Na venda sujeita à prova, ao contrário, a perfeição do contrato se dá
com uma constatação objetiva do bem. Ele deve condizer com o prometido
pelo vendedor.
O Código português trata a venda sujeita a prova de maneira mais
detalhada. O artigo 925º[xiv] dispõe que a venda sujeita a prova se
subordina a uma condição suspensiva “de a coisa ser idónea para o fim a
que é destinada e ter as qualidades asseguradas pelo vendedor”, ou a uma
condição resolutiva se as partes assim preferirem.
A jurisprudência do STJ segue o mesmo pensamento:
I - A venda sujeita a prova é um negócio sujeito a condição suspensiva.
II - Quem pretende valer-se do regime dessa venda tem o ónus de provar a condição.[xv]
A doutrina segue a mesma linha da lei. Martinez aduz que a “venda
sujeita a prova trata-se de uma venda sob condição suspensiva; os
efeitos essenciais do contrato ficam suspensos até que a condição – de o
bem vendido corresponder à amostra apresentada ou ao padrão
indicado.”[xvi]
E complementa ponderando que não se permite que o comprador sujeite a
aprovação do bem ao seu agrado. Cabe-lhe somente apreciar se a bem
corresponde às qualidades prometidas, devendo as provas serem feitas no
prazo segundo a modalidade estabelecida pelo contrato ou pelos usos.
O Código brasileiro adota a mesma posição, todavia de modo mais sucinto
no art. 510, “a venda sujeita a prova presume-se feita sob a condição
suspensiva de que a coisa tenha as qualidades asseguradas pelo vendedor e
seja idônea para o fim a que se destina”.
O espanhol GASSET conceitua a condição como a aptidão da coisa vendida
realizar determinada função, para ser utilizada em um serviço
determinado. Esta aptidão seria algo objetivo, comprovável mediante
prova pericial. “O comprador não pode falsear a situação, pois não há
nada que, emanado da sua vontade poderá opor-se validamente a real
aptidão da coisa”[xvii].
Frise-se que o comprador já expressou sua vontade ao compactuar o
contrato com a cláusula e por isso deverá se submeter a ela. Ele já
ofereceu sua aprovação subjetiva ao compactuar o contrato.
GASSET reforça a ideia da obrigatoriedade do comprador em fazer a
prova: “O comprador não é livre para não fazer a prova. Se ele não é
definitivamente comprador antes dela, está definitivamente obrigado ao
experimento; não fazê-lo é um incumprimento da sua obrigação, que
permitiria ao vendedor reclamar a resolução do contrato, sem prejuízo de
ressarcimento pelos danos”.[xviii]
Como se trata de um exame científico, objetivo, ele poderá ser
realizado tanto pelo comprador tanto por um terceiro eleito no contrato
ou previsto nele. “A execução do experimento pode ser confiada ao
comprador ou a um terceiro, eleito ou a ser eleito pelas partes”[xix].
A dependência do exame para o aperfeiçoamento do contrato gera o efeito suspensivo. O Código italiano[xx] revela:
Art. 1521 Venda à prova
A venda à prova se presume feita sob condição suspensiva (1353 e seguinte) que a coisa tenha a qualidade prometida, ou seja idônea para o uso a que é destinada.
A prova deverá ser realizada no prazo e segundo a modalidade estabelecida no contrato ou de acordo com os usos.[xxi]
Na Espanha podemos chegar a mesma conclusão graças à BADENES. Segundo o
autor é uma realidade a existência da condição, ela é lícita e
possível, seu cumprimento não depende exclusivamente da vontade de uma
das partes e sua influência suspensiva é evidente.[xxii].
Ao mesmo entendimento acosta-se o Código Civil Francês[xxiii]:
Artigo 1588 – A venda feita sob exame sempre se presume feita com condição suspensiva[xxiv].
Como visto, uma vez realizado o exame objetivo, concluindo-se que o bem
é apto para o fim prometido pelo vendedor, a venda se aperfeiçoa,
devendo o comprador pagar o preço conforme pactuado.
Caso contrário, verificando-se que o bem não tenha a destinação
prometida, a venda não é concluída, devendo o comprador devolver o bem,
se estiver em sua posse.
Assim segue a decisão do STJ português:
Considera-se venda sujeita a prova a de uma maquina sob condição de funcionamento.
Não verificado este, o contrato não se pode dizer válido e eficazmente celebrado e muito menos que tenha produzido os seus efeitos ou que o vendedor tenha honrado os compromissos que assumiu[xxv].
Devemos esclarecer que mesmo o bem estando apto para a atividade
desejada, não quer dizer que o vendedor não responda pelos vícios
redibitórios. Isso porque o defeito pode ser revelado somente com o uso
prolongado, ou não seja possível de ser constatado no momento do teste.
Em situação oposta, a verificação de que o bem não atende aos
requisitos necessários, não decreta que o bem possui vício redibitório.
Ele, simplesmente, pode não ser adequado para a atividade prometida pelo
vendedor.
Nesse sentido, GASSET explica que a prova a qual está subordinada a
eficácia, nada tem que ver com a garantia pelos vícios redibitórios. A
coisa vendida pode ser rechaçada por não conter as qualidades
especificadas e mesmo assim ser imune aos vícios redibitórios. [xxvi]
Esse exame deverá ser feito no prazo estipulado no contrato. Quando não
se acorda prazo, ele deve ser estipulado de acordo com os usos. Havendo
dúvidas sobre ele, cabe ao vendedor interpelar o comprador.
É pensamento de Demógue que o “vendedor pode requerer à outra parte
para que manifeste sua intenção. Se essa última persiste no silêncio, o
juiz apreciará se das circunstâncias pode ser deduzida uma aceitação.”
[xxvii]
Segundo o Código Suíço das Obrigações, a venda torna-se perfeita
imediatamente após o requerimento enviado pelo vendedor, quando não
houver prazo fixado.[xxviii]
Não vemos motivo para tamanho radicalismo. O Código Austríaco (ABGB)
segue em outro extremo e fixa legalmente o prazo em caso de silêncio do
contrato:
§ 1082 – Se não convencionou-se prazo para o exame, este será de três dias para os móveis e de um ano para os imóveis. [xxix]
Cremos na desnecessidade da fixação de um prazo legal, mas ele poderá
ser importante em caso de desavença entre comprador e vendedor. O ponto
negativo é que o prazo poderá estar em extremo desacordo com os usos de
determinados bens sujeitos a prova.
O interessante seria presumir a aceitação em alguns casos, nos moldes
ditos por GASSET: O uso cotidiano do aparato durante um largo período
considera-se como equivalente a uma aceitação que não pode ser destruída
por uma negativa posterior.[xxx]
Isso porque não é necessária uma aceitação formal, e ela pode ser tanto
tácita quanto expressa. Se os fatos demonstrarem que o comprador
aceitou o bem, tendo realizado ou não o teste, a compra se aperfeiçoa.
É o que podemos depreender do BGB, no seguinte artigo que pode referir-se também a venda a contento:
Seção 455 – Período de aprovação
Um objeto comprado sob aprovação ou exame deve ser aceito somente no prazo convencionado, se não houver prazo compactuado, somente após o término de um período razoável dado pelo vendedor ao comprador. Se o bem houver sido entregue ao comprador para aprovação ou exame, seu silêncio significará o aceite[xxxi].
Havendo dúvidas sobre a modalidade da venda, se a contento ou sujeita a
prova, normalmente, presume-se a venda ad gustum. É o que trás o Código
Civil português, pelo artigo 926º.
Cita GASSET, que o direito inglês possui somente uma regra para a
“‘venda a contento’ e a ‘venda ou retorno’ segundo a qual o possuidor
passa a ser comprador a) se dá sua aprovação; b) se realiza atos de que
se deduza sua vontade de ficar com a coisa; c) se retém as mercadorias
por mais tempo do que o estabelecido; d) se retém as mercadorias mais do
que o tempo razoável.” [xxxii]
GUERRA, André Fonseca.
Da venda a contento e da sujeita à prova. Jus Navigandi, Teresina,
ano 18,
n. 3781,
7 nov. 2013
.
Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/25721>. Acesso em: 8 nov. 2013.
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