domingo, 9 de junho de 2013

Teoria da personalidade condicional

A teoria da personalidade condicional traz em tela uma visão de reconhecimento do inicio da personalidade jurídica da pessoa humana no momento da concepção, entretanto, sendo esta de maneira condicional. Segundo tal pensamento, a personalidade civil começa com o nascimento com vida, mas os direitos do nascituro estão sujeitos a uma condição suspensiva, ou seja, são direitos eventuais.

Os adeptos da teoria da personalidade condicionada afirmam que nascendo com vida, a existência do indivíduo, no tocante aos seus interesses, retroagiria ao momento da concepção. Os direitos assegurados ao nascituro se encontrariam em estado potencial, ou seja, esperando a realização do nascimento com vida para que fossem seguramente efetivados.

A condição suspensiva está disciplinada no artigo 125 do Código Civil Brasileiro, sendo esta o pressuposto para que a pessoa possa se tornar titular dos direitos em face da ocorrência de um evento futuro e incerto, ou seja, enquanto não ocorrer tal evento, a pessoa tem mera expectativa de direito. Dessa forma, a condição suspensiva é o elemento acidental do negócio jurídico que subordina a sua eficácia a um evento que poderá ocorrer no futuro, mas que não é inteiramente certo de acontecer.

No caso do nascituro, a condição estabelecida é justamente o nascimento com vida, ou seja, a respiração fora do ventre materno, e a tese da existência de direitos sob condição suspensiva encontra-se confirmada no artigo 130 do atual texto civilista, o qual afirma que “ao titular do direito eventual, nos casos de condição suspensiva ou resolutiva, é permitido praticar os atos destinados a conservá-lo”.

Segundo esse entendimento, por exemplo, o nascituro pode requerer, representado pela mãe, a suspensão do inventário, em caso de morte do pai, estando a mulher grávida e não havendo outros descendentes, para se aguardar o nascimento. Pode, ainda, propor medidas acautelatórias em caso de dilapidação por terceiro dos bens que lhe foram doados ou deixados em testamento.

Em conformidade com alguns dos adeptos desta teoria, o doutrinador Miguel Maria de Serpa Lopes, citado na obra de Wilian Artur Pussi “Personalidade Jurídica do Nascituro”, apregoa de forma incisiva:
De fato, a aquisição de tais direitos, segundo o nosso Código Civil, fica subordinado a condição de que o feto venha a ter existência; se tal se sucede, dá-se a aquisição; mas, ao contrário, se não houver o nascimento com vida, ou por ter ocorrido um aborto ou por ter o feto nascido morto, não há uma perda ou transmissão de direitos, como deverá se suceder; se ao nascituro fosse reconhecida uma ficta personalidade. Em casos tais, não se dá a aquisição de direitos.[12]
Assim, o nascituro não teria personalidade jurídica, já que esta começa do nascimento com vida e quando a lei confere a ele direitos, constituem-se aí situações excepcionais. Quando a lei “põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro”, dissocia o conceito de personalidade do conceito de subjetividade. O nascituro não é pessoa, mas já é sujeito de direito, conquanto sob a condição.

Analisando-se como exemplo o plano hereditário, a anômala subjetividade do nascituro se explica pela suspensão da delação. Vale dizer que a herança se difere sob a condição com o nascimento com vida. Trata-se de condição suspensiva, pois a delação não produz efeito se o evento nascimento com vida não se verificar. De sorte que, se o nascituro não nasce com vida, realmente não adquiriu a deixa, assim como não adquire outro direito qualquer.[13]

Como conclusão, portanto, nota-se que os acolhedores desta corrente colocam o nascituro em uma posição suspensiva em relação a seus direitos, de maneira condicional. Se este vier a nascer com vida, ocorrendo a condição, o infante, terá todos seus direitos garantidos desde a concepção.

Como afirma Carlos Roberto Gonçalves:
Poder-se-ia até mesmo afirmar que na vida intra-uterina tem o embrião, concebido in vitro personalidade jurídica formal, no que atina aos direitos personalíssimos, visto ter carga genética diferenciada desde a concepção, seja ela in vivo ou in vitro, passando a ter personalidade jurídica material, alcançando os direitos patrimoniais, que se encontravam em estado potencial, somente com o nascimento com vida. Se nascer com vida adquire personalidade jurídica material, mas se tão não ocorrer nenhum direito patrimonial terá.[14]
Como se pode ver, Carlos Roberto Gonçalves diferencia a personalidade jurídica formal da material, distinção que também se encontra presente na doutrina de Maria Helena Diniz. A personalidade jurídica material habilita a pessoa a ser sujeito de direitos, indicando a titularidade das relações jurídicas. É o ponto de vista estrutural, em que a pessoa, tomada em sua subjetividade, identifica-se como elemento das situações jurídicas. Já a personalidade jurídica formal configura-se como sendo o conjunto de características e atributos da pessoa humana, considerada como objeto de proteção por parte do ordenamento jurídico.

Segundo o entendimento da teoria da personalidade condicionada, desde a concepção o feto teria personalidade jurídica formal, recebendo toda a proteção relativa aos seus direitos personalíssimos. Contudo, a personalidade jurídica material, relativa aos direitos patrimoniais encontra-se sob condição suspensiva, aguardando a efetivação do nascimento com vida.

A teoria da personalidade condicionada encontrava-se presente no Projeto do Código Civil de 1916[15], sendo esta a corrente adotada por Clóvis Beviláqua. Além deste, como entusiastas desse posicionamento, podem ser citados Washington de Barros Monteiro[16], Miguel Maria de Serpa Lopes e Arnaldo Rizzardo.

A grande crítica que se faz ao citado posicionamento é o apego que o mesmo externa a questões patrimoniais, não respondendo ao apelo de direitos pessoais ou da personalidade a favor do nascituro. Em uma realidade que prega a personalização do Direito Civil, bem como a sua constitucionalização, uma tese essencialmente patrimonialista não deve prevalecer. Os direitos da personalidade, por encontrarem amparo constitucional, não podem estar sujeitos a qualquer condição, termo ou encargo, como nos faz entender a presente corrente.

Ademais, embora afirme o contrário, essa linha de entendimento acaba por negar os direitos do nascituro, não reconhecendo a este direitos efetivos a partir do momento em que a condição suspensiva estabelecida faz nascer apenas direitos eventuais, ou seja, mera expectativa de direitos. Assim, seria correto afirmar que a teoria da personalidade condicionada é essencialmente natalista, a medida em que tem como premissa a aquisição da personalidade apenas com o nascimento com vida. Seria incorreto dizer, portanto, como afirmam alguns autores, que esta teoria configura-se como mista.

ASFOR, Ana Paula. Do início da personalidade civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3629, 8 jun. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/24650>. Acesso em: 9 jun. 2013.

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