quarta-feira, 6 de novembro de 2013

A atipicidade dos contratos de locação em “shopping Center”

O Contrato, enquanto negócio jurídico bilateral, se forma pelo consenso de vontades. Ou seja, a vontade individual deixa o íntimo dos contratantes que, por meio quase dialético, criam vontade nova, não mais no recanto de suas mentes, mas sim no universo jurídico. É consentimento capaz de produzir efeitos normativos.
Nesse sentido, explica Orlando Gomes[18]:
No campo dos negócios bilaterais, o poder de regular os próprios interesses presume a liberdade de contratar, a liberdade de obrigar-se, a liberdade de forma. A lei não estabelecia maiores restrições à celebração e ao conteúdo dos contratos. As partes eram livres para contrair as obrigações que entendessem, exigindo-se apenas o consentimento isento de vícios. Contraída a obrigação, por declaração de vontade, havia de cumpri-la a todo o preço, pacta sunt servanda.
Esse consentimento, exteriorizado por meio da declaração da vontade integrante do plano de existência dos negócios jurídicos, se materializa no universo empírico na forma de interesses e expectativas dos contratantes, decorrentes do conteúdo obrigacional estipulado e seu cumprimento.
Nesse sentido, explica Cristiano Chaves de Farias, aludindo aos dizeres de Junqueira de Azevedo[19]:
Chama atenção para o fato de é a ‘declaração de vontade’ e não a vontade propriamente dita que se constitui elemento existencial do negócio jurídico, uma vez que ‘cronologicamente, ele (o negócio) surge, nasce, por ocasião da declaração; sua existência começa nesse momento; todo processo volitivo anterior não faz parte dele; o negócio todo consiste na declaração’. A tudo isso acresça-se que a vontade não exteriorizada  nenhum efeito poderá produzir no plano concreto
O contrato compreende em seu conceito a ideia de um vínculo jurídico que estabelece relações de direito subjetivo e potestativo, ao sabor da vontade das partes e à observância da lei e seus requisitos.
Peculiar a maneira pela qual a lei atua sobre os contratos. Via de regra, não estarão nela determinados os efeitos ou conteúdo da avença, mas apenas se terá os contornos aos quais deverá estar adstrito tal conteúdo.
Para melhor demonstrar essa construção pode-se imaginar um recipiente preenchido com algum tipo líquido. O líquido representa o contrato em si e seu conteúdo, enquanto o recipiente representa a lei e seus contornos. Não se pode pretender que o líquido fique derramado ou espalhado, pois estar-se-ia diante de conjuntura demasiadamente instável, cuja concretização estaria aquém do interesse a que se refere.
Por outro lado, importante perceber que o recipiente deve ser vazado dispondo de bastante espaço para aquele conteúdo líquido, necessitando apenas de uma fina barreira para, simplesmente, dar-lhe contorno e contenção.
O preenchimento desse recipiente deve ser conduzido de forma a não transbordar esse limite físico imposto, pois caso venha a ocorrer aquele determinado conteúdo contratual extrapolou os limites da sua viabilidade legal.
 A necessidade de observação da norma, bem como do respeito às suas imposições, se materializa no plano da validade do negócio jurídico.
Entretanto, por mais que estejam preenchidos os requisitos da existência e da validade, mister, ainda, investigar sua efetividade, ou seja, sua disposição a fazer surtir os efeitos avençados no mundo concreto.
A saudável concretização do contrato se vincula diretamente à conduta das partes e a certas situações fáticas, dependendo de um substrato capaz de prover os meios necessários ao adimplemento das obrigações ali contidas. Depreende-se outro plano do negócio jurídico: o da eficácia[20].
Analisando estes três planos do negócio jurídico, os quais vêm sendo sustentados pela melhor doutrina, esclarece Cristiano Chaves de Farias[21]:
a) Plano da existência, relativo ao ser, isto é, a sua estruturação, de acordo com a presença de elementos básicos, fundamentais, para que possa ser admitido, considerado;
b) Plano da validade, dizendo respeito a aptidão do negócio frente ao ordenamento jurídico para produzir efeitos concretos;
c) Plano da eficácia, tendo pertinência com a sua capacidade de produzir, desde logo, efeitos jurídicos ou ficar submetido a determinados elementos acidentais, que podem conter ou liberar tal eficácia.
Embasados nesses planos essenciais, passa-se a analisar o contrato como elemento do plano fático-jurídico e suas peculiaridades.
Os contratos podem ser classificados como “típicos” e “atípicos, dependendo de previsão legal e conteúdo obrigacional[22].
Os pactos típicos caracterizam-se pela prescrição legal, deduzida de maneira precisa pela descrição de seu conteúdo e elementos[23]. A vontade das partes origina a formação da avença típica. Entretanto, na lei já estarão previstas estrutura, forma e conteúdo dos deveres prestacionais.
Quanto à classificação em atípicos enquadram-se, modernamente, aqueles que não possuem regulamentação legal específica, ou seja, cuja lei não faz referência quanto a seus elementos determinantes. Em outras palavras, a atipicidade é a ausência de tratamento legislativo específico, uma vez que seu “elemento-causa” não encontra disciplina[24].
Neste sentido, sustenta Álvaro Villaça Azevedo[25]: “Por isso mesmo que tipicidade significa presença, e atipicidade ausência, de tratamento legislativo específico.”.
Quanto à tipicidade, pertinente a manifestação de Pontes de Miranda quanto à origem[26]:
A tipicidade tem causas histórias, por muito fundada no Direito Romano, porém não só a vida jurídica nos tempos posteriores e nos dias de hoje, atuou e atua, como também o trato dos negócios, em caracterizações inevitáveis. O tráfico jurídico não só tipiciza ou corrige o tipo. Por vezes suscita tipos novos (e.g., no direito brasileiro, a duplicata mercantil, ou negócios jurídicos atípicos. A vida muda. Embora os princípios permaneçam, mudam-se estruturas e conteúdos de negócios jurídicos.
Ainda, elucida Orlando Gomes[27]:
As relações econômicas habituais travam-se sob as formas jurídicas que, por sua frequência, adquirem tipicidade. As espécies mais comuns são objeto de regulamentação legal, configurando-se por traços inconfundíveis e individualizando-se por denominação privativa. É compreensível que a cada forma de estrutura econômica da sociedade correspondam espécies contratuais que satisfaçam às necessidades mais instantes da vida social. Em razão dessa correspondência, determinados tipos de contrato preponderam em cada fase da evolução econômica, mas outros se impõem em qualquer regime, embora sem a mesma importância. Esses tipos esquematizados pela lei chamam-se contratos nominados ou típicos. Os que se formam à margem dos paradigmas estabelecidos – como fruto da liberdade de obrigar-se – denominam-se inominados ou atípicos.
Os contratos atípicos formam-se a partir de elementos originais, decorrentes da dinâmica econômica, dos interesses específicos, da necessidade de otimização de práticas, ou resultam da combinação de elementos obrigacionais de pactos já tipificados[28]. No primeiro caso, classificam-se como contratos atípicos “propriamente ditos” ou “singulares”[29]. No segundo caso, classificam-se como contratos atípicos “mistos”.
A importância desta distinção revela-se no momento da interpretação, execução e limitação dos pactos.
Nos contratos atípicos singulares, depara-se com silêncio quase total da legislação, pois a prescrição legal oferece apenas normas gerais e poucas normas específicas acerca dos pactos atípicos, sem se aprofundar na temática de seu conteúdo, a exemplo do art. 425 do Código Civil[30]. Em vista desta deficiência normativa, aconselha a doutrina que as partes sejam meticulosas ao estabelecer as prestações e contraprestações[31], pois se regulará a relação pelo princípio da autodisciplina dos contratos.
Neste tocante, in verbis, comenta a doutrina[32]: “[...] A celebração de um contrato atípico exige-lhes o cuidado de descerem a minúcias extremas, porque na sua disciplina legal falta a sua regulamentação específica [...]”.
Nos contratos atípicos mistos, por sua vez, os elementos que constituem o conteúdo obrigacional decorrem, em parte, da normatividade, o que torna peculiar a análise da avença e, até mesmo, seu cumprimento. Cabe salientar que essa pluralidade de elementos não deve abalar a unidade causa do contrato[33], sob pena de se estar diante de contrato coligado, estranho ao universo da atipicidade contratual. Desta forma, observar-se-á o pacto como um todo unitário, extraindo-se da lei parcial dogmática aquilo que não lhe seja estranho em essência.
A formação dos contratos atípicos justifica-se pela aplicação dos princípios da “liberdade de obrigar-se” e do “consensualismo[34]”, decorrendo da necessidade da expressão contratual humana modificar-se e adaptar-se aos moldes que surgem com o avanço do progresso econômico.
Nos dizeres de Cáio Mário da Silva Pereira[35]: “[...] a imaginação humana não estanca, pelo fato de o legislador haver deles cogitado em particular [contratos típicos]. Ao contrário, cria novos negócios, estabelece novas relações jurídicas, e então surgem outros contratos afora aqueles que recebem o batismo legislativo... [...]”.
É evidente a autorização e inserção dos negócios atípicos no cotidiano jurídico. Entretanto, necessário observar que a ausência da previsão legal acaba por dificultar o controle do cumprimento e conteúdo das figuras contratuais atípicas. Neste diapasão, alerta Álvaro Villaça sobre a necessidade de surgir, no ordenamento, mecanismo normativo próprio às avenças não tipificadas[36].
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Leia a íntegra em: http://bragancafeijo.jusbrasil.com.br/artigos/112073433/a-atipicidade-dos-contratos-de-locacao-em-shopping-center-e-a-boa-fe-objetiva?utm_campaign=newsletter&utm_medium=email&utm_source=newsletter

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