segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Dação em Pagamento

Publicado por Barbara Vilela

1. Introdução

Deveras, é sabido que a obrigação só se extingue com o pagamento da prestação devida, vale dizer, com a entrega do objeto a que o devedor se obrigou, e não outro diverso, ainda que mais valioso[1]. No domínio do Direito das Obrigações, é evidente, desde logo, a identidade entre a coisa devida e a coisa paga. Em uma palavra, o credor deve ser pago precisamente com aquilo que foi prometido, uma vez que é dele por direito.
Por todos esses motivos, assevera, à luz dos ensinamentos oriundos das institutas de Justiniano, Gaio e Ulpiano, Caio Mário que a dação em pagamento é deveras uma exceção, vez que, em regra, as obrigações resolvem-se a partir da prestação a que por elas se obrigou. É dizer: o devedor há que entregar a coisa obrigada e não diversa, malgrado seja essa última exacerbadamente mais valiosa. Fato é que o credor não tem obrigação nenhuma de aceitar objeto diverso daquele a que o devedor se obrigou.
No entanto, desde Roma passou-se a permitir, gradualmente, uma flexibilização de tal rigidez. Donde, se o credor concordar com o recebimento de uma coisa por outra, a prestação a ser efetivamente paga e entregue pode ser diferente. Essa forma de extinção da obrigação, que vem a ser um acordo liberatório entre credor e devedor, em que o primeiro consente a entrega de coisa diversa da avençada para ter resolvida a obrigação[2], consolida a dação em pagamento.
O Código Civil de 2002 consagra a datio pro soluto com esse caráter, admitindo que o credor consinta em receber outra prestação em substituição da res debita. Isso quer dizer, claramente, que não haverá substituição da obrigação por outra, tão somente de uma coisa por outra diversa da devida.

2. Dação em Pagamento para Maria Helena Diniz

Assevera Maria Helena Diniz que o instituto “datio in solutum” surgiu com o Direito Romano, no qual era permitido converter a prestação em dinheiro em obrigação de dar coisa certa para impedir que o devedor perdesse seus bens por um preço vil. Com o tempo e com a evolução do Direito, tal instituto evoluiu e se transformou na atual dação em pagamento. Atualmente não se aceita mais a dação em pagamento coativa, assim como a permitida pelos romanos (“beneficium dationis in solutum”).
De acordo com o artigo 356 do presente Código Civil, a dação em pagamento se dá com o consentimento do credor em receber coisa diversa da prestação que lhe é devida. Por isso, alguns autores a entendem como uma modalidade contratual, mas, na verdade, ela é uma forma indireta de pagamento, já que seu objetivo é extinguir a obrigação, enquanto o contrato cria uma obrigação.
A dação em pagamento, então, é um acordo liberatório, realizado entre devedor e credor, no qual este último consente na entrega de uma coisa diversa da avençada. Sendo assim, seu objeto pode ser de qualquer natureza: bem móvel ou imóvel, fatos e abstenções. Ou seja, a prestação em dinheiro é substituída pela entrega de um objeto que o credor não recebe por preço certo e determinado.
Se o débito não for pecuniário, aplicam-se as normas da troca; se for um título de crédito, a transferência importará em cessão. E por outro lado, se o objeto for um bem imóvel, deverá ser provada por escrito e seu assento no Registro Imobiliário competente justificada. Se for um bem móvel, a tradição já será suficiente para a produção de efeitos.
Doutrinadores divergem quanto à natureza da dação em pagamento. Alguns acreditam que ela se assemelha com a novação objetiva, por implicar uma mudança do objeto devido, que não se poderá dar sem que a dívida seja novada. Outros a veem como um contrato, como o de compra e venda, mas, como já supracitado, enquanto esta extingue uma obrigação, o contrato gera uma nova.
A certa concepção é que a dação é uma variedade de pagamento, um pagamento indireto, porque por ser um acordo liberatório, que visa extinguir a obrigação e liberar o devedor, ela tem a mesma índole do pagamento.
Para que a dação em pagamento seja constituída, se fazem necessários quatro requisitos: a existência de um débito vencido; “animus solvendi”, ou seja, a entrega da coisa ao credor com a intenção de efetuar um pagamento; diversidade de objeto oferecido em relação ao devido (não se deve confundir dação em pagamento com obrigação alternativa, pois nesta última o credor já concordou logo no contrato em receber qualquer uma das prestações; e, por último, a concordância, que pode ser verbal ou escrita, tácita ou expressa).
O efeito da dação em pagamento é a extinção da dívida. Pode ocorrer que o credor receba uma coisa não pertencente ao solvens, havendo então a sua reivindicação por terceiro, que prove ser seu proprietário. Nesse caso, temos a evicção, ou seja, a perda total ou parcial do objeto em virtude de sentença judicial, que confere seu domínio à terceira pessoa.

3. O conceito de “dação em pagamento” para Sílvio de Salvo Venosa[3]
Conforme a definição de dação em pagamento de Sílvio de Salvo Venosa: “Se o credor consentir, a obrigação pode ser resolvida substituindo-se seu objeto. Dá-se algo em pagamento, que não estava originalmente na obrigação. Esse é o sentido da datio in solutum. Só pode ocorrer com o consentimento do credor, pois ele não está obrigado a receber nem mesmo coisa mais valiosa (art. 313)”.
Dessa forma, nota-se que, desde que haja consentimento do credor, o qual deve ser capaz, pode-se substituir a prestação da obrigação firmada. Trata-se de um acordo liberatório que pode ocorrer apenas após o nascimento da obrigação. Pode haver substituição tanto de dinheiro por coisa, caracterizando um rem pro pecuni, de coisa por coisa, rem pro re, como de coisa por obrigação de fazer.
Assim, tem-se a dação, de fato, como o momento em que, com aquiescência do credor, substitui-se o objeto da prestação. Para que ela ocorra, há três requisitos: deve-se ter uma obrigação previamente criada, a aceitação do credor em receber coisa diversa e a entrega da coisa diversa com o intuito de extinguir a obrigação. Lembrar que não há necessidade de equivalência de valor na substituição, visto que a finalidade do instituto é extinguir a dívida.
Quando a obrigação é alternativa ou facultativa, dá-se a datio in solutum se nenhuma das prestações originalmente avençadas for cumprida, e sim uma totalmente estranha ao pacto original.
A natureza jurídica da dação em pagamento é um negócio jurídico bilateral, oneroso e real, uma vez que implica na entrega de algo, havendo cessão de crédito. Pode-se ter uma dação parcial, na qual apenas parte do conteúdo da obrigação é substituída. Nessa hipótese, há necessidade de se explicitar o valor que fica em aberto.
A equiparação da datio in solutum à compra e venda acontece apenas quando determinado o preço da coisa, sendo o objeto móvel ou imóvel. Se não for determinado, ao contrário, não há como realizar tal conexão. Porém, caso tal coisa seja perdida por evicção, volta-se à obrigação originária. Da mesma forma como acontece quando nota-se qualquer vício redibitório em relação à coisa entregue na dação, o objetivo é não prejudicar o terceiro. Assim, o terceiro protegido é de boa-fé e, por conta disso, não será danificado.
Venosa aponta que, de acordo com a jurisprudência, quando aplicam-se os princípios da compra e venda, podem-se tornar nulos os casos de dação quando ela é realizada em cima de todos os bens do devedor sem consentimento de todos os descendentes, quando feita pelo ascendente ao descendente, quando realizada no período suspeito da falência, quando em fraude contra credores.

4. A Dação em pagamento em Silvio Rodrigues [4]

Esse instituto do Direito Civil concernente às obrigações surgiu, originariamente, no processo de execução, “com o intuito de proteger o devedor que, desse modo, não se via compelido a vender seus bens a preço vil”[5] ao ser constrangido a pagar uma dívida. Tal forma indireta de pagamento constitui uma evolução do datio in solutum, criado pelo Direito Romano, ao passo que do Direito Civil atual brasileiro distingue-se por somente ser possível com o expresso assentimento do credor.
Ao anuir com a dação em pagamento do débito contraído pela obrigação firmada com o devedor, as relações entre as partes passam a se regular pelas normas do contrato de compra e venda (art. 357, CC), quando houver a entrega de coisa corpórea, e, em se tratando da transmissão do devedor de um crédito cuja posse lhe pertence, as relações assemelhando-se à cessão de crédito[6].
Sob essa lógica, tem-se que o mecanismo da dação em pagamento pode ser equiparado à compra e venda, pois funciona como se o devedor estivesse vendendo ao credor algo, e a título de crédito houvesse consequentemente o pagamento, a dívida se recompensaria com o preço. Não obstante, se o pagamento se efetua a partir da transmissão, do devedor ao credor, há algo análogo à cessão de crédito.
Para que haja essa caracterização, dois requisitos são de extrema relevância: (1) a coisa dada em pagamento deve ser diversa daquela da prestação e (2) o credor deve concordar com essa substituição.
Por fim, caso o objeto acordado em dação em pagamento seja demandado por terceiro que, através de uma relação jurídica anteriormente constituída, provar ser o verdadeiro proprietário da coisa, sofrendo, portanto, o credor, os prejuízos da evicção, a obrigação ressuscitar-se-á ao status quo ante e os prejuízos recairão sobre o solvens.

5. Dação em pagamento para Washington de Barros Monteiro[7]

O Código Brasileiro compreende a dação em pagamento como forma de pagamento indireto. É, segundo Washington de Barros Monteiro, “um acordo convencionado entre credor e devedor, por via do qual aquiesce o primeiro em receber do segundo, para desobrigá-lo de uma dívida, objeto diferente do que constituíra a obrigação”. Desta definição é possível a extração dos elementos constitutivos da dação: a entrega feita pelo devedor ao credor de coisa dada com ânimo de efetuar um pagamento, o acordo do credor, verbal ou escrito, tácito ou expresso, e a diversidade da prestação oferecida, em relação à dívida originária.
Um exemplo válido deste acordo seria saldar uma dívida de trinta mil reais mediante a entrega de um carro que possua este valor. Os referidos elementos podem ser identificados na medida em que há a substituição de uma prestação por outra, o acordo entre os interessados (base fundamental da dação, uma vez que é essencial o consentimento do credor) e a substituição da prestação do dinheiro para o objeto material do carro.
O pagamento por entrega de bens pode ter diversas naturezas, o que abre espaço para diversas classificações como rem pro pecunia (coisa por dinheiro), rem pro re (coisa por outra), nomen juris pro pecunia (crédito do devedor pelo seu débito ao credor), rem pro facto (coisa por fato), etc. Após a determinação do preço da coisa dada em pagamento, a relação entre as partes passa a ser regulada normalmente pelas normas do contrato de compra e venda, substituindo, ao invés de preço certo e determinado, “coisa por coisa”. Da mesma forma, se for título de crédito, a transferência importará em cessão.
A jurisprudência tem entendido que a dação em pagamento é considerada nula em casos determinados em que esta tenha sido feita por erro e compreensiva de todos os bens do devedor, em caso de dação efetuada por ascendente e descendente, sem consentimento, realizada em período suspeito de falência ou em fraude de credores.

6. A “Dação em Pagamento” em Caio Mário da Silva Pereira[8]

Caio Mário destaca a exigência de “dupla capacidade” concernente ao instituto da “dação em pagamento”. O solvens deverá ter direito à coisa, pois se não puder efetuar transferência da sua propriedade ao accipiens, não poderá ocorrer a sobredita dação. O accipiens, por sua vez, há que ter a aptidão de dar a anuência devida, consentindo com a dação.
Segundo o autor, destacam-se os seguintes requisitos; (i) a existência de uma dívida- de fato, sem divida não poderá ocorrer tal translação; (ii) o acordo do credor – sem a anuência deste, não haverá dação; (iii) a entrega da coisa diversa com a intenção de extinguir a obrigação. Não se confunde com a doação, pois essa última é caracterizada pela liberalidade. Lembra Caio Mário que tampouco devemos confundi-la com a obrigação alternativa, pois a coisa dada já estava obrigacionada e menos ainda com a obrigação facultativa, uma vez que já estava previsto o que podia ser entregue na forma de pagamento.
Poderá existir, ademais, por meio da dação, quitação parcial, donde o “credor pode consentir em receber por conta da coisa ou quantia devida, uma prestação parcial”[9]. Nesse caso, subsistirá o valor remanescente.
Ressalta o referido jurista que, malgrado se equipare a dação em pagamento ao instituto da “compra e venda” (art. 357, CC), trata-se de peculiar modalidade de solução, donde o efeito estará provido de veemente aspecto liberatório do devedor.
Quanto à evicção da coisa dada em pagamento, o Código Civil, no art. 359, adotou a ideia de que a “evicção da coisa dada” gerará efeito repristinatório da primitiva obrigação. Vejamos o esquema. Queremos dizer que, “a evicção da coisa recebida em pagamento torna ineficaz a quitação dada”[10].
Nesse diapasão, questiona-se Caio Mário, o que viria a acontecer com os terceiros envolvidos em tais translações e afetados pela “dação”? O Código optou pelo seguinte, in verbis: “se o credor for evicto da coisa recebida em pagamento, restabelecer-se-á a obrigação primitiva, ficando sem efeito a quitação dada, ressalvados os direitos de terceiros” (art. 359 - grifos nossos).
Esses direitos, como bem critica o autor, não são bem claros – sua extensão é, verdadeiramente, imprecisa. Afirma Caio Mário “A indagação se as garantias fidejussórias se restauram é que ficou sem resposta no Código”[11].
Diferencia-se, ao fim e ao cabo, a datio in solutum da datio pro solvendo. Vale dizer, nessa última, subsistirão duas obrigações e quando o devedor satisfizer a segunda, ficam extintas as duas. É o caso típico do devedor músico que deve para um credor que é dono de uma sala de concerto. De modo que o dinheiro arrecadado em virtude da apresentação do devedor na sala de espetáculos do credor poderá, porventura, pagar total ou parcialmente a dívida.

7. Jurisprudência


a. Apel. Nº: 9116220-50.2008.8.26.0000
Comarca: São Paulo - 16ª Vara Cível
Relator: Eduardo Sá Pinto Sandeville
Julgamento: 26/07/2012

O julgado ora apresentado trata de um recurso feito pela empresa C & M Software LTDA contra o Banco Semear S/A, que pleiteou a inversão da sentença negativa proferida referente à rescisão do contrato de serviços prestados pelo requerente, no qual o requerido pagaria a prestação devida parte em moeda e parte em dação, esta representada por equipamentos de informática juntamente com o Instrumento de Transferência de Propriedade. A rescisão foi pedida com base no não cumprimento do contrato, uma vez que o requerente não recebeu o Instrumento de Transferência de Propriedade, e com base, ainda, na ausência de má-fé do réu.
“Como bem aduziu o juízo, o negócio jurídico entabulado pelas partes para a transmissão dos equipamentos de informática foi perfeito, produzindo todos os efeitos jurídicos esperados, os quais prescindiam da emissão de novos documentos fiscais.” (Relator Eduardo Sá Pinto Sandeville)
O processo foi julgado no Tribunal de Justiça de São Paulo, décima sexta vara cível, sendo que o Relator foi Eduardo Sá Pinto Sandeville, em vinte e seis de julho de dois mil e doze. O apelante alegou que a transferência de propriedade de softwares não se realiza simplesmente com a tradição, mas se faz necessária a entrega de notas fiscais, aspecto não considerado importante pelo Relator, que afirmou que as licenças dos softwares foram transferidas tanto pelo contrato feito com o Banco como pela entrega das máquinas ligadas a eles. Apontou, ainda, para a matéria do Instrumento de Transferência de Propriedade, que diz ser claro que as únicas notas fiscais devidas eram as das máquinas, além das mídias de instalação dos softwares. Declarou, assim, ser incontroverso o fiel cumprimento do contrato por parte do réu e deu provimento parcial ao recurso, já que entendeu não caber condenação ao réu por má-fé.
O Relator não utilizou de quaisquer doutrinas, jurisprudências ou legislação na justificativa de sua decisão.
A sentença promulgada foi embasada nos entendimentos do próprio relator, que se absteve de observar a legislação sobre a transferência de tecnologia, contida na Lei 9069/1998, a qual consta em seu artigo 9º, caput, a necessidade de se ter um contrato de licença para o uso do programa de computador, e no parágrafo único do aludido artigo, na hipótese de inexistência do contrato de licença, faz-se necessário o documento fiscal relativo à aquisição ou licenciamento de cópia, que fora solicitado em contrato pelo apelante, quando acordou com o apelado a dação em pagamento do Instrumento de Transferência de Propriedade.
A obrigação em questão, portanto, não foi resolvida, uma vez que o contrato não foi fielmente cumprido e a dação em pagamento exigida, que se configura como parte da prestação, não foi integralmente paga. Caio Mário da Silva afirma ser “o pagamento como forma de liberação do devedor”, e Silvio Venosa, “Se o credor consentir, a obrigação pode ser resolvida substituindo-se seu objeto”. O credor, no caso, consentiu em receber como dação em pagamento além das máquinas, o Instrumento de Transferência de Propriedade, que não foi plenamente recebido. A obrigação não deve se extinguir até que haja o pagamento completo da prestação, como não ocorreu.
Venosa pontua, ainda, que “a mora constitui o retardamento ou o mau cumprimento culposo no cumprimento da obrigação, quando se trata de mora do devedor.”. Nesse caso, houve um mau cumprimento da obrigação, e o artigo 395 do Código Civil garante ao credor a cobrança do prejuízo a que a mora deu causa, mais juros, atualização monetária e honorários do advogado. Também, o parágrafo único desse artigo garante ao credor o direito de recusar o recebimento da prestação, caso esta tenha se tornado inútil, e cobrar perdas e danos.
Dessa forma, o devedor ainda deveria estar preso à obrigação, em mora, e o credor, caso desejasse, poderia solicitar a rescisão do contrato mais o valor de perdas e danos. O recurso é, assim, cabível.

b.RECURSO ESPECIAL Nº 1.138.993 - SP (2009/0086764-0)
RELATOR: MINISTRO MASSAMI UYEDA
O presente Acórdão versa sobre a controvérsia que reside em saber se, para fins de comprovação de dação em pagamento, exige-se anuência expressa, por escrito, do credor.
A controvérsia teve início com a propositura de ação monitória, por Gilberto Tobias Morato, em face de Aparecido Casemiro, com o fundamento de que assumiu a posição de avalista do réu e que, por isso, arcou com financiamento bancário contratado por este, no que pretende ser ressarcido.
Após citação, o réu apresentou embargos ao mandado monitório alegando em sua defesa que o empréstimo contraído convertera-se em benefício do autor, uma vez que os bens adquiridos com o empréstimo foram devolvidos ao demandante através do instituto dação em pagamento.
O juízo de 1ª Instância conheceu a ação, sob o fundamento de que ficou demonstrado o financiamento do crédito, que, dada a mora do réu, foi pago pelo autor, em posição de aval.
Insatisfeito, o réu apelou, ao que o eg. Tribunal negou provimento ao recurso, em consonância com o entendimento do juízo a quo. Ressaltou o Tribunal que não foi comprovada a dação em pagamento, já que ausente contrato por escrito, possível prova da extinção da dívida.
Em sede de Recurso Especial, o apelante sustentou que a dação em pagamento não exige formalização por escrito, dá-se pela entrega do bem. Sobreveio juízo negativo de admissibilidade. Contudo, através de Agravo, admitiu-se a subida dos autos para a Corte Superior.
Com eminente saber, o ministro relator negou provimento ao recurso. De seu voto, retira-se os seguintes trechos: “Historicamente, a origem do instituto da dação em pagamento (datio in solutum ou pro soluto) traduz a ideia de acordo, realizado entre o credor e o devedor, cujo caráter é liberar a obrigação, em que o credor consente na entrega de coisa diversa da avençada, nos termos do que dispõe o art. 356, do Código Civil, in verbis: "Art. 356. O credor pode consentir em receber prestação diversa da que lhe é devida."
Ademais, é cediço que, para configuração da dação em pagamento, exige-se, pela ordem, uma obrigação previamente criada; um acordo posterior, em que o credor concorda em aceitar coisa diversa daquela anteriormente contratada e, por fim, a entrega da coisa distinta com a finalidade de extinguir a obrigação.
A exigência de anuência expressa do credor, para fins de dação em pagamento, traduz, ultima ratio, garantia de segurança jurídica para os envolvidos no negócio jurídico, porque, de um lado, dá ao credor a possibilidade de avaliar, a conveniência ou não, de receber bem diverso do que originalmente contratado. E, por outro lado, assegura ao devedor, mediante recibo, nos termos do que dispõe o art. 320 do Código Civil, a quitação da dívida”.
Diante do entendimento de que a aquiescência expressa do credor é requisito para configuração da dação em pagamento, e não tendo se vislumbrado isso nos autos, negou-se provimento ao Recurso.

c.HABEAS CORPUS Nº 20.317 - SP (2002/0002687-3)
RELATOR: MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA

O presente julgado se trata de um Habeas Corpus nº 20.317 – SP, no qual o paciente fora submetido à prisão civil por causa de débito vencido há mais de dois anos e relativo a quatro anos de prestações alimentícias.
Segundo o entendimento da Corte, a execução segundo o art. 733, do Código de Processo Civil, legitima a prisão civil por falta de pagamento.
Mas, o que se frisa no referido acórdão é a proposta do paciente em conseguir o habeas corpus e de transferir ao menor, em dação e pagamento, imóvel cujo valor afirma ser superior ao débito.
Vale ressaltar que o credor não é obrigado a receber prestação diversa à acordada, ainda que esta seja de valor superior, como dispõe o art. 313, do Código Civil: Art. 313. O credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa.
O que gera o debate em si é o fato de quem é credor, pois a mãe é a representante legal do menor, e que, em cumprimento ao art. 313, ela pode até rejeitar a referida dação em pagamento. É também por esse motivo que se torna necessária a intervenção do Ministério Público, de modo a preservar e garantir os direitos do menor, que é que realmente precisa da pensão de alimentos.
A egrégia Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, concedeu o habeas corpus por 30 dias, a fim de oportunizar a dação em pagamento do referido imóvel.

8. Conclusão

a. Conceito
A dação em pagamento é, por assim dizer, uma figura jurídica autônoma, de cunho translativo oneroso que tem por escopo extinguir a dívida, em que há de se liberar o devedor. Trata-se, grosso modo, de um acordo extintivo que ocorrerá toda vez que o “devedor efetua prestação diversa da devida” e da obrigação se liberta. Não se especifica, contudo, a modalidade da prestação substituta, de modo que poderá ser entregue uma coisa em vez de pecúnia (rem pro pecunia), uma coisa por outra coisa (rem pro re), ou ainda, uma coisa pela prestação de um favor (rem pro facto). Importante será que haja substituição do objeto da obrigação por outro diverso, donde se destaca a parêmia latina “aliud pro alio”.
b. Conclusões jurisprudenciais
A jurisprudência tem considerado nula a dação em pagamento quando:
1. Feita por erro e compreensiva de todos os haveres do devedor;
2. Efetuada por ascendente ou descendente, sem assentimento dos demais descendentes;
3. Realizada no período suspeito da falência, ainda que em favor de credor privilegiado;
4. Levada a feito com fraude de credores.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 27ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2012
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso De Direito Civil, Vol. 4, Teoria das Obrigações – 1ª parte. 27ª edição. São Paulo: Saraiva, 1994.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 25 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013.
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. 30ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2008.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil – Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 13. Ed. São Paulo: Atlas, 2013.

[1] É sabido, por força do artigo3133 doCódigo Civill, não ser o credor obrigado a receber coisa outra além da obrigada, ainda que mais valiosa.
[2] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 27ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p.310
[3] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil – Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 13. Ed. São Paulo: Atlas, 2013, pp. 269-272.
[4] RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. 30ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2008, pp. 195-196
[5] Idem, p. 195
[6] Ibidem, p. 196.
[7] MONTEIRO, Washington de Barros. Curso De Direito Civil - Vol. 4, Teoria das Obrigações – 1ª parte. 27ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 1994, pp. 290-292.
[8] PEREIRA. Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 25 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, pp. 223-229.
[9] Ibidem, p, 225.
[10] Ibidem, p. 227.
[11] Ibidem, p. 228.


https://bamandavilela.jusbrasil.com.br/artigos/395664453/dacao-em-pagamento

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