A capacidade sucessória, segundo Gonçalves (2008), consiste na
legitimidade para suceder. Aqueles dotados de capacidade estarão aptos
para receber a herança deixada pelo falecido.Assim sendo, o indivíduo
que não esteja impedido legalmente de receber a herança, e tenha
preenchido os requisitos exigidos por lei, gozará de legitimidade
sucessória e fará jus a herança ou legado, salvo se recusá-los, conforme
assevera Gonçalves (2008, p. 50): “No direito sucessório vigora o
princípio de que todas as pessoas têm legitimação para suceder, exceto
aquelas afastadas pela lei.”Conforme dispõe o art. 1.798 do Código
Civil, terão capacidade sucessória todos aqueles que estejam vivos ou ao
menos concebidos quando da morte do autor da herança. A regra anunciada
pelo código admite uma exceção, em que o individuo mesmo não tendo sido
concebido, terá legitimidade para suceder, hipótese fundada na prole
eventual, que tratamos anteriormente, disciplinada no art. 1.799, inciso
I do Código Civil. Conforme constatamos, neste caso, o autor da herança
por meio de testamento contempla o filho da pessoa por ele apontada,
devendo o futuro herdeiro ser concebido no prazo máximo de dois anos,
caso contrário perderá a legitimidade para receber herança.
Como vimos, o Código Civil trata em seu art. 1.597, inciso III, da
paternidade presumida nos casos de filhos nascidos por inseminação
artificial homóloga, inclusive post mortem. Todavia, Nader (2008),
lembra que não houve manifestação expressa no sentido de atribuir ao
concebido post mortem, legitimidade para suceder na herança deixada pelo
de cujus, situação capaz de gerar embates jurídicos, agravados pela
ausência de consenso doutrinário. Na visão de Rigo (2009), o Código
Civil de 2002 apenas solucionou a questão quanto ao status de filho do
indivíduo gerado por meio de inseminação artificial homóloga, inclusive
post mortem, todavia, no âmbito do direito sucessório a qualidade de
herdeiro necessário é questão doutrinariamente polêmica.A corrente
doutrinária mais numerosa defende a negação da capacidade sucessória do
concebido post mortem. Integram esse grupo renomados especialistas como
Maria Helena Diniz, José de Oliveira Ascensão e Sílvio Venosa. Seu
posicionamento se funda no dispositivo legal do art. 1798 do Código
Civil, o qual determina que: “Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas
ou já concebidas no momento da abertura da sucessão”. Deste modo, na
hipótese de inseminação artificial homóloga póstuma, tendo o filho sido
concebido após a abertura da sucessão, estaria afastado do recebimento
da herança deixada por seu pai, muito embora seja considerado filho do
pré-morto, conforme garante o art. 1.597, inciso III do Código Civil.
Esse pensamento prima pela proteção dos herdeiros que já se encontravam
nascidos ou concebidos quando da morte do autor da herança, evitando
assim insegurança jurídica, vez que eles teriam que esperar
indefinidamente pelo nascimento de criança, ou crianças, oriundas de
inseminação, o que causaria revisões sempre possíveis de seus quinhões
hereditários. A partilha seria algo, portanto, provisório e frágil.
Defende Diniz (2003, p. 44) que:
[...] a capacidade para adquirir herança, inclusive por via testamentária, pressupõe existência de herdeiro, ou legatário, à época da morte do testador. [...] Ao tempo do falecimento do autor da herança o herdeiro deve estar vivo, ou pelo menos concebido, para ocupar o lugar que lhe compete. Pessoa ainda não concebida (nondum conceptus) ao tempo da abertura da sucessão não pode herdar, salvo a hipótese do artigo 1.799, I, do Código Civil.
A respeitada professora, ao discorrer acerca da capacidade sucessória,
se mostra totalmente fiel ao princípio da saisine, base de todo o
direito sucessório brasileiro. O princípio da dignidade da pessoa humana
acabaria, desta forma, sendo vencido pela Segurança Jurídica. No mesmo
sentido, Ascensão (1999) citado por Machado (2008, p.107) afirma que:
[...] toda a estrutura da sucessão está arquitetada tendo em vista um desenlace da situação a curto prazo. Se se admitisse a relevância sucessória destas situações, nunca seria praticamente possível a fixação dos herdeiros e o esclarecimento das situações sucessórias. E a partilha que porventura se fizesse estaria indefinitivamente sujeita a ser alterada.
Venosa (2004) corrobora com esse entendimento, afirmando que não se
deve atribuir a qualidade de herdeiro para a criança que através de
inseminação artificial foi concebida após a abertura da sucessão, em
razão da incompatibilidade com a previsão legal do art. 1798 do Código
Civil, sendo apenas possível na hipótese de prole eventual.Se de um lado
Venosa (2004, p. 96) nega a capacidade sucessória ao concebido
postumamente, por outro, com relação ao reconhecimento da filiação diz
que:
[...] o reconhecimento da filiação gera efeitos patrimoniais. Os filhos reconhecidos equiparam-se em tudo aos demais, no atual estágio do nosso ordenamento, gozando de direito hereditário, podendo pedir alimentos, pleitear herança e propor ação de nulidade de partilha.
Na convicção de Diniz (2003), a prática da fertilização artificial após
a morte do doador do material fecundante, deve ser proibida, visto que a
criança oriunda desta procriação artificial não poderá herdar, tendo em
vista que quando da morte do autor da herança, ainda não estava
concebida.
Assim como Diniz (2003), Gonçalves (2008) é um dos adeptos da corrente
que nega a capacidade sucessória do concebido post mortem, e seu
fundamento encontra também respaldo no conteúdo do artigo 1.798 do
Código Civil.Veementemente contrários a esse grupo de doutrinadores que
mencionamos, estão nomes como Maria Berenice Dias, Silmara Chinelato,
Juliane Fernandes Queiroz e Carlos Cavalcanti Albuquerque Filho. Segundo
Chinelato (2007) negar a capacidade sucessória do concebido por
inseminação artificial póstuma, consiste em retroagir ao sistema
jurídico anterior, em que vigorava a discriminação entre os filhos.
Contudo, prevalece no atual sistema o princípio da igualdade entre os
filhos e tendo a filiação reconhecimento por força do art. 1597, inciso
III do Código Civil de 2002, da mesma forma deverá ser atribuído o
direito sucessório aos concebidos postumamente. Na concepção de
Albuquerque Filho (2006, p.190): “[...] vedar reconhecimento e direito
sucessório a quem foi concebido mediante fecundação artificial post
mortem pune, em última análise, o afeto, a intenção de ter um filho com a
pessoa amada. Pune-se o desejo de realizar um sonho”.
Queiroz (2001) utiliza como elemento de autorização a prole eventual, situação em que o genitor através de testamento resguardaria os direitos sucessórios de seu futuro filho, o qual só iria ser concebido após a sua morte dentro de um prazo máximo de dois anos. Assim, a aplicação desse instituto ao passo que protegeria a criança fruto desta modalidade de inseminação artificial, também evitaria uma insegurança jurídica para os herdeiros nascidos ou já concebidos quando da morte do autor da herança, pois se dentro do prazo de dois anos não fosse concebida a criança, os demais herdeiros não teriam que esperar indefinidamente pela divisão da herança. Portanto, Queiroz (2001, p. 80) conclui que “[...] se o testador pode atribuir a sua herança à prole eventual de terceiros, também o pode, sem qualquer restrição à sua própria prole”. Ocorreria então o emprego de analogia para assegurar direito sucessório resultante das técnicas de inseminação artificial. Contudo, para alguns operadores do direito, entre eles Vargas (2008), este entendimento é inaceitável, visto que o Código Civil estaria dando tratamento diferenciado aos filhos, pois aqueles naturais, adotivos ou havidos por inseminação enquanto o doador estava vivo, teriam direitos à sucessão legítima, enquanto que os concebidos por meio de inseminação post mortem somente teriam direito à herança através da sucessão testamentária, com base na previsão de prole eventual. Essa situação ensejaria um tratamento discriminatório, proibido pelo ordenamento jurídico brasileiro e nos remeteria a outras questões: haveria justiça em privar de direitos sucessórios filho concebido sem previsão testamentária?Que razões levariam uma pessoa a depositar em um banco de sêmen seu material fecundante se não o desejo de ser pai?
Leite (2010) reconhece o direito sucessório apenas na hipótese da concepção ter ocorrido in vitro, enquanto o genitor estava vivo, ainda que a implantação no útero da receptora se dê após sua morte. Faz, portanto, uma distinção entre o embrião (desenvolvimento do óvulo já fecundado) e o sêmen criopreservado. Corrobora com esse entendimento Chinelato (2007), salientando que o embrião disporá de capacidade sucessória, pois o Código Civil (art. 1.798) não distingue o locus da concepção e nem obriga que seja implantado. Requer tão somente a concepção.Na opinião de Hironaka (2003), a inseminação homóloga post mortem só deve ser permitida se houver autorização do doador, que expressamente mencione o uso de seu material fecundante após a morte, produzindo efeitos tanto na esfera do direito de família como no campo do direito sucessório. Contudo, ainda que realizada esta técnica de procriação artificial, sem permissão do doador do material fecundante, não há o que se cogitar em direito sucessório, por se tratar de um ato anulável em razão da ocorrência do vício de vontade.Mesmo entre aqueles que reconhecem o direito sucessório do filho concebido mediante fecundação artificial póstuma, existe certa tendência a estabelecer o prazo de dois anos para que ocorra a concepção, fazendo analogia ao prazo fixado em hipótese de prole eventual (CC 1.800 § 4º). Com relação a isso, Dias (2011, p. 124) alerta que:
Queiroz (2001) utiliza como elemento de autorização a prole eventual, situação em que o genitor através de testamento resguardaria os direitos sucessórios de seu futuro filho, o qual só iria ser concebido após a sua morte dentro de um prazo máximo de dois anos. Assim, a aplicação desse instituto ao passo que protegeria a criança fruto desta modalidade de inseminação artificial, também evitaria uma insegurança jurídica para os herdeiros nascidos ou já concebidos quando da morte do autor da herança, pois se dentro do prazo de dois anos não fosse concebida a criança, os demais herdeiros não teriam que esperar indefinidamente pela divisão da herança. Portanto, Queiroz (2001, p. 80) conclui que “[...] se o testador pode atribuir a sua herança à prole eventual de terceiros, também o pode, sem qualquer restrição à sua própria prole”. Ocorreria então o emprego de analogia para assegurar direito sucessório resultante das técnicas de inseminação artificial. Contudo, para alguns operadores do direito, entre eles Vargas (2008), este entendimento é inaceitável, visto que o Código Civil estaria dando tratamento diferenciado aos filhos, pois aqueles naturais, adotivos ou havidos por inseminação enquanto o doador estava vivo, teriam direitos à sucessão legítima, enquanto que os concebidos por meio de inseminação post mortem somente teriam direito à herança através da sucessão testamentária, com base na previsão de prole eventual. Essa situação ensejaria um tratamento discriminatório, proibido pelo ordenamento jurídico brasileiro e nos remeteria a outras questões: haveria justiça em privar de direitos sucessórios filho concebido sem previsão testamentária?Que razões levariam uma pessoa a depositar em um banco de sêmen seu material fecundante se não o desejo de ser pai?
Leite (2010) reconhece o direito sucessório apenas na hipótese da concepção ter ocorrido in vitro, enquanto o genitor estava vivo, ainda que a implantação no útero da receptora se dê após sua morte. Faz, portanto, uma distinção entre o embrião (desenvolvimento do óvulo já fecundado) e o sêmen criopreservado. Corrobora com esse entendimento Chinelato (2007), salientando que o embrião disporá de capacidade sucessória, pois o Código Civil (art. 1.798) não distingue o locus da concepção e nem obriga que seja implantado. Requer tão somente a concepção.Na opinião de Hironaka (2003), a inseminação homóloga post mortem só deve ser permitida se houver autorização do doador, que expressamente mencione o uso de seu material fecundante após a morte, produzindo efeitos tanto na esfera do direito de família como no campo do direito sucessório. Contudo, ainda que realizada esta técnica de procriação artificial, sem permissão do doador do material fecundante, não há o que se cogitar em direito sucessório, por se tratar de um ato anulável em razão da ocorrência do vício de vontade.Mesmo entre aqueles que reconhecem o direito sucessório do filho concebido mediante fecundação artificial póstuma, existe certa tendência a estabelecer o prazo de dois anos para que ocorra a concepção, fazendo analogia ao prazo fixado em hipótese de prole eventual (CC 1.800 § 4º). Com relação a isso, Dias (2011, p. 124) alerta que:
A tentativa de emprestar segurança aos demais sucessores não deve prevalecer sobre o direito hereditário do filho que veio a nascer, ainda que depois de alguns anos. Basta lembrar que não há limite para o reconhecimento da filiação por meio de investigação de paternidade, e somente o direito de pleitear a herança prescreve no prazo de 10 anos (CC 205).
Decerto que o ordenamento jurídico brasileiro não vem acompanhando na
mesma proporção os avanços científicos alcançados nas áreas médicas.
Especificamente no âmbito da inseminação artificial homóloga. Essa
situação de descompasso, comprometeria a solução de casos que envolvam
os direitos das crianças advindas por meio dessa técnica de reprodução
humana assistida.
Para Dias (2011, p. 125):
Mesmo que tenha o autor da herança autorizado por escrito a fecundação depois de sua morte, questiona-se se o filho dispõe de direito sucessório, uma vez que não existia quando da abertura da sucessão. Claro que estas novidades alimentam acaloradas discussões e o surgimento de posições díspares, até porque a fecundação pode correr anos após o falecimento de quem em vida manifestou o desejo de ter filhos.
O melhor caminho a se percorrer seria a elaboração de uma legislação
específica que regulamente as técnicas de reprodução assistida,
principalmente no tocante à inseminação artificial homóloga post mortem,
prevendo inclusive, a incidência das questões sucessórias.
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