A expressão amicus curiae significa “amigo da corte”, intervenção
assistencial em processos de controle de constitucionalidade por parte
de entidades que tenham representatividade adequada para se manifestar
nos autos sobre questão de direito pertinente à controvérsia
constitucional. Não são partes dos processos; atuam apenas como
interessados na causa[1].
Cassio Scarpinella Bueno aduz que não há como recusar ser, o amicus
curiae, agente do contraditório, entendido em amplitude diversa daquela
em que, em geral, nossa doutrina se refere a ele. “Contraditório” no
sentido de “cooperação”, de “coordenação”, de “colaboração”, numa
leitura generosa do “modelo constitucional do processo civil
brasileiro”, mas também — e a partir desta perspectiva de análise — dos
arts. 339 e 341 do Código de Processo Civil (CPC). “Contraditório
presumido”, “contraditório institucionalizado”: contraditório entendido à
luz de uma sociedade e de um Estado plural[2].
Só há uma regra de direito positivo no Brasil que se refere
expressamente ao amicus curiae no direito brasileiro. Trata-se do art.
23, § 1º, da Resolução n. 390/2004 do Conselho da Justiça Federal.
Na Lei nº. 9.868/1999, que regula o procedimento da ação direta de
inconstitucionalidade (ADI) e da ação declaratória de
constitucionalidade (ADC), contudo, há previsão ampla o suficiente para
albergar a atuação do amicus curiae (art. 7º. § 2º). A citada lei, ao
incluir três parágrafos no art. 482 do Código de Processo Civil, fornece
para o incidente de declaração de inconstitucionalidade regulado pelos
art. 480 a 482 do CPC, o mesmo subsídio. O mesmo pode ser dito com
relação ao incidente de uniformização de jurisprudência de que se ocupa o
§ 7º do art. 14 da Lei nº. 10.259/2001, que cria e disciplina o Juizado
Especial Federal que, aliás, é o objeto de disciplina da referida
Resolução nº. 390 do Conselho da Justiça Federal. O Regimento Interno do
Supremo Tribunal Federal (STF) foi alterado recentemente para admitir
que “quaisquer terceiros” — e pela amplitude da previsão não há razão
para excluir o amicus curiae — sustentem oralmente suas razões nos
julgamentos perante o Plenário ou perante as Turmas (art. 131, § 2º).
No mais, há diversos outros diplomas legislativos que, embora não
tratem do amicus curiae, admitem intervenções diferenciadas de terceiro
sendo o bastante para, analisadas as previsões no seu devido contexto,
verificar que as situações correspondem, ou, quando menos, são bastante
próximas da intervenção do amicus curiae tal qual admitida nos
ordenamentos jurídicos estrangeiros que o conhecem. Portanto, apenas
para ilustrar a afirmação, no art. 5º da Lei nº. 9.494/1997 (pessoas
jurídicas federais de direito público); no art. 31 da Lei nº. 6.385/1976
(Comissão de Valores Mobiliários); no art. 89 da Lei nº. 8.884/1994
(Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e o art. 49 da Lei nº.
8.906/1994 (Ordem dos Advogados do Brasil).
Logo, admite-se a intervenção do amicus curiae no Brasil,
principalmente nos processos de controle de constitucionalidade
concentrado, nos quais exerce um papel de legitimador das decisões
judiciais, pluralizando o debate constitucional (valorizando a
democracia), permitindo que a sociedade expresse os valores que
consideram essenciais e relevantes[3]. A sua participação consubstancia-se em apoio técnico ao magistrado.
Depreende-se da regra citada que é admissível, portanto, em sede de
controle abstrato de constitucionalidade, a manifestação de órgãos e
entidades, desde que tenham representatividade e a matéria discutida na
ação tenha relevância.
Para o ingresso do amicus curiae no processo é preciso, portanto, a
satisfação de dois requisitos: a relevância da matéria e a
representatividade do postulante. A relevância da matéria
é um indicativo da necessidade, da conveniência de que haja um diálogo
entre a norma questionada e os valores dispersos pela sociedade civil[4].
Seria o nexo de importância do assunto debatido e a atividade exercida
pela instituição, ou seja, quando a lei ou ato impugnado tiver interesse
de acordo com a atividade pela entidade desenvolvida.
Já representatividade adequada, por sua vez, exige que
a entidade que requeira seu ingresso no processo como amicus curiae
seja a representante legítima de um grupo de pessoas e de seus
interesses.
Ressalte-se que o amicus curiae intervém para defender um interesse
institucional que é público no sentido de que deve valer em juízo pelo
que ele diz respeito às instituições, aos interesses corporificados no
amicus, externos a eles. Pode ser um interesse público que diga respeito
ao Estado, mais especificamente aos valores que o Estado representa e
tem como mister primeiro cumpri-los[5]. É
institucional, portanto, porque sua atuação é voltada para defesa da
sociedade e somente será admitido em juízo quando caracterizado tal
interesse público primário a legitimar sua intervenção.
Ainda e ante a ausência de regulamentação legal, cumpre discorrer
brevemente sobre o procedimento de admissão do amicus curiae, construído
pela jurisprudência e que se revela relativamente simples. Primeiro,
deve o interessado preparar memorial “sucinto, objetivo e capaz de
explicar a repercussão do tema na sociedade”. Tal memorial deverá ser
submetido ao Relator que irá admitir ou não o seu ingresso no processo.
Depois, apresentará suas razões de intervir. Não obstante exigência de
duas fases distintas, é cediço que, “na prática, o pedido de
admissibilidade e as razões são interpostos em conjunto.”[6]
Destaque-se que consoante majoritariamente tem entendido tanto o STF
quanto a doutrina, ante o silêncio da Lei sobre a existência ou não de
prazo, é possível sua admissão a qualquer tempo, desde que proceda a
leitura do relatório quando do julgamento da ação, momento em que, mesmo
assim, admite-se sejam por ele entregues memoriais aos julgadores[7].
No que concerne ao momento em que pode intervir o interessado,
controvérsias permanecem à existência ou não de prazo para sua
participação. Explica-se: em que pese haja previsão legal sobre a
admissão do amicus em ações diretas de inconstitucionalidade, a lei não
dispõe sobre os contornos de sua intervenção, ou seja, não revela a
forma que pode o amicus intervir, nem o momento oportuno à sua
manifestação. Logo, para esse fim, a pesquisa se restringe à doutrina e
jurisprudência[8].
Quanto ao momento da intervenção, embora não haja previsão legal, o
entendimento pacífico é que a manifestação do amicus curiae deve ser
feita no prazo das informações[9]. Entretanto, dependendo da relevância da participação, o STF tem admitido o ingresso desses autores após o término deste prazo[10],
após a inclusão do feito na pauta de julgamento e, até mesmo, quando já
iniciado o julgamento para a realização de sustentação oral, logo após a
leitura do relatório. A consequência da intervenção tardia é a
impossibilidade de praticar atos processuais cujo prazo já se esgotou,
ou seja, o interessado recebe o processo no prazo em que se encontra[11].
No tocante ao prazo para sua participação, o art. 7º, § 2º da Lei nº.
9.868/99, estabelece o prazo “fixado no parágrafo anterior”. Como o
parágrafo anterior foi vetado, criou-se uma lacuna. Então, adota-se o
prazo estabelecido no art. 6º, parágrafo único da citada Lei, que é de
30 (trinta) dias, contado da data da admissão ao processo[12].
Seguindo a Lei da ADI, também a Emenda Regimental nº. 15/04 incluiu ao
artigo 131 o § 3º do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, o
instituto do amicus curiae em sede de controle concentrado de
constitucionalidade. Reza tal dispositivo que “admitida a intervenção de
terceiros no processo de controle concentrado de constitucionalidade,
fica-lhes facultado produzir sustentação oral, aplicando-se, quando for o
caso, a regra do § 2º do artigo 132 desse Regimento[13].”
Derradeiramente, quanto à admissão de recurso interposto pelo amici em
ação direta de inconstitucionalidade, já entendeu o STF pela sua
impossibilidade, mormente porque não figura o interventor como parte,
não possuindo, portanto, legitimidade recursal.
No entanto, cumpre trazer à baila os ensinamentos de Gustavo Binenbojm[14]
ao afirmar a possibilidade do colaborador recorrer de decisões
proferidas em ações desta natureza, tendo em vista não existir argumento
lógico suficiente para impedir a intervenção do amicus curiae com
apresentação de seus argumentos, e como desdobramento natural, não possa
se insurgir contra as decisões que contrariem tais argumentos, por meio
dos recursos cabíveis.
Ademais, assinala ainda o autor, que os efeitos da sentença propalada
em sede de ação direta de inconstitucionalidade legitimam, por si só, o
colaborador a interpor recurso de decisões consoante o disposto no art.
499 do Diploma Processual Civil. Nas suas palavras “podem sofrer
impactos diretos em razão da decisão em controle abstrato, podendo, até
mesmo, perder direitos antes reconhecidos pela lei atacada[15]”.
Derradeiramente e, como analisa Marinoni, o amicus curiae restou
introduzido no Projeto do Novo Código de Processo Civil (PL nº.
166/2010) como “hipótese de intervenção de terceiros”, que não possui
correspondência no atual Código[16].
O projeto de Novo Código de Processo Civil trata pela primeira vez, de
forma explícita, do instituto em comento. Segundo o parecer da Comissão
Temporária da Reforma do Código de Processo Civil, se regulamenta, de
maneira inédita entre nós, a figura do amicus curiae, criando, com a
iniciativa, condições de uma maior e melhor participação de terceiros
interessados nos processos em curso[17].
Outra alteração prevê que o legitimado para as ações coletivas poderá,
como amicus curiae, intervir em causas pendentes, facultando-lhes juntar
documentos, requerer provas, arrazoar e, se for o caso, recorrer, desde
que a intervenção se justifique para a defesa de relevante interesse de
ordem pública e que busque favorecer uma das partes no processo[18].
Pode-se concluir, então, que a possibilidade de intervenção de
terceiros no controle abstrato de constitucionalidade prestigia o
princípio da segurança jurídica das decisões judiciais, em razão da
ampliação do debate constitucional propiciado pela admissibilidade da
figura do amicus curiae no processo objetivo de constitucionalidade,
conferindo maior legitimidade democrática às decisões judiciais.
Não se olvide, outrossim, que a jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal encontra-se consolidada no sentido de conferir ampla
legitimidade à intervenção do amigo da corte, bem como o Projeto de Novo
Código de Processo Civil que contém previsão expressa sobre o
instituto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário