sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Venda sujeita à prova

Vimos que a venda a contento subordina-se subjetivamente à vontade do comprador. Vontade essa que não pode ser valorada pelo vendedor nem pelo judiciário.
Na venda sujeita à prova, ao contrário, a perfeição do contrato se dá com uma constatação objetiva do bem. Ele deve condizer com o prometido pelo vendedor.
O Código português trata a venda sujeita a prova de maneira mais detalhada. O artigo 925º[xiv] dispõe que a venda sujeita a prova se subordina a uma condição suspensiva “de a coisa ser idónea para o fim a que é destinada e ter as qualidades asseguradas pelo vendedor”, ou a uma condição resolutiva se as partes assim preferirem.
A jurisprudência do STJ segue o mesmo pensamento:
I - A venda sujeita a prova é um negócio sujeito a condição suspensiva.
II - Quem pretende valer-se do regime dessa venda tem o ónus de provar a condição.[xv]
A doutrina segue a mesma linha da lei. Martinez aduz que a “venda sujeita a prova trata-se de uma venda sob condição suspensiva; os efeitos essenciais do contrato ficam suspensos até que a condição – de o bem vendido corresponder à amostra apresentada ou ao padrão indicado.”[xvi]
E complementa ponderando que não se permite que o comprador sujeite a aprovação do bem ao seu agrado. Cabe-lhe somente apreciar se a bem corresponde às qualidades prometidas, devendo as provas serem feitas no prazo segundo a modalidade estabelecida pelo contrato ou pelos usos.
O Código brasileiro adota a mesma posição, todavia de modo mais sucinto no art. 510, “a venda sujeita a prova presume-se feita sob a condição suspensiva de que a coisa tenha as qualidades asseguradas pelo vendedor e seja idônea para o fim a que se destina”.
O espanhol GASSET conceitua a condição como a aptidão da coisa vendida realizar determinada função, para ser utilizada em um serviço determinado. Esta aptidão seria algo objetivo, comprovável mediante prova pericial. “O comprador não pode falsear a situação, pois não há nada que, emanado da sua vontade poderá opor-se validamente a real aptidão da coisa”[xvii].
Frise-se que o comprador já expressou sua vontade ao compactuar o contrato com a cláusula e por isso deverá se submeter a ela. Ele já ofereceu sua aprovação subjetiva ao compactuar o contrato.
GASSET reforça a ideia da obrigatoriedade do comprador em fazer a prova: “O comprador não é livre para não fazer a prova. Se ele não é definitivamente comprador antes dela, está definitivamente obrigado ao experimento; não fazê-lo é um incumprimento da sua obrigação, que permitiria ao vendedor reclamar a resolução do contrato, sem prejuízo de ressarcimento pelos danos”.[xviii]
Como se trata de um exame científico, objetivo, ele poderá ser realizado tanto pelo comprador tanto por um terceiro eleito no contrato ou previsto nele. “A execução do experimento pode ser confiada ao comprador ou a um terceiro, eleito ou a ser eleito pelas partes”[xix].
A dependência do exame para o aperfeiçoamento do contrato gera o efeito suspensivo. O Código italiano[xx] revela:
Art. 1521 Venda à prova
A venda à prova se presume feita sob condição suspensiva (1353 e seguinte) que a coisa tenha a qualidade prometida, ou seja idônea para o uso a que é destinada.
A prova deverá ser realizada no prazo e segundo a modalidade estabelecida no contrato ou de acordo com os usos.[xxi]
Na Espanha podemos chegar a mesma conclusão graças à BADENES. Segundo o autor é uma realidade a existência da condição, ela é lícita e possível, seu cumprimento não depende exclusivamente da vontade de uma das partes e sua influência suspensiva é evidente.[xxii].
Ao mesmo entendimento acosta-se o Código Civil Francês[xxiii]:
Artigo 1588 – A venda feita sob exame sempre se presume feita com condição suspensiva[xxiv].
Como visto, uma vez realizado o exame objetivo, concluindo-se que o bem é apto para o fim prometido pelo vendedor, a venda se aperfeiçoa, devendo o comprador pagar o preço conforme pactuado.
Caso contrário, verificando-se que o bem não tenha a destinação prometida, a venda não é concluída, devendo o comprador devolver o bem, se estiver em sua posse.
Assim segue a decisão do STJ português:
Considera-se venda sujeita a prova a de uma maquina sob condição de funcionamento.
Não verificado este, o contrato não se pode dizer válido e eficazmente celebrado e muito menos que tenha produzido os seus efeitos ou que o vendedor tenha honrado os compromissos que assumiu[xxv].
Devemos esclarecer que mesmo o bem estando apto para a atividade desejada, não quer dizer que o vendedor não responda pelos vícios redibitórios. Isso porque o defeito pode ser revelado somente com o uso prolongado, ou não seja possível de ser constatado no momento do teste.
Em situação oposta, a verificação de que o bem não atende aos requisitos necessários, não decreta que o bem possui vício redibitório. Ele, simplesmente, pode não ser adequado para a atividade prometida pelo vendedor.
Nesse sentido, GASSET explica que a prova a qual está subordinada a eficácia, nada tem que ver com a garantia pelos vícios redibitórios. A coisa vendida pode ser rechaçada por não conter as qualidades especificadas e mesmo assim ser imune aos vícios redibitórios. [xxvi]
Esse exame deverá ser feito no prazo estipulado no contrato. Quando não se acorda prazo, ele deve ser estipulado de acordo com os usos. Havendo dúvidas sobre ele, cabe ao vendedor interpelar o comprador.
É pensamento de Demógue que o “vendedor pode requerer à outra parte para que manifeste sua intenção. Se essa última persiste no silêncio, o juiz apreciará se das circunstâncias pode ser deduzida uma aceitação.” [xxvii]
Segundo o Código Suíço das Obrigações, a venda torna-se perfeita imediatamente após o requerimento enviado pelo vendedor, quando não houver prazo fixado.[xxviii]
Não vemos motivo para tamanho radicalismo. O Código Austríaco (ABGB) segue em outro extremo e fixa legalmente o prazo em caso de silêncio do contrato:
§ 1082 – Se não convencionou-se prazo para o exame, este será de três dias para os móveis e de um ano para os imóveis. [xxix]
Cremos na desnecessidade da fixação de um prazo legal, mas ele poderá ser importante em caso de desavença entre comprador e vendedor. O ponto negativo é que o prazo poderá estar em extremo desacordo com os usos de determinados bens sujeitos a prova.
O interessante seria presumir a aceitação em alguns casos, nos moldes ditos por GASSET: O uso cotidiano do aparato durante um largo período considera-se como equivalente a uma aceitação que não pode ser destruída por uma negativa posterior.[xxx]
Isso porque não é necessária uma aceitação formal, e ela pode ser tanto tácita quanto expressa. Se os fatos demonstrarem que o comprador aceitou o bem, tendo realizado ou não o teste, a compra se aperfeiçoa.
É o que podemos depreender do BGB, no seguinte artigo que pode referir-se também a venda a contento:
Seção 455 – Período de aprovação
Um objeto comprado sob aprovação ou exame deve ser aceito somente no prazo convencionado, se não houver prazo compactuado, somente após o término de um período razoável dado pelo vendedor ao comprador. Se o bem houver sido entregue ao comprador para aprovação ou exame, seu silêncio significará o aceite[xxxi].
Havendo dúvidas sobre a modalidade da venda, se a contento ou sujeita a prova, normalmente, presume-se a venda ad gustum. É o que trás o Código Civil português, pelo artigo 926º.
Cita GASSET, que o direito inglês possui somente uma regra para a “‘venda a contento’ e a ‘venda ou retorno’ segundo a qual o possuidor passa a ser comprador a) se dá sua aprovação; b) se realiza atos de que se deduza sua vontade de ficar com a coisa; c) se retém as mercadorias por mais tempo do que o estabelecido; d) se retém as mercadorias mais do que o tempo razoável.” [xxxii]

GUERRA, André Fonseca. Da venda a contento e da sujeita à prova. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3781, 7 nov. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/25721>. Acesso em: 8 nov. 2013.

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