sexta-feira, 7 de junho de 2013

STJ: Ensino Superior e o Direito a Alimentos

No mês de fevereiro do presente ano, o STJ analisou uma situação revestida de instigante curiosidade: uma filha, de 25 anos de idade, com curso superior completo, ajuizou ação de alimentos contra seus genitores com base no poder familiar e a consequente obrigação de sustento e educação dos pais em relação aos filhos[1].

Prima facie, tem-se que, com a vigência do atual Código Civil (CC), em 2003, foi suprimida uma figura que carregava fortes laços com um passado mais rigoroso e patriarcal: o pátrio poder. Com efeito, nos tempos de vigência do Código Civill de 1916, inspirado no Código Civil francês de Napoleão Bonaparte, o pai era o responsável por manter e formar a família, entendendo-se englobado o dever de educar e sustentar os filhos. Era a definição de paterfamilias do Direito Romano, a quem era atribuída a função de provedor da família, dentre outras.

“Nesses primórdios, salienta Coulanges, o pai não era apenas o homem forte que protegia os seus e que tinha também a autoridade de fazer-se obedecer: o pai era, além disso, o sacerdote, o herdeiro do lar, o continuador dos ancestrais, o tronco dos descendentes, o depositário dos ritos misteriosos do culto e das fórmulas secretas da oração. Toda a religião residia no pai”.[2]

A esposa apenas contribuía com as atividades domésticas, mas não poderia, juridicamente, exercer qualquer figura de comando na família. “Não tendo um lar que lhe pertença, arremata Coulanges, nada possui que lhe dê autoridade na casa. Nunca dá ordens, nem mesmo é livre, nem senhora de si própria, sui juris”.[3]

Com o nítido avanço social e, sobretudo, com o reconhecimento mundial da extensão de direitos às mulheres (isonomia material), civilistas passaram a defender, de maneira acertada, que o comando familiar deveria ser exercido por ambos os pais e, somente na falta de um deles, o outro teria exclusividade nesse exercício.

Assim, desenvolveu-se a figura do poder familiar, hoje previsto no artigo 1631, do CC (que tem por base o artigo 226, §7º, CF/88) e entendido como um conjunto de direitos e deveres dos pais em relação aos filhos, conforme se extrai do artigo 1634, do referido CC.

Sendo assim, tomando-se por base a combinação dos artigos 1630 e 1635, inciso III, ambos do CC, verifica-se que os filhos menores estão sujeitos ao poder familiar até completarem a maioridade civil (artigo 5º, CC), oportunidade em que se verifica a extinção do poder familiar e, em princípio, a igual extinção da obrigação de sustento e educação por parte dos pais em relação aos filhos.

Portanto, levando em conta os dispositivos acima mencionados, o STJ fixou entendimento nos autos citados de que durante a menoridade, ou seja, até os dezoitos anos de idade, não é necessário que o alimentando (filho menor de idade) faça prova efetiva da inexistência de meios próprios de subsistência, o que se presume pela incapacidade civil, estando o dever de alimentos fundamentado no poder familiar.

Entretanto, uma vez maiores de idade, podem ainda os filhos pleitear e, mais que isso, fazer jus a alimentos por parte dos genitores. Porém, trata-se de medida excepcional e que demanda prova concreta em juízo da inexistência de meios próprios de subsistência, haja vista que, em relação ao maior de idade, não existe mais a presunção decorrente da incapacidade civil e do poder familiar.

Neste ponto, então, torna-se imperiosa uma diferenciação:

a) Se o filho maior de idade conseguir provar satisfatoriamente que não consegue, por conta própria, se manter e se sustentar, fará jus a alimentos;

b) Se estiver cursando(frequência regular) ensino superior ou curso técnico, após completar a maioridade civil, terá a seu favor presunção de dependência dos pais, pois os alimentos basear-se-ão na relação de parentesco e não mais no poder familiar, que se viu extinto pela maioridade civil;

c) Por outro lado, ao completar o ensino superior ou curso técnico, não terá mais em seu favor a presunção de dependência. Deste modo, para fazer jus aos alimentos, precisa demonstrar efetivamente a necessidade deles.

Resumindo, na letra “a”, tem que provar necessidade; na letra “b”, tem a seu favor presunção, não sendo necessário demonstrar a necessidade; na letra “c”, por distanciar-se da presunção, precisa demonstrar efetivamente a necessidade de alimentos.

Portanto, nosso Tribunal da Cidadania agiu de forma correta e, sobretudo, justa. Os filhos que precisam de alimentos devem, até por mandamento do artigo 1º, inciso III, CF/88, ter sua pretensão atendida. Nada obstante, existem parâmetros para que a justiça dessa concessão seja atingida, até porque, nos dizeres do Ministro Relator dos autos supra citados, há de se considerar que os filhos civilmente capazes e graduados podem e devem gerir suas próprias vidas, inclusive buscando meios de assegurar sua própria subsistência.

Eudes Quintino de Oliveira Júnior, promotor de justiça aposentado/SP, mestre em direito público, doutorado e pós-doutorado em ciências da saúde, advogado, reitor da Unorp;
 Antonelli Antonio Moreira Secanho, advogado, Bacharel em Direito pela PUC/Campinas e Pós Graduação “Lato Sensu” em Direito Penal e Processual Penal pela PUC/São Paulo

http://atualidadesdodireito.com.br/eudesquintino/2013/06/06/stj-ensino-superior-e-o-direito-a-alimentos/

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