(...) O prolongamento da vida não se deu apenas em face da melhoria das
condições sanitárias, alimentares e educacionais. A vida também se
prolonga por eficientes e caríssimos tratamentos médico-hospitalares. E é
nesse ponto que se radica o estudo do chamado “testamento vital”,
também conhecido por expressões como testamento biológico, instruções
prévias ou diretivas antecipadas de vontade,[1] a respeito do qual já se encontra alguma literatura jurídica.[2]
O advogado Ernesto Lippmann, especialista na matéria e que tem
proferido diversas palestras a esse respeito para um público não
jurídico, de modo objetivo, explica que o “testamento vital”,
diferentemente do “testamento civil”, “visa ser eficaz em vida,
indicando como você deseja ser tratado — do ponto de vista médico — se
estiver em uma situação de doença grave e inconsciente”, na medida em
que se constitui em uma “declaração escrita da vontade de um paciente
quanto aos tratamentos aos quais ele não deseja ser submetido caso
esteja impossibilitado de se manifestar”.[3]
Em termos doutrinários, o “testamento vital” é uma expressão bastante
equívoca, a despeito de sua inegável popularização. Trata-se de uma
declaração de vontade emitida por uma pessoa natural, em pleno gozo de
suas capacidades, cujo conteúdo é uma autorização ou uma restrição total
ou parcial à submissão do declarante a certos procedimentos
médico-terapêuticos, na hipótese de não mais ser possível emitir esse
comando, em face da perda de autodeterminação, seja por lesões
cerebrais, seja por ele se encontrar em estado terminal. Há quem o
considere uma espécie de testamento[4]
e quem nele reconheça uma “figura que, em realidade, não se insere no
campo do Direito das Sucessões, nem pode ser tomada como um verdadeiro
testamento, ao menos em sua acepção tradicional”, o que implica
localizar seu estudo no campo do Biodireito e não do Direito das
Sucessões.[5]
A
declaração de vontade, sob o nome vulgar de “testamento vital”, pode
ter por objeto disposições sobre: a) a realização ou não de
procedimentos médico-terapêuticos; b) a delimitação de quais
procedimentos poder-se-iam realizar; c) a pré-exclusão de certos
procedimentos; d) o estabelecimento de um lapso para a continuidade dos
tratamentos, após o qual, permanecendo o estado vegetativo, se teria a
recusa prévia a sua continuidade.
Não se discutirá, ao menos por
agora, a relação entre o testamento vital e os limites ao exercício
pleno da autodeterminação sobre tratamentos ou procedimentos médicos
futuros. Essas questões ficarão para outro momento. Por agora, veja-se
qual o marco infralegal existente sobre o tema, o que nos remete, de
modo específico, ao texto da Resolução 1.995/2012, do Conselho Federal
de Medicina, publicada na Primeira Seção do Diário Oficial da União, de
31 de agosto de 2012, que “dispõe sobre as diretivas antecipadas de
vontade dos pacientes”.
A resolução, em seu artigo1o,
define que o objeto das “diretivas antecipadas de vontade” (DAVs)
corresponde ao “conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados
pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber
no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e
autonomamente, sua vontade”. A resolução exonera o médico do dever de
cumprir o conteúdo das DAVs quando estas se revelarem desconformes ao
Código de Ética Médica (parágrafo 2o do artigo 2o).
No entanto, as DAVs “prevalecerão sobre qualquer outro parecer não
médico, inclusive sobre os desejos dos familiares” (parágrafo 3o do artigo 2o).
É possível que essas DAVs sejam comunicadas diretamente
ao médico pelo paciente, o que, a despeito da Resolução do CFM não o
afirmar de modo expresso, pressupõe a hipótese de: a) revogação de DAVs
anteriormente elaboradas; b) a necessidade de comprovação dessas novas
disposições (parágrafo 4o do artigo 2o).
Se
as DAV’s (a) não forem conhecidas ou se (b) não houver representante
designado pelo paciente para expressá-las ou (c) familiares do paciente
que assim o façam, bem como se (d) não houver consenso entre os
familiares, “o médico recorrerá ao Comitê de Bioética da instituição,
caso exista, ou, na falta deste, à Comissão de Ética Médica do hospital
ou ao Conselho Regional e Federal de Medicina para fundamentar sua
decisão sobre conflitos éticos, quando entender esta medida necessária e
conveniente” (parágrafo 5o do artigo 2o).
(...)
Leia a íntegra em: http://www.conjur.com.br/2013-ago-14/direito-comparado-testamento-vital-perfil-normativo-parte
Otavio Luiz Rodrigues Junior é
advogado da União, professor doutor de Direito Civil da Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo (USP) e doutor em Direito Civil
(USP), com estágios pós-doutorais na Universidade de Lisboa e no
Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht
(Hamburgo).
Revista Consultor Jurídico, 14 de agosto de 2013
Nenhum comentário:
Postar um comentário