1 de agosto de 2021, 8h00
1) Introdução
O problema da economia dos alimentos de família colocado sob uma indispensável análise econômica do Direito tem sido, a nosso sentir, uma licença que os juristas recepcionam pela realidade socioeconômica dos fatos, a autorizar o surgimento de novas reflexões no campo jurídico que devem ser postas e discutidas.
A análise econômica aplicada, no particular, ao Direito de Família, teve os marcos teóricos de Richard Posner e Gary Becker, não se podendo desconsiderar que, nessa área, institutos jurídicos como o do casamento e do divórcio tratam de questões patrimoniais, inspirando a sua contextualização na engenharia de modelos político-econômicos existentes. Segue-se que os aspectos econômicos da ruptura de uniões projetam-se às obrigações alimentares, sem falar dos influxos indenizatórios que a responsabilização civil repercute nos casuísmos familiares.
Diante de uma literatura nacional bastante escassa, em que pontificam as obras "Economia do Afeto. Análise Econômica do Direito no Direito de Família", de Dóris Ghilardi (2015) e "Análise Econômica do Divórcio. Contributos da economia ao Direito de Família", de Cristiana Sanchez Gomes Ferreira (2015), certo é reconhecer que os aspectos econômicos extraídos das relações familiares são sempre predominantemente conflituosos, a partir da dicotomia antagônica do aforismo "meu bem, meus bens".
É bem dizer tratar-se, no geral, de uma análise econômica na perspectiva das desafeições ou dos desafetos, em que as perdas são maiores que os ganhos, quando as necessidades dos alimentos são pretensões deduzidas sem alcance de maior exação, e sobre elas cumpre-nos observá-las dentro de um processo econômico.
Precursores da análise econômica do Direito, como o jurista Fernando Araújo, de Portugal, a dissertam sob os custos e os resultados, contribuindo com os métodos de análise para decisões judiciais mais racionais, coerentes e corretas. A propósito, Tiago Miguel de Mendonça, em defesa de tese de mestrado (2014), sustenta que "a Law & Economics configura uma poderosa ferramenta de análise e um contributo importante no diálogo científico que se impõe em matérias respeitantes às relações familiares" [1].
Problematizar, portanto, determinadas situações extraídas das obrigações alimentares, diante de contextos fáticos e/ou jurídicos, significa o intento de alcançar (e influir) uma nova hermenêutica.
Vejamos problemas pontuais mais urgentes:
2.1) Dos alimentos perante a Súmula 621 do STJ
O ingresso no tema reclama, de logo, chamamento de regras de experiência máxima diante da Súmula 621 do STJ. O verbete sumular aduz que "os efeitos da sentença que reduz, majora ou exonera o alimentante do pagamento retroagem à data da citação, vedadas a compensação e a repetibilidade".
Diante do efeito retroativo da sentença à data de citação, torna-se indispensável uma nova leitura sobre a retroatividade da súmula, porquanto sua literalidade conduziria ao entendimento incongruente de permitir-se ao devedor dos alimentos inadimplir a sua obrigação fixada em valor X, a saber que outro valor a menor (valor Y) poderá vir a ser atribuído pela sentença, constituindo-se, assim, esse efeito retroativo como um instrumento ao inadimplemento.
Nesse quadro, Maria Berenice Dias, empreende severa crítica ao enunciado, dado que a prática demonstra que deixar de pagar os alimentos, por quem ingressa com ação revisional ou exoneratória, redunda em benefício do promovente, quando exonerado da obrigação ou tenha esta revisada, livrando-se de pagá-las; em detrimento do interesse de quem necessita, a todo mês, os alimentos de subsistência [2].
Noutro giro, aquele que atender o mesmo encargo, estaria submetido à possibilidade de pagar mais durante o curso do processo, quando os alimentos forem reduzidos pela decisão judicial final. Assim, de um lado, o incentivo ao mau pagador, em benefício indevido ao devedor; d'outro, um efeito punitivo de quem, ainda que diante da súmula, satisfaz o encargo, aguardando a decisão que lhe favoreça.
2.2) Da repetibilidade dos alimentos
Raciocínio possível é o de, para além de cogitada a revisão da Súmula 621 do STJ, dada a função social dos alimentos e a sua economização, admitir-se a supressão das cláusulas de irrepetibilidade e da não compensação, em prestígio da segurança jurídica das relações obrigacionais alimentares e da própria vedação legal ao enriquecimento sem justa causa. De efeito, qualquer teoria de análise econômica do direito alimentar emprestará, a meu sentir, apoio a essas assertivas.
Consabido que o valor pago a título de alimentos é em regra irrepetível, sublinha-se, em eixo reflexivo, questão referente aos alimentos repetíveis, sob a previsão do artigo 884 do Código Civil que determina que quem, sem justo motivo, enriquecer gerando danos ou perdas a outra pessoa, será obrigado a restituir o que foi indevidamente obtido.
Uma nova hermenêutica haverá de ser empreendida a admitir a repetibilidade dos alimentos, valendo refletir, no ponto, o resultado útil de recente julgado do STJ. Anota-se que a 3ª Turma do STJ assinou outra orientação ao decidir pelo cabimento da ação de exigir contas (REsp. nº 1814639/RS, relator para o Acórdão ministro Moura Ribeiro, DJe 09/06/2020) [3].
Ou seja:
"Em hipótese excepcional, é viável juridicamente a ação de exigir contas pelo alimentante contra o guardião do alimentado para obtenção de informações acerca da destinação da pensão alimentícia prestada mensalmente, porque tal pretensão, no mínimo, indiretamente está relacionada com a saúde física e também psicológica do menor alimentado".
No caso, o pai ajuizara a ação de exigir contas para que a mãe indicasse como estaria utilizando a pensão mensal de R$ 15 mil em favor do filho menor com síndrome de Down, ainda mais considerando que o filho estava estudando em escola pública e que as despesas médicas eram cobertas pelo plano de saúde fornecido pelo pai.
Embora tenha sido admitida a prestação de contas "sem a finalidade de apurar a existência de eventual crédito, pois os alimentos prestados são irrepetíveis", em situações que tais, não satisfeita a prestação de contas, a indicar o mau emprego ou desvio da verba, resultará como corolário lógico o direito de repetibilidade, pelo viés do "reembolso qualificado" em face do guardião do alimentando.
Por certo que sim, com base na proibição da vedação ao enriquecimento sem causa e do princípio da parentalidade responsável. Nessa linha de pensar, exemplifica-se:
1) Da hipótese de alimentos gravídicos, ou de ventre (preglimony), na forma da Lei 11.804/2008, quando para efeito de repetição de indébito, o verdadeiro pai submeter-se-ia ao chamado "reembolso qualificado", conforme doutrina Carlos Eduardo Elias de Oliveira. No caso, o suposto pai terá direito de ação contra aquele. Dois fundamentos ele apresenta: a) o da vedação ao enriquecimento sem causa: o verdadeiro pai não pode ser beneficiado financeiramente com o fato de um terceiro ter arcado com uma despesa que era dele; b) o da aplicação, por analogia, do artigo 871 do Código Civil, que garante o direito de reembolso em favor daquele que paga alimentos que eram devidos por outro [4].
Conrado Paulino da Rosa suscita interessante questão: se a gestante não pleiteia alimentos gravídicos, ela poderia cobrar do suposto pai o ressarcimento por parte das despesas adicionais suportadas por ela em razão da gestação? A resposta será positiva, em exata medida do princípio da paternidade responsável.
2) Com suporte fático de igual finalidade, recolhe-se o REsp. 1771258/SP, de 6/8/2019:
"Em ocorrendo a alteração da guarda do menor em favor do devedor alimentando executado, certo não dispor a genitora de legitimidade para prosseguir na execução dos alimentos vencidos, em nome próprio, (pois não há que se falar em sub-rogação na espécie, diante do caráter personalíssimo do direito discutido), esta poderá, por meio de ação própria, obter o ressarcimento dos gastos despendidos no cuidado do alimentando, durante o período de inadimplência do obrigado, nos termos do que preconiza o artigo 871 do Código Civil" [5].
2.3) Alimentos compensatórios
Os alimentos compensatórios, destinados a reequilibrar a situação econômico-financeira de ex-parceiro decorrente da separação, a seu turno, atraem discussões subjacentes sobre:
1) O tempo determinado e suficiente da sua prestação;
2) O adequado manejo à sua aplicação, na conformidade da faixa etária do destinatário dos alimentos; e, finalmente,
3) Sobre o cabimento ou não da prisão civil, desde que sejam havidos como obrigação essencialmente alimentar, enquanto conservador dos meios de subsistência, ou simplesmente diante de sua natureza indenizatória.
Entenda-se pelo equívoco da denominação, porque de natureza indenizatória, por essencial, não possuem eles caráter alimentar, não se entendendo como alimentos de compensação. A natureza jurídica da verba destina-se apoiar o reingresso da mulher separada no mercado de trabalho, indenizando-lhe pelo período de transição a essa reinserção possível, cuidando-se, portanto, de uma pensão compensatória de determinada duração.
O STJ tem entendimento de que, em regra, a pensão deve ser fixada com termo certo, assegurando ao beneficiário tempo hábil para que reingresse ou se recoloque no mercado de trabalho, possibilitando-lhe a manutenção pelos próprios meios. O pensionamento só deve ser em tempo indeterminado ou permanente em situações excepcionais, como de incapacidade laboral, saúde fragilizada ou impossibilidade prática de inserção no mercado laboral.
Questão enfrentada pelo Superior Tribunal de Justiça, em 2/6/2020, no RHC nº 117.996-RS discutiu a natureza indenizatória e/ou compensatória dos alimentos compensatórios frente à possibilidade de prisão civil em hipótese do inadimplemento da obrigação. Resultou assente que:
"O inadimplemento dos alimentos compensatórios (destinados à manutenção do padrão de vida do ex-cônjuge que sofreu drástica redução em razão da ruptura da sociedade conjugal) e dos alimentos que possuem por escopo a remuneração mensal do ex-cônjuge credor pelos frutos oriundos do patrimônio comum do casal administrado pelo ex-consorte devedor não enseja a execução mediante o rito da prisão positivado no artigo 528, § 3º, do CPC/2015, dada a natureza indenizatória e reparatória dessas verbas, e não propriamente alimentar" [6].
O tema é relevante e recorrente, a distinguir a finalidade do tipo-espécie dos alimentos, em seu caráter ressarcitório, com aqueles destinados à subsistência do alimentando, valendo referir os excelentes estudos de doutrina dos juristas Zeno Veloso, José Fernando Simão, Mário Delgado, Rolf Madaleno e Otávio Luiz Rodrigues Júnior.
2.4) Alimentos paternais
Ao arrimo da análise econômica, dois novos contextos devem ser cogitados no trato dos alimentos paternais, em face dos valores prestados pelo genitor alimentante:
1) Há de se perquirir, segundo a leitura do §1º do artigo 1.694 do Código Civil, e sob escopo da paternidade responsável, como nova categoria jurídica, se o dever alimentar dos pais comporta mitigações ou relativização obrigacional, quando, consabido, sejam os "alimentos prestados aquém da possibilidade do alimentante". Esse fator tem sido frequente quando o nível de satisfação não é obtido a contento, apontando-se que a tal assimetria deva ser objeto de análise circunstanciada.
Tal questão se apresenta, mais das vezes, na oferta dos alimentos: quando desprovida da adequada representatividade moral da obrigação, a oferta do alimentante, de valores inferiores à sua possibilidade, constituirá uma "deserção disfarçada do apoio paterno".
O problema já foi referido pela jurista Ana Gerbase, defendendo que a fixação dos alimentos deverá sempre ser conduzida pelo princípio da paternidade responsável, sob pena de um abandono material residual. Cuida-se de um dever onde o instituto jurídico dos alimentos seja protegido por valores prestacionais compatíveis com essa dimensão de responsabilidade.
Pela natureza dos alimentos, como direito indisponível dos filhos em relação aos pais, cumpre afirmar que a fixação nominal dos alimentos necessita de uma percepção adequada de os pais atenderem, com a equação econômica cabível, a responsabilidade parental, sob pena de instituir, dentro das famílias, filhos de segunda classe.
2) O segundo contexto pertence às famílias reconstituídas. Duas vertentes são cogitadas: a) a situação das pensões alimentícias no advento de novos filhos do mesmo pai alimentante; e b) a prestação de alimentos quando o filho beneficiado resida com padrasto de maiores recursos financeiros.
Em primeiro, tem sido compreendido que a constituição de nova família pelo alimentante não acarreta a revisão automática da quantia estabelecida em favor dos filhos advindos da união anterior. Tampouco, por óbvio, não há confundir as novas despesas com a consequência da diminuição da capacidade financeira do devedor em decorrência da formação do novo núcleo familiar.
No segundo, "o fato de uma criança desfrutar de uma condição privilegiada junto a um dos genitores em sua nova constituição familiar, não desobriga o outro genitor de suas responsabilidades de assistência e amparo aos filhos". Alimentos in natura de padastrio não podem ser levados a efeito, sob pena de amesquinhamento do dever alimentar do pai por responsabilidade pessoal.
Não devem impressionar, portanto, os custos e os benefícios em comparação ou confronto, dado que o nível de utilidade dos alimentos guarda estritamente as relações interpessoais entre prestador e favorecido.
Estas primeiras reflexões colocam os alimentos sob uma impostergável análise econômica do Direito.
[1] MENDONÇA, Tiago Miguel. Análise econômica e direito de família: um casamento feliz?”. Defesa em 08.09.2014. FDUL, Web: https://repositorio.ul.pt/handle/10451/20695.
[2] DIAS, Maria Berenice. Súmula 621 do STJ incentiva o inadimplemento dos alimentos. IBDFAM, 04.02.2020. Web: https://ibdfam.org.br/artigos/1378/S%C3%BAmula+621+do+STJ+incentiva+o+inadimplemento+dos+alimentos.
[3] STJ. Web https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201801368931&dt_publicacao=09/06/2020.
[4] OLIVEIRA, Carlos Eduardo Elias. Questões polêmicas sobre a irrepetiblidade dos alimentos no direito de família. Web: https://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/textos-para-discussao/td283.
[5] STJ. Web: https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201802593525&dt_publicacao=14/08/2019.
[6] STJ – 3ª Turma – Rel. Min. Marco Aurélio Belizze. Web: https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201902783310&dt_publicacao=08/06/2020.
Jones Figueirêdo Alves é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco, integra a Academia Brasileira de Direito Civil, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e membro fundador do Instituto Brasileiro de Direito Contratual (IBDCont).
Revista Consultor Jurídico, 1 de agosto de 2021, 8h00
https://www.conjur.com.br/2021-ago-01/processo-familiar-economia-alimentos-familia-hermeneutica
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