre o vencimento antecipado da dívida,
onde são cobrados juros e encargos pertinentes, em clara ofensa aos
princípios da transparência, lealdade, eqüidade, boa-fé objetiva, função
social do contrato, portanto são nulas de pleno direito nos termos do
art. 51, caput, inc. IV, § 1º, inc. I, II e III, do CDC, in verbis:
“Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vontade que:
I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;
II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;
III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.”
Destarte, uma vez configuradas a abusividade das cláusulas econômicas e
por arrastamento as clausulas dos aditivos, deve-se determinar a
substituição da tabela price e capitalização mensal de juros, pelo
sistema de juros simples, sem capitalização, sem efeito cascata, de
forma que os juros não pagos vão para uma conta a parte - e após incida
apenas correção monetária - sem a incorporação no saldo devedor,
limitados a 6% ao ano, a não incidência da pena convencional no importe
de 10% (dez por cento) e das despesas processuais e honorários
advocatícios em 20% (vinte por cento), bem como na antecipação da dívida
declarar a não incidência do termo vago “encargos pertinentes”.
Objetivando dar concretude aos objetivos, fundamentos e direitos
insculpidos na Magna Carta, foi editada a Lei no. 8.436, de 25/06/2002.
Em seu art. 7º. ficou estabelecido que os juros anuais não poderiam
ultrapassar 6% (seis por cento) ao ano.
Posteriormente, o Poder Executivo editou a Medida Provisória, em
27/05/1999, sob no 1.827, cujo inciso II, do art. 5º, determinava que a
taxa de juros seriam estipulados pelo CMN, para cada semestre letivo.
Esta MP foi reeditada inúmeras vezes (Edições: 1.827-1, 1.865-2,
1.865-3, 1.865-4, 1.865-5, 1.865-6, 1.865-7, 1.972-8, 1.972-9, 1.972-10,
1.972-11, 1.972-12, 1.972-13, 1.972-14, 1.972-15, 1.972-16, 1.972-17,
1.972-18, 1.972-19, 1.972-20, 1.972-21, 2.094-22, 2.094-23, 2.094-24,
2.094-25, 2.094-26, 2.094-27 2.094-28, de 13.6.2001), sendo esta última
convertida em Lei nº 10.260, de 2001, publicada no DOU de 15.6.2001.
Logo, permaneceu a redação original da MP 1.827, no inciso II, do art.
5º, da Lei 10.260/2001, atual lei de regência do FIES, in verbis:
“Art. 5º Os financiamentos concedidos com recursos do FIES deverão observar o seguinte:
II - juros: a serem estipulados pelo CMN, para cada semestre letivo, aplicando-se desde a data da celebração até o final da participação do estudante no financiamento;”
Podemos notar que o Poder Legislativo delegou ao Poder Executivo a
fixação das taxas de juros, sendo que a cada 6 (seis) meses, deveriam
ser revistas pelo CMN – Conselho Monetário Nacional.
No entanto, o CMN somente em 22 de setembro de 1999 se reuniu, editando
a Resolução 2.647, para regulamentar o FIES e afirmar que as taxas de
juros para aquele semestre era de 9% (nove por cento) ao ano, e de forma
capitalizada mensalmente, in verbis:
“Art. 6º. Para os contratos firmados no segundo semestre de 1999, bem como no caso daqueles de que trata o art. 15 da Medida Provisória nº 1.865, de 1999, a taxa efetiva de juros será de 9% a.a. (nove inteiros por cento ao ano), capitalizada mensalmente.” (grifamos).
Esclarecemos que o CMN somente se reuniu novamente para deliberar sobre
a taxa de juros em 1º (primeiro) de julho de 2006, estipulando a
referida taxa em 3,5% e 6,5% ao mês, dependendo do curso pretendido pelo
aluno-contratante (Resolução 3.415).
Na espécie, o contrato foi realizado em 16 de maio de 2002, como se vê
não houve deliberação do CMN através de resolução estipulando a taxa de
juros para este semestre.
Com efeito, a nosso sentir, a taxa de juros a ser aplicada no caso em
comento deve ser de 6% (seis por cento) anuais, cobrados de forma
simples, eis que a Resolução no. 2.647, somente teria validade para o
segundo semestre de 1999. As contratações posteriores como a mesma taxa
de juros ferem os princípios constitucionais da legalidade e da
finalidade, eis que o Poder Executivo ao editar resoluções deve se ater a
letra da lei. Assim, na falta de resoluções semestrais, deve-se aplicar
a lei anterior, ou seja, a Lei 8.436/92, que estipula os juros anuais
em 6% (seis por cento) ao ano.
Impede notar que o Contrato de Crédito Estudantil é um incentivo do
Estado Brasileiro aos Estudantes hipossuficiente economicamente, cujo
objetivo é incrementar a Educação dos seus cidadãos, a fim de garantir o
desenvolvimento nacional. Portanto, estamos diante de um programa de
governo, juridicamente denominado de fomento administrativo.
O eminente José Roberto Pimenta Oliveira esclarece, inclusive citando
outros doutrinadores, o conteúdo jurídico do Fomento Administrativo,
ipsis litteris (Os Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade no
Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros. 2006, p.
515/516):
“Bartolomé A. Fiorini, observa que a atividade promocional tende, assim a proteger, estimular, promover ou auxiliar situações existentes ou em curso de realização, referidas a riquezas naturais, empreendimentos privados, atividades individuais, como fim de satisfazer necessidades de utilização geral, em benefício da coletividade'.[4]”
Este mesmo Autor registra a importância institucional desta atividade
administrativa contemporânea típica, no conjunto das formações sociais
latino-americanas, como instrumento de desenvolvimento econômico, social
e cultural.
No direito brasileiro, a doutrina delimita o fomento a partir da
satisfação indireta e mediata de necessidades coletivas, sem o uso da
coação e sem a prestação de serviços públicos, podendo ser consideradas
como notas caracterizadoras do fomento, o exercício de função
administrativa, voltada à proteção e/ou promoção de seu objetivo,
visando à satisfação indireta de necessidades públicas, sem o uso de
compulsoriedade, como o estímulo, ministrado direta imediata e
concretamente pela Administração às iniciativas da sociedade, de
reconhecido interesse pública, oferecida na forma da lei.
Na atividade de fomento, o Estado, por meio da atuação legislativa
competente, relativamente à atividade fomentada e à finalidade pública
perseguida, estabelece um determinado marco normativo, que serve de pólo
de atração da ação dos particulares e no qual estes se inserem.
Com sua inclusão na administração fomentadora, a satisfação direta de
interesses de particulares serve de mola propulsora para, nas condições
legais estabelecidas, haver simultânea obtenção da utilidade pública
perseguida.
Ademais, a Constituição da República Federativa do Brasil, em diversos
dispositivos, trata da atividade de Fomento. No art. 3º, especifica como
objetivos garantir o desenvolvimento nacional e promover o bem de todos
(inc. I e IV), erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais, a fim de construir uma sociedade
livre, justa e solidária (inc. III e I). Ao disciplinar a ordem social,
afirma que o seu objetivo é o bem-estar e a justiça social (art. 193). A
ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça
social, observados dentre os princípios (art. 170): a redução das
desigualdades regionais e sociais, e a busca do pleno emprego (inc. VII e
VIII). Por sua vez, determina que a educação, direito de todos e dever
do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração
da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo
para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (art.
205).
O art. 1º da Lei 8.436/92 especifica que o Crédito Estudantil é um
programa governamental para estudantes carentes. No art. 7º, determina
que os juros não ultrapassarão 6% (seis por cento) ao ano, in verbis:
“Art. 1º Fica instituído o Programa de Crédito Educativo para estudantes do curso universitário de graduação com recursos insuficientes, próprios ou familiares, para o custeio de seus estudos.”
Com efeito, o Estado regulamentou as normas constitucionais de
incentivo ao Estudo para estudantes carentes, caracterizando, assim, o
fomento administrativo.
Na concessão dos Créditos Educativos devem ser observados os princípios
constitucionais da administração pública, como os da legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (art. 37, caput, da
CF/88).
Podemos observar que por vezes não se obedece o princípio da
legalidade, ao efetuar a capitalização de juros, sem prévia autorização
legislativa.
Portanto, diante de norma cogente, da horizontalidade dos Direitos
Fundamentais, não pode a instituição financeira estipular cláusula
contratual sem autorização legal, em clara ofensa as finalidades
(incentivo ao estudo) das normas constitucionais e infraconstitucionais.
Ademais, diante da aplicabilidade subsidiária das normas de direito
privado, não se pode falar em liberdade contratual, boa-fé objetiva, na
espécie, tendo em vista que nenhum estudante tem a possibilidade de
discutir, negociar, a fim de se chegar a um entendimento sobre a melhor
taxa de juros e o seu método de calculo.
Reza o contrato de financiamento na modalidade de crédito educativo em sua Cláusula Décima Segunda, Parágrafo Segundo que:
“A partir do 13º. (décimo terceiro) mês de amortização, inclusive, o estudante ficará obrigado a pagar prestações mensais e sucessivas, calculadas segundo o Sistema Francês de Amortização – Tabela Price”.
No entanto, é indevida a utilização da tabela "Price" na atualização
monetária dos contratos de financiamento de crédito educativo, uma vez
que, nesse sistema, os juros crescem em progressão geométrica,
sobrepondo-se juros sobre juros, caracterizando-se o anatocismo.
Neste sentido, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça tem entendimento
firme de que é indevida a utilização da tabela Price para a atualização
de contratos de crédito educativo, como é o Financiamento Estudantil
(FIES). Ilustrativamente:
“RECURSO ESPECIAL CONTRATO DE FINANCIAMENTO DE CRÉDITO EDUCATIVO. ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA. UTILIZAÇÃO DA TABELA PRICE. IMPOSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DE JUROS CAPITALIZADOS. ANATOCISMO. CARACTERIZAÇÃO DE CONTRATO BANCÁRIO. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR: ARTIGOS 3º, § 2º, 6º, V, e 51, IV, § 1º, III. INCIDÊNCIA DE JUROS LEGAIS, NÃO CAPITALIZADOS.
1. O contrato de financiamento de crédito educativo, ajustado entre a Caixa Econômica Federal e o estudante, é de natureza bancária, pelo que recebe a tutela do art. 3º, § 2º, da Lei 8.078, de 1990 (CDC).
2. É indevida a utilização da Tabela Price na atualização monetária dos contratos de financiamento de crédito educativo, uma vez que, nesse sistema, os juros crescem em progressão geométrica, sobrepondo-se juros sobre juros, caracterizando-se o anatocismo.
3. A aplicação da Tabela Price, nos contratos em referência, encontra vedação na regra disposta nos artigos 6º, V, e 51, IV, § 1º, III, do Código de Defesa do Consumidor, em razão da excessiva onerosidade imposta ao consumidor, no caso, o estudante.
4. Na atualização do contrato de crédito educativo, deve-se aplicar os juros legais, ajustados de forma não capitalizada ou composta.
5. Recurso especial conhecido e provido.”
(REsp 572.210/RS, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06.05.2004, DJ 07.06.2004 p. 166)
Destaque-se que os juros compostos, capitalização mensal, estão nas
prestações mensais e não no saldo devedor, devido a fórmula utilizada
pelo Sistema Francês de Amortização ou Tabela Price. Como adverte Luiz
Carlos Forghieri Guimarães:
“Pode-se depreender que na fórmula da Tabela Price, usa-se o fator algébrico (1+i)n que é chamada de fator de capitalização composta ou fator de acumulação de capital para pagamento, que prestigia a contagem de juros sobre juros, ou seja, a capitalização mensal dos juros, o que é vedado em lei.
Tanto é verdade, que o doutrinador Armando José Tossi, em seu livro Matemática Financeira com ênfase em Produtos Bancários, Editora Atlas, 2003, p, 103, averba:
Fórmula para obter o valor dos juros compostos: J=Px(1+i)n –1. Analisando essa fórmula e o conceito de taxas equivalentes, conclui-se que, de posse do fator de acumulação dos juros compostos (1+i)n –1 pode-se obter qualquer taxa equivalente a juros compostos’.
(...)
Lembro-lhes que a matemática é uma ciência exata, não dá margens a interpretação, logo, só não entende quem não quer, ou não se quer entender que a Tabela Price contém no seu bojo a capitalização mensal dos juros que está expressa na fórmula (1+i)n, conseqüentemente, proibida pelo Direito.
E, quando afirmo que os juros estão contidos na fórmula (1+i)n, quero dizer que os juros da tabela price estão na prestação, não que se falar em juros desse sistema sobre o saldo devedor.(...)
Para clarificar o tema, em outro dizer, é uma fórmula prática para calcular os juros capitalizados mensalmente ao longo do período do financiamento em uma só operação, com o fito de achar um determinado coeficiente que multiplicado pelo valor do financiamento nos informa a primeira prestação (amortização e juros).
De posse desse coeficiente, basta multiplicá-lo pelo valor do financiamento, aí, encontraremos o valor da prestação nos exatos termos do exemplo acima, R$ 1.200,17.
Assim, fica provado que os juros da Tabela Price estão na prestação em virtude da fórmula que serve para calcular a prestação, a função exponencial (1+i)n, e não no saldo devedor.”
Para demonstração da ilegalidade da Tabela Price, faz-se a seguir um
comparativo entre o cálculo de juros simples ou lineares e o cálculo dos
juros pela já referida Tabela Price, fazendo um comparativo com
exemplos simplificados entre cálculos de 06 e de 12 meses de prazo
(Situações ‘A’ e ‘B’ adiante):
Situação A:
Juros de 10% ao mês e prazo de 06 meses:
Cálculo de juros simples ou lineares: 10% x 6 meses = 60% de juros totais em 6 meses.
Cálculo pelo Sistema Price (1+ 10%)6 = (1,10)6 = 1,7715 – 1 = 0,7715 x 100 = 77,15% de juros totais nos mesmos 06 meses.
Conclusão: pelo Sistema Price não se está pagando 10% ao mês, mas sim,
na verdade, 12,85% ao mês, o que ocorre em face de a aludida Tabela já
conter em sua sistemática de cálculo uma função exponencial que
constitui uma progressão geométrica e gera na verdade a incidência de
juros sobre juros.
Situação B:
Juros de 10% ao mês e 12 meses de prazo:
Cálculo de juros simples ou lineares: 10% x 12 meses = 120% de juros totais em 12 meses.
Cálculo pelo Sistema Price: (1 + 10%)12= (1,10)12 = 3, 1384 – 1 = 2,1384 x 100 = 213,84% de juros totais em 12 meses.
Conclusão: pelo Sistema Price não se está pagando 10% ao mês, mas sim,
na verdade, 17,82% ao mês, fato, como já referido na letra ‘A’,
decorrente da função exponencial contida na fórmula da Tabela Price.
Note-se que os juros de 10% ao mês, aplicados pela Tabela Price, na
realidade, são mais altos, e quanto maior o prazo, maior é a diferença
entre a Tabela Price e os juros simples: 10% em 6 meses, a juros simples
ou lineares, correspondem a 60%, enquanto que, pela Tabela Price,
ascendem a 77,15% (uma diferença a maior de 17,15%). Estendendo-se o
prazo para 12 meses, tem-se 120% a juros simples ou lineares e 213,84%
pelo Sistema Price (uma diferença a maior de 93,84%). Essa situação
mostra que, na verdade, o que é relevante não é propriamente a taxa de
juros contratada (10%), mas sim o prazo, pois, quanto maior o prazo,
maior será a quantidade de vezes que os juros se multiplicarão por eles
mesmos {(10%)6.(10%)12}, o que demonstra e configura o anatocismo como
traço inerente e imanente à Tabela Price.
Por meio das fórmulas matemáticas acima explicitadas, percebe-se a
estratosférica diferença entre os cálculos e a oneração respectiva deles
decorrente: adotando-se a fórmula dos juros simples o crescimento é
apenas aritmético e, adotando-se a fórmula da Tabela Price, o
crescimento se dá em progressão geométrica (juros capitalizados ou
compostos, inerentes à fórmula da Tabela Price).
Então, constata-se a ilegalidade contida no cálculo pela Tabela Price,
que é o crescimento geométrico dos juros que configura anatocismo ou
capitalização, legalmente proibida em nosso sistema, nos contratos de
mútuo.
Por isso que se afirma que a Tabela Price contém um “truque matemático”
que leva o devedor ao engodo e ao engano, fazendo com que o mutuário
sempre prefira pagar pela Tabela Price, mas sem saber, entretanto, que,
por esta Tabela, está pagando valores maiores do que aqueles
provenientes do cálculo a juros simples, e o que é pior, também estão
pagando, pela já referida Tabela Price, valores maiores do que aqueles
calculados a juros capitalizados anualmente. Portanto, hão de serem
calculadas as prestações do débito da autora sem a aplicação da Tabela
Price e pelo método de cálculo dos juros simples.
O Egrégio Superior Tribunal de Justiça já se manifestou sobre o
Contrato de Financiamento de Crédito Educativo celebrados com a CEF, nos
seguintes termos:
“RECURSO ESPECIAL CONTRATO DE FINANCIAMENTO DE CRÉDITO EDUCATIVO. ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA. UTILIZAÇÃO DA TABELA PRICE. IMPOSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DE JUROS CAPITALIZADOS. ANATOCISMO. CARACTERIZAÇÃO DE CONTRATO BANCÁRIO. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR: ARTIGOS 3º, § 2º, 6º, V, e 51, IV, § 1º, III. INCIDÊNCIA DE JUROS LEGAIS, NÃO CAPITALIZADOS.
1. O contrato de financiamento de crédito educativo, ajustado entre a Caixa Econômica Federal e o estudante, é de natureza bancária, pelo que recebe a tutela do art. 3º, § 2º, da Lei 8.078, de 1990 (Código de Defesa do Consumidor).
2. É indevida a utilização da Tabela Price na atualização monetária dos contratos de financiamento de crédito educativo, uma vez que, nesse sistema, os juros crescem em progressão geométrica, sobrepondo-se juros sobre juros, caracterizando-se o anatocismo.
3. A aplicação da Tabela Price, nos contratos em referência, encontra vedação na regra disposta nos artigos 6º, V, e 51, IV, § 1º, III, do Código de Defesa do Consumidor, em razão da excessiva onerosidade imposta ao consumidor, no caso, o estudante.
4. Na atualização do contrato de crédito educativo, deve-se aplicar os juros legais, ajustados de forma não capitalizada ou composta. 5. Recurso especial conhecido e provido.”
Uma vez especificado que a tabela Price, comporta capitalização mensal
de juros, inclusive reconhece a requerida, pois na cláusula décima
quinta do contrato em comento, especifica que a “taxa efetiva de juros
de 9% (nove por cento) ano, com capitalização mensal, equivalente a 0,
72073% ao mês”, e ainda na cláusula décima sexta, parágrafo segundo,
afirma que “... o ESTUDANTE ficará obrigado a pagar prestações mensais e
sucessivas, calculadas segundo o Sistema Francês de Amortização de
Financiamento – Tabela Price” é mister que o Poder Judiciário declare a
sua ilegalidade, substituindo a referida tabela, capitalização mensal,
por juros simples ou lineares.
Ademais, repise-se que a capitalização de juros mensais pela tabela
Price, embora tenha sido pactuado, não pode obrigar a requerente, na
medida que não foi informada previamente, de forma clara e precisa,
sobre o sentido do sistema francês de amortização e o alcance do ajuste
(art. 46, do CDC), bem como a redação da cláusula décima quarta e décima
quinta, não foram redigidas com caracteres diferenciados, com destaque,
a fim de permitir a reclamante sua imediata e fácil compreensão (art.
54, do CDC), sendo que a interpretação da citada cláusula de maneira
mais favoráveis a autora (art. 47, do CDC).
Colhe-se da Doutrina de Márcio Mello Casado.
“Incontroverso que a metodologia de cálculo denominada método Francês de Amortização, ou Tabela Price, acarreta a ilegal capitalização de juros. Até porque a matemática é uma ciência exata, onde não se admitem diversas explicações para o mesmo fenômeno. Assim, havendo o elemento (1 + i)n na equação, há a presença de fórmula que prestigia a contagem de juros sobre juros. (...) Sob o prisma da ilegalidade da capitalização de juros, ou pela total ausência de informação, o uso da Tabela Price, como metodologia de cálculo é absolutamente inválido, nas contratações firmadas entre consumidores de crédito bancário e instituições financeiras ou assemelhadas[5]”
Igualmente, fere os princípios da transparência, lealdade, eqüidade,
boa-fé objetiva, função social do contrato, pois somente faz sentido
falar em liberdade contratual se for exercida de forma livre,
esclarecida, e prévia, conforme item anterior.
Destarte, as cláusulas econômicas e por arrastamento as cláusulas dos
aditivos, que estabelecem a capitalização mensal de juros
remuneratórios, pela tabela price, são nulas de plena direito, merecendo
ser revista autorizando apenas juros simples ou lineares.
Portanto, deve-se afastar a Tabela Price, recalculando-se o valor do
encargo mensal inicial, pois o valor da prestação deveria ser bem menor,
não guardando qualquer relação com o montante da dívida financiada
originariamente e o prazo do financiamento, que além do mais, torna o
saldo devedor impagável.
Note-se que a instituição financeira após liberar a primeira parcela
para pagamento da universidade, em regra, já começa a cobrar juros
remuneratórios, sendo que estes são incorporados no saldo devedor, e
após a incorporação de nova liberação de recursos e conseqüente
atualização do saldo devedor, são refeitos os cálculos dos juros sobre o
saldo devedor, portanto já incorporados os juros anteriores, gerando
assim, capitalização de juros sobre juros em efeito cascata, até o final
das liberações financeiras, tornando a conta impagável. Frise-se que
não existe cláusula contratual que autorize a capitalização de juros,
através de efeito cascata.
Observa-se também que na ocorrência de pagamento de R$ 50,00
trimestralmente, a título de juros remuneratórios, durante o período de
utilização do financiamento, se o valor ultrapassasse a quantia de R$
50,00 o remanescente era incorporado no saldo devedor, gerando assim
anatocismo, denominado Amortização Negativa. Frise-se que não existe
cláusula contratual que autorize tal método de amortização, e ainda que
houvesse esbarraria na súmula 121 do STF e Decreto-Lei 22.626/33.
Como adverte, a doutrina, a parcela de juros não paga é incorporada no
saldo devedor, na próxima parcela são cálculos nos novos juros. É
inconcebível, matematicamente, que, ao adimplir a obrigação, ao invés do
saldo devedor diminuir, ele aumente em face da amortização negativa.
Com efeito, tais contratos merecem ser revisto para que não ocorra
capitalização de juros através de efeito cascata, e também para que se
expurgue a amortização negativa, neste caso o abatimento de amortização
do capital e juros de acordo com a parcela, e caso não seja suficiente
para amortizar total deverá ser incluída em conta a parte, com
incidência apenas da correção da monetária, a fim de evitar
capitalização, i.e. A cobrança dos juros remuneratórios em duplicidade,
tendo em vista que o método de cobrança não está autorizado por Lei, bem
como fere os dispositivos do Código de Defesa do Consumidor e os
princípios constitucionais da administração pública, citados
anteriormente.
Estipula o contrato de FIES que o saldo devedor será apurado
mensalmente, a partir da data da contratação e até a efetiva liquidação
da quantia mutuada, mediante aplicação da taxa efetiva de juros de 9%
(nove por cento) ao ano, com capitalização mensal, equivalente a
0,72073% ao mês.
Em que pese constar no contrato a taxa efetiva de juro anual, a
instituição financeira informa apenas a taxa efetiva, omite sobre suas
causas, desdobramentos, causando lesão enorme.
A doutrina especializada conceitua a taxa nominal de forma que esta não
incorpora capitalizações, sendo necessário o cálculo da taxa efetiva
quando se pretende efetuar cálculos e comparações no regime de juros
compostos.
Ademais, a taxa nominal é apenas uma taxa aparente, por que a taxa de juros que a outra parte vai receber é a efetiva.
Na taxa efetiva incide os juros compostos porque se utiliza a função
exponencial (1+i)n. Outro fato que caracteriza a existência de juros
compostos na operação é quando as taxas efetivas e nominais difiram.
Em outro dizer, as taxas efetivas e nominais têm como pano de fundo a
capitalização composta. A taxa efetiva é formada exponencialmente, o
processo de formação é pelo regime de juros compostos ao longo do
período de capitalização. A taxa nominal é aquela que produz juros no
seu período de capitalização.
Constata-se na prática o seguinte artifício:
Tomando, como v.g., a taxa nominal de 10, 4815% ao ano, o agente
financeiro simplesmente a divide por 12, encontrando a taxa proporcional
mensal de 0,8735% que, capitaliza mensalmente, acumula ao final de doze
meses o percentual de 11%, portanto, superior à taxa contratada,
evidenciada assim a capitalização.
A cada ano, o agente se apropria indevidamente do plus de 0,5185% maior
do que remunera a poupança de um mês, que é 0,5%, onerando sem causa o
mútuo.
Sendo a taxa de 0,8735% ao mês (10,4815 por 12), em 12 meses na Tabela Price, os juros não serão 10,48156, e sim de 11%.
Demonstrativo:
Juros = 0,8735%
Prazo = 12
Prestação = 88,14
Capital = 1000,00
Ao fazer o cálculo, usando a calculadora científica, com as variáveis:
Juros = 0,8735%
Prazo = 12 meses
Capital = 1.000,00
Obtém-se o valor real pago em todo o empréstimo (valor futuro), ou
seja, R$ 1.110,00, que dividido pelo Capital empestado que foi de R$
1.000,00 temos índice de juros pelos 12 meses de 1,11000 que retirado o
capital emprestado por 1, nos fornece a taxa de 11%, ou seja, a mesma
que encontramos capitalizando por juros compostos.
A diferença após a segunda casa decimal depois da vírgula é questão de aproximação da máquina.
Tirando a prova dos nove:
(1 + 0,008735) 12 = 1,110005
1,110005 – 1 = 11%
Resultado 11%.
Assim, está demonstrado mais uma vez a capitalização dos juros, desta
vez pela via da taxa nominal equivalente à taxa efetiva.” 10 (grifos
acrescentados)
Com efeito, a cobrança pela requerida em taxa anual efetiva de
0,720732% é ilegal, pois há capitalização de juros, o que é vedado pelo
Decreto-lei 22.626/33. Ademais, não existe autorização legislativa
específica para tal cobrança.
Incide, ainda, a Súmula 121 do Supremo Tribunal Federal 121, em plena vigência. Vejamos:
“É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada”.
Por outro lado, a omissão na informação prestada de forma clara,
precisa, previamente ao pacto, quanto ao que seja (sentido) taxa anual
efetiva e suas implicações (alcance), de modo a possibilitar a liberdade
de escolha na contratação do FIES, aliado à falta de destaque das
cláusulas, com caracteres diferenciados, fere os princípios da
transparência, lealdade, eqüidade, boa-fé objetiva, função social do
contrato, pois não faz sentido falar em liberdade contratual se não for
exercida de forma livre, esclarecida, e prévia. Portanto, a requerida
não pode obrigar ao pagamento de taxa efetiva, mas apenas pela taxa
nominal.
O legislador reconhecendo a vulnerabilidade do consumidor determinou
que todas as cláusulas restritivas de direito devem ser claras,
redigidas com destaques, com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a
facilitar a compreensão do consumidor. Não cumprindo estes requisitos,
essas cláusulas não obrigarão o consumidor, na espécie a embargante.
Não é despiciendo lembrar que as cláusulas deverão ser interpretadas de
maneira mais favorável ao consumidor, portanto havendo dúvida quanto ao
alcance e se a forma redigida dificultar a sua compreensão, a
interpretação deve ser favorável ao consumidor desobrigando-o.
Assim, é mister que se determine a substituição da taxa de juros efetiva em nominal.
Estabelecem tais contratos, ainda, que se a estudante vier a “dispor de
qualquer procedimento judicial ou extrajudicial para a cobrança de seu
crédito, o estudante e o(s) fiador (es), pagarão, ainda, a pena
convencional de 10% (dez por cento) sobre o valor do débito apurado na
forma deste contrato, respondendo também pelas despesas judiciais e
honorários advocatícios de até 20% (vinte por cento) sobre o valor da
causa.”
A nosso sentir tal cláusula é iníqua, abusiva, pois coloca o fornecedor
em posição de supremacia exagerada, bem como não estabelece a
reciprocidade, i.e., se a requerida por algum motivo estiver em mora,
v.g. como na espécie, por estar cobrando valor superior ao permitido, a
requerente teria o mesmo direito de cobrar multa, pena convencional,
honorários advocatícios e despesas processuais, em clara ofensa aos
dispositivos do Código de Defesa do Consumidor.
É o que dispõe o art. 39, caput e inciso V, c/c art. 51, caput e
incisos IV, XII, § 1º, caput e inciso III, da Lei 8.078/90, in verbis:
“Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas
V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade; XII - obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor;
§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vontade que:
III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.”
Ademais, repise-se que a cláusula em questão não é redigida de forma
clara, com destaques, com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a
facilitar a compreensão da requerida, bem como a omissão na informação
prestada de forma clara, precisa, previamente ao pacto, quanto ao que
seja (sentido) da multa, pena convencional, despesas processuais e
honorários advocatícios e suas implicações (alcance), de modo a
possibilitar a liberdade de escolha na contratação do FIES, fere os
princípios da transparência, lealdade, eqüidade, boa-fé objetiva, função
social do contrato, pois não faz sentido falar em liberdade contratual
se não for exercida de forma livre, esclarecida, e prévia. Portanto, a
instituição financeira não pode obrigar ao pagamento desses encargos.
Note-se que este contrato estipula que em caso de impontualidade,
inclusive vencimento antecipado haverá cobrança de multa de 2% “pró rata
die”, pelo período de atraso. Logo em seguida o parágrafo terceiro
estipula pena convencional de 10%, sobre o débito apurado.
Entendemos, portanto, que a pena convencional não pode ser cumulada com
multa, pois ambas tem a mesma natureza jurídica, independente da
semântica utilizada pela Caixa. Ambas visam a punir a pessoa que der
causa ao inadimplemento contratual.
Nesse sentido o conspícuo Nelson Nery Junior adverte[6]:
“Ao primeiro exame pode parecer que o Código tenha admitido somente a cláusula penal moratória, para a ocorrência da mora nos contratos de crédito ou financiamento ao consumidor. Todavia, não existe proibição para que se estipule pena para o inadimplemento da obrigação (cláusula penal compensatória). Essa ‘multa’ de que fala o dispositivo é, em verdade, pena convencional.” (destacamos)
De outro giro, observamos também que não existe autorização legislativa
específica que autorize a cobrança em duplicidade sobre o mesmo fato.
Portanto, fere os princípios constitucionais da administração pública.
Ademais, inadmissível o pagamento de honorários advocatícios, à própria
Instituição Credora, porque estes, se devidos for, serão ao próprio
advogado, e, em razão de processo, no montante determinado pelo julgador
e na restrita hipótese de sucumbência.
É ilegal, nula de pleno direito, também o contrato ao estabelecer que
em caso de vencimento antecipado da dívida será limitado ao total das
parcelas já acrescidas dos juros e demais encargos pertinentes”.
(destacamos)
É o que dispõe o art. 51, inciso X, do CDC, in verbis:
“Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral;”
Note-se que o termo é vago, impreciso, “demais encargos pertinentes”,
permite a requerida que de forma direta estabeleça a variação do
conteúdo da linguagem e quanto irá cobrar sobre tal denominação.
A cobrança dos juros remuneratórios superiores a 6% (seis) por cento ao
ano, pelo sistema francês de amortização, com capitalização mensal e
também com juros sobre juros através de efeito cascata, amortização
negativa, aliado a multa de 2% (dois por cento), pena convencional de
10% (dez por cento) e 20% (vinte por cento) a título de despesas
processuais e honorários advocatícios, estipuladas no contrato de
adesão, configuram abuso de direito.
Insta-se que o dinheiro emprestado aos estudantes é oriundo da receita
de impostos cobrados pela União, receita das loterias, portanto a
requerida não tem nenhum custo, ao contrário ganha para repassar o
incentivo governamental.
Ademais, o Financiamento Estudantil deve ser utilizado com o objetivo
de garantir o “mínimo existencial” do direito fundamental à educação, na
medida em que é direito de todos e dever do Estado (art. 205, da
CF/88), à igualdade proporcional (art. 5º, caput, da CF/88), pois se
devem tratar os desiguais de forma que se aproxime da igualdade real, à
dignidade da pessoa da humana (art. 1º, III, da CF/88), a fim de
construir uma sociedade justa, livre e solidária, objetivando a
erradicação da pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades
sociais, promovendo o bem de todos (art. 3º, da CF/88), conforme os
ditames da justiça social e distributiva (art. 170, caput, da CF/88).
Outrossim, as Leis 8.436/92 e 10.260/01 não autorizam a estipulação e a cobrança dessas cláusulas.
Com efeito, as cláusulas contratuais cláusulas décima quarta, décima
quinta, décima sexta, décima nona, e por arrastamento as clausulas dos
aditivos, são abusivas, iníquas, devendo o Poder Judiciário declarar
nulas.
Por outro lado, ainda que se entenda que é devido à comissão de
permanência, ou encargos moratórios, estes devem incidir somente após
trânsito em julgado das ações de revisão de cláusulas contratuais, tendo
em vista que a abusividade na cobrança das prestações do contrato de
FIES inibe a mora.
Nesse sentido tem se posicionado o Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
“EMENTA: CONSUMIDOR. CONTRATO BANCÁRIO. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. MORA. A cobrança de encargos indevidos inibe a mora do devedor”.
Conseqüentemente, a comissão de permanência (assim entendidos os juros
remuneratórios, à taxa média de mercado, nunca superiores àquela
contratada para o empréstimo + juros de mora + multa contratual) somente
é exigível a partir do trânsito em julgado da decisão. Agravo
regimental não provido.
“Acórdão
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Nancy Andrighi e Humberto Gomes de Barros votaram com o Sr. Ministro Relator.” (Processo AgRg no REsp 921960/RS; AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2007/0023442-2; Relator(a) Ministro ARI PARGENDLER (1104); Órgão Julgador T3 - TERCEIRA TURMA; Data do Julgamento 04/10/2007; Data da Publicação/Fonte DJ 31.10.2007 p. 334)”. (destacamos).
CONCLUSÃO
Conclui-se que o objeto do Programa de Financiamento Estudantil (FIES),
criado em 1998, em substituição ao crédito educativo, que se tornou
inviável financeiramente por causa da alta taxa de inadimplência (70%), e
sua filtragem ordinária pelas normas do CDC, determinam a incidência
protetiva do regime de direito público, administrativo, cujas normas
devem observar os princípios constitucionais da administração pública, e
subsidiariamente, no que for aplicável, das normas do Código de Defesa
do Consumidor, no tocante à relação contratual formada, por meio da
completa revisão das clausulas econômicas do contrato de FIES, visando
sua adequação à atual proteção dispensada pelo CDC, e sua adstrição aos
princípios da administração, eliminando-se abusos e excessos cometidos
pelo agente financeiro e o próprio Estado, na administração do contrato.
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