sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Venda a contento

No Código Civil brasileiro está disposto no art. 509: “a venda feita a contento do comprador entende-se realizada sob condição suspensiva, ainda que a coisa lhe tenha sido entregue; e não se reputará perfeita, enquanto o adquirente não manifestar seu agrado”.
Já a legislação portuguesa distingue duas modalidades da venda a contento. No nº 1 do art. 923º a compra é feita “sob reserva de a coisa agradar ao comprador” e vale como proposta de venda. Já o art. 924º no nº1, o contrato passa a ser subordinado a uma condição resolutiva.
A primeira modalidade corresponderia à cláusula tradicional ad gustum, todavia, no Código Civil português ela seria um “o acordo das partes [que] vem a ser qualificado como uma mera proposta de venda, ficando o vendedor vinculado sem que o comprador o venha a estar”[ii].
Na segunda, a cláusula de venda a contento seria uma concessão de um direito de resolução unilateral. Mas, “não se trata de uma condição resolutiva, uma vez que as partes não subordinam a resolução do negócio a um acontecimento futuro e incerto, antes atribuem ao comprador o direito de resolver unilateralmente o contrato se a coisa não lhe agradar”.[iii]
O código português faculta ao comprador o exame da coisa. Já o BGB[iv], mais rígido, obriga que o vendedor permita esse exame pelo comprador.
A legislação italiana traz em seu artigo 1520 do Código Civil que a venda somente se aperfeiçoa quando a aprovação do comprador for comunicada ao vendedor. Mas a lei italiana também prevê a presunção do agrado, caso o comprador não se pronuncie no prazo estabelecido ou de acordo com o uso. [v]
O Código Napoleônico, o mais antigo dos aqui mencionados, trata o tema de maneira mais focada na problemática da época em que fora editado. Mesmo assim retrata com precisão a natureza da venda a contento:
Artigo 1587 – A respeito do vinho, óleo e de outras coisas que, usualmente, devem ser provadas antes da venda, não há venda antes de serem provadas e aceitas[vi].
A venda a contento seria a venda que se aperfeiçoa somente com uma resposta positiva, ou a presunção da aceitação, do comprador. Essa resposta positiva é subjetiva, não podendo ser valorada pelo vendedor, ou por quem quer que seja.
Sobre o tema, MARTINEZ[vii] explica que a condição ad gustum corresponde a uma condição imprópria, por ser potestativa, dependente somente da vontade do comprador. O adquirente terá que verificar se a coisa vendida lhe agrada em uma perspectiva subjetiva, não sujeita a apreciação judicial.
O autor ainda diferencia a degustação do direito de arrependimento. No último caso, ainda que a coisa agrade o comprador este pode não querer o negócio jurídico ajustado, em razão das cláusulas nele insertas, no caso o direito de arrependimento.
GASSET resume dizendo que “na venda ad gustum é o comprador quem deve manifestar se a coisa o satisfaz ou não. Tudo depende do agrado do comprador”[viii].
A aceitação do comprador não necessita forma específica, podendo ser expressa ou tácita. Será presumida caso o comprador não responda até o final do prazo estabelecido pelo vendedor ou, antes disso, utilize-se do bem como se dono fosse.
Caso o vendedor não estabeleça prazo, ele deverá intimar o comprador para que responda. É o que depreendemos do art.512[ix] artigo do Código Civil brasileiro. A legislação portuguesa dispõe que o vendedor poderá fixar um prazo razoável ou aproveitar o prazo utilizado usualmente, caso o contrato seja silente a esse respeito de acordo com o art. 924º nº 3.
Na opinião de ROMANO a venda a contento está sob condição resolutiva[x]. E nessa perspectiva o risco do perecimento correria por conta do adquirente desde que o bem lhe houver sido entregue, de acordo com o art. 796º do Código Civil português.[xi]
Parece-nos estar o doutrinador português correto quanto ao risco. Uma vez entregue o bem, o risco é transferido para o comprador. Não poderia o vendedor permanecer com a carga do risco sobre si quando a posse do bem não está.
Soma-se a isso, a questão de que o comprador somente cuidará diligentemente do bem, caso puder ser responsabilizado pelos danos à coisa.
Diferente do Código português, o brasileiro, diz expressamente que na venda a contento a condição é suspensiva. Com isso tornam-se desnecessárias grandes discussões[xii] doutrinárias sobre o tema. Vide o artigo em questão:
Art. 511. Em ambos os casos, as obrigações do comprador, que recebeu, sob condição suspensiva, a coisa comprada, são as de mero comodatário, enquanto não manifeste aceitá-la.
Revela ainda a natureza da posse do comprador. No caso, ele possui como mero comodatário.
Se o comprador não se interessar pelo bem, o contrato será resolvido tendo eficácia retroativa ao momento da celebração. É o que pensa MARTINEZ: “À resolução do contrato de compra e venda a contento, nos termos do nº1 do art 924º CC, aplicam-se os arts. 432º ss CC. Assim sendo, a resolução, tendo eficácia retroativa, implica a destruição do negócio jurídico desde o momento da sua celebração. O direito de resolução do contrato não é afastado por ter sido recebido o bem. (art. 924, nº 2 CC).”[xiii]

GUERRA, André Fonseca. Da venda a contento e da sujeita à prova. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3781, 7 nov. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/25721>. Acesso em: 8 nov. 2013.

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