A teoria concepcionista surge como uma brusca inovação no pensamento de
alguns doutrinadores, os quais passam a admitir que o nascituro é
pessoa humana, tendo direitos resguardados pela lei. A principal
precursora da tese concepcionista no Brasil foi Silmara Juny Chinellato,
a qual explana que:
O nascimento com vida apenas consolida o direito patrimonial,
aperfeiçoando-o. O nascimento sem vida atua, para a doação e a herança,
como condição resolutiva, problema que não se coloca em se tratando de
direitos não patrimoniais. De grande relevância, os direitos da
personalidade do nascituro, abarcados pela revisão não taxativa do art.
2º. Entre estes, avulta o direito à vida, à integridade física, à honra e
à imagem, desenvolvendo-se cada vez mais a indenização de danos
pré-natais, entre nós com impulso maior depois dos Estudos de Bioética.[17]
Como explanado, a citada autora levanta o argumento de que o nascimento
com vida não é o marco inicial para o alcance dos direitos
patrimoniais, mas apenas consolida os mesmos, na medida em que passa a
se tornar perfeita a possibilidade de defendê-los. Quanto aos direitos
da personalidade referente à vida, à integridade física, à honra e à
imagem, estes seriam atributos do nascituro desde o momento da sua
concepção, razão pela qual deve ser protegido pela possibilidade de
indenização pelos danos que lhes sejam causados.
A tese sustentada por Silmara Juny Chinellato restou acompanhada por
diversos doutrinadores, como Pontes de Miranda, Rubens Limongi França[18], Flávio Tartuce[19], Gustavo Rene Nicolau, Renan Lotufo e Maria Helena Diniz.
Os citados autores apontam que a origem da teoria concepcionista está
no Esboço de Código Civil elaborado por Teixeira de Freitas, pela
previsão constante do artigo 1º da sua Consolidação das Leis Civis, o
qual aduz que “as pessoas consideram-se como nascidas apenas formadas no
ventre materno; a Lei lhes conserva seus direitos de sucessão ao tempo
de nascimento”. Tal ensinamento influenciou de maneira notória o Código
Civil argentino, o qual adota expressamente o pensamento concepcionista.
Verifica-se, pois, que a citada teoria é a que prevalece entre os
autores contemporâneos do Direito Civil Brasileiro, os quais conferem
direitos efetivos e reconhecidos ao nascituro desde o momento da sua
concepção. A conclusão pela tese concepcionista também consta do
Enunciado nº 1 do Conselho da Justiça Federal e do Superior Tribunal de
Justiça, aprovado da I Jornada de Direito Civil, cujo teor segue: “A
proteção que o Código defere ao nascituro alcança também o natimorto no
que concerne aos direitos da personalidade, tais como nome, imagem e
sepultura”.
A tese concepcionista relata a preocupação atual com relação à
efetividade dos direitos do nascituro. É notório que o ordenamento
jurídico brasileiro abrange vários dispositivos que conferem direitos
aos concebidos e ainda não nascidos, como por exemplo a Lei nº
11.804/2008, Lei dos Alimentos Gravídicos, a qual fora responsável pelo
reforço do debate entre o momento de aquisição dos direitos da
personalidade, confrontando as teorias aqui apontadas.
Acerca da referida lei, Flávio Tartuce sustenta:
Os citados alimentos gravídicos, nos termos da lei, devem compreender
os valores suficientes pata cobrir as despesas adicionais do período de
gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive
as referentes à alimentação especial, assistência médica e psicológica,
exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais
prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do
médico, além de outras que o juiz considere como pertinentes.[20]
Expressiva doutrina italiana demonstra que, mesmo sob a ficção natalista da norma genérica que trata do início de personalidade, as demais normas reconhecem direitos incondicionais, desde a concepção, com reflexos na Jurisprudência. O direito constitucional desse país, bem como Convenções Internacionais, respaldam o acolhimento da teoria concepcionista.
Do ponto de vista biológico, não há dúvida de que a vida se inicia com a fecundação do óvulo pelo espermatozóide, resultando um ovo ou zigoto. Assim o demonstram os argumentos colhidos na Biologia. O embrião ou feto representa um ser individualizado, com uma carga genética própria, que não se confunde nem com a do pai nem com a da mãe. Os direitos absolutos da personalidade, como o direito à vida, o direito à integridade física (stricto sensu) e à saúde, espécies do gênero “direito à integridade física” (lato sensu), aos olhos da teoria concepcionista, independem do nascimento com vida, mas devem ser resguardados desde o início da vida intrauterina, haja vista ser aí o momento de início da vida humana.
A despeito da redação aparentemente contraditória do artigo 2º do Código Civil, que, estabelecendo o início da personalidade civil do nascimento com vida, concede direitos e não expectativas de direitos do nascituro, é possível conciliá-lo consigo mesmo e com todo o sistema agasalhado pelo Código que reconhece direitos e estados ao concebido desde a concepção, em harmonia com os diplomas legais de outros ramos do Direito. Utilizando-se desses argumentos, Silmara Juny Chinellato entende que, através dos métodos lógico e sistemático de Hermenêutica, o artigo 2º em tela consagra a teoria concepcionista e não a teoria natalista.
Assim, verifica-se que esta terceira corrente, ao afirmar que o nascituro tem personalidade desde a concepção, parece-nos a mais coerente com o ordenamento jurídico brasileiro. Apenas certos efeitos de certos direitos, notadamente os patrimoniais materiais, dependem do nascimento com vida, como o direito de receber doação e de receber herança. Os direitos absolutos da personalidade, como o direito à vida, o direito à integridade física (stricto sensu) e à saúde, espécies do gênero “direito à integridade física” (lato sensu), independem do nascimento com vida.
Silmara Juny Chinellato especifica direitos dos quais o nascituro é titular desde o momento da sua concepção, fundamentando, assim, a sua tese concepcionista.
O nascituro é pessoa desde a concepção. Nem todos os direitos e estados a ele atribuídos dependem do nascimento com vida, como, por exemplo: o estado de filho (art. 458 do CC) – antes da Constituição de 1988 tinha o status de filho “legítimo” (art. 338 do CC) e de filho “legitimado” (art. 353 do CC) –, o direito à curatela (arts. 458 e 462 do CC) e à representação (art. 462 caput c/c arts. 384, V e 385, todos do CC), o direito ao reconhecimento (parágrafo único do art. 357 do CC e parágrafo único do art. 26 do ECA), o de ser adotado (art. 372 do CC), o direito à vida, o direito à integridade física (lato sensu), ambos direitos da personalidade, compreendendo-se, no último, o direito à integridade física (stricto sensu) e à saúde – direitos absolutos – e o direito a alimentos, reconhecido ao nascituro desde o Direito Romano, respaldado no Brasil por expressiva doutrina e novos acórdãos.[21]
Rechaçada estaria, pois, a ideia de que a personalidade do nascituro é condicional. Apenas determinados efeitos de certos direitos, notadamente dos direitos patrimoniais materiais, como a herança e a doação, dependem do nascimento com vida. Assim, ao contrário do que afirma o pensamento da personalidade condicionada, aqui se verifica que a plenitude da eficácia desses direitos fica resolutivamente condicionada ao nascimento sem vida, ou seja, o nascimento com vida não é condição suspensiva para a titularidade dos direitos da personalidade do nascituro, mas haveria uma condição resolutiva, qual seja o nascimento sem vida, para que fosse impossível o exercício desses direitos.
A condição resolutiva acarreta a extinção do negócio quando verificado determinado fato. De acordo com o artigo 127 do Código Civil, "se for resolutiva a condição, enquanto esta se não realizar, vigorará o negócio jurídico, podendo exercer-se desde a conclusão deste o direito por ele estabelecido". Porém, assim que sobrevier a condição, extinguirá o direito a que ela se opõe.
A condição do nascimento sem vida é resolutiva porque a segunda parte do artigo 2º do Código Civil, bem como outros dispositivos presentes no ordenamento jurídico brasileiro, reconhecem direitos e estados ao nascituro, não do nascimento com vida, mas desde a concepção. Tais direitos só se configurariam impossíveis de exercício se a criança nascesse sem vida, fato este que extingue tais direitos e, se extinguem, é porque eles já existiam desde o início da vida intrauterina.
Os demais ramos do Direito oferecem tutela jurídica de proteção ao nascituro, o que reafirma e embasa, ainda mais, a efetiva personalidade da qual estes são titulares. O Direito do Trabalho[22], bem como o Direito Administrativo, conferem toda a proteção à trabalhadora e à servidora gestante, direitos os quais são, também, constitucionalmente assegurados, como se pode observar a partir dos artigos 5º, caput, e XXXVIII e 6º, caput e XVIII. O Direito Penal[23], na mesma esteira, em regra, pune o aborto, protegendo o direito à vida do feto. A ação de posse em nome do nascituro, medida cautelar acolhida pelo Código de Processo Civil é outro exemplo de efetivação da tutela jurídica de proteção aos direitos do nascituro.
No âmbito do Direito Internacional, invoquem-se o Pacto de San José da Costa Rica – Convenção Interamericana de Direitos Humanos (promulgada pelo Decreto n. 678, de 06-11-1992), a Declaração dos Direitos da Criança, proclamada unanimemente pela Assembléia das Nações Unidas, aos 20 de novembro de 1959 e a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (ratificada pelo Brasil, em 24-9-1990), todos instrumentos de proteção aos direitos do concebido e ainda não nascido.
Dessa forma, realizando uma interpretação sistemática do artigo 2º do Código Civil Brasileiro, bem como pela a análise de todo o exposto, consideramos a tese concepcionista a mais apta e bem sucedida teoria para explicar a tutela jurídica do nascituro. Insta frisar, ainda, que a jurisprudência vem firmando posicionamento semelhante em algumas questões, como a concessão que vem sendo atribuída de indenização por danos morais em favor do nascituro, o que restará explanado a seguir.
ASFOR, Ana Paula.
Do início da personalidade civil. Jus Navigandi, Teresina,
ano 18,
n. 3629,
8 jun. 2013
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Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/24650>. Acesso em: 9 jun. 2013.
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