domingo, 15 de janeiro de 2012

A boa-fé objetiva

A boa-fé objetiva é princípio de transformação do Direito Obrigacional, que na contemporaneidade, destaca-se como elemento norteador de todo o Direito Privado.

O princípio da boa-fé objetiva representa um "modelo de conduta social, arquétipo ou standard jurídico, segundo qual ‘cada pessoa deve ajustar a própria conduta a esse arquétipo, obrando como obraria um homem reto: com honestidade, lealdade, probidade’." (MARTINS-COSTA, 2000, p.411). [19]

Trata-se de uma regra de conduta, de comportamento ético, social, imposta às partes, pautada nos ideais de honestidade, retidão e lealdade, no intuito de não frustrar a legítima confiança, expectativa da outra parte, tendo ainda, a finalidade de estabelecer o equilíbrio nas relações jurídicas. (ROSENVALD, 2005, p.80; FARIAS; ROSENVALD, 2007b, p.59).

É esse o sentido que permeia os artigos 113, 187 e 422 do Código Civil de 2002, e os artigos 4º, III e 51, IV do Código de Defesa do Consumidor, os quais orientam o referido princípio no ordenamento jurídico brasileiro na contemporaneidade.
[...] a principiologia deve orientar-se pelo viés objetivo do conceito de boa-fé, pois visa garantir a estabilidade e a segurança dos negócios jurídicos, tutelando a justa expectativa do contraente que acredita e espera que a outra parte aja em conformidade com o avençado, cumprindo as obrigações assumidas. Trata-se de um parâmetro de caráter genérico, objetivo, em consonância com as tendências do direito contratual contemporâneo e que significa bem mais que simplesmente a alegação da ausência de má-fé, ou da ausência da intenção de prejudicar, mas que significa, antes, uma verdadeira ostentação de lealdade contratual, comportamento comum ao homem médio, o padrão jurídico standard. (HIRONAKA, 2003, p.112-113, grifos no original).
É imprescindível salientar que o princípio da boa-fé objetiva ensejou a modificação da concepção tradicional de contrato (relação jurídica estática), que passa a ser visto como relação jurídica complexa e dinâmica (COUTO E SILVA, 1976, p.10-11) [20], formado por um feixe de obrigações múltiplas e recíprocas, delineadas pela inserção dos deveres anexos, nas relações jurídicas obrigacionais.
[...] a boa-fé objetiva, passa a integrar o negócio jurídico por meio dos chamados deveres anexos de conduta (proteção, cooperação e informação, dentre outros), os quais visam a consagrar sua finalidade precípua, qual seja o adimplemento do contrato, devendo ser observados na fase pré-contratual, de execução do contrato e pós-contratual. (SILVA, 2009, p.412). [21]
Diante desse novo paradigma do Direito Obrigacional, o cenário do Direito Contratual também se altera, para coadunar-se a relevante função exercida pela boa-fé objetiva, principalmente, na criação de novos deveres a serem observados pelos contratantes, bem como, no controle da autonomia privada, na realização de interesses individuais.

Destaca-se, ainda, no tocante ao estudo do princípio da boa-fé objetiva, seu aspecto tridimensional exteriorizado pelas funçõesinterpretativa, integrativa e de controle, as quais norteiam sua aplicação nas relações obrigacionais e, por conseguinte, nas contratuais.

Nelson Rosenvald, em síntese acerca do princípio da boa-fé objetiva, explicita com clareza e precisão o contexto do modelo jurídico em análise, in verbis:
[...] a boa-fé objetiva é horizontal, concerne às relações internas dos contratantes. Atende ao princípio da eticidade, pois polariza e atrai a relação obrigacional ao adimplemento, deferindo aos parceiros a possibilidade de recuperar a liberdade que cederam ao início da relação obrigacional. Mediante a emanação de deveres laterais - anexos, instrumentais ou de conduta -, de cooperação, informação e proteção, os parceiros estabelecem um cenário de colaboração desde a fase pré-negocial até a etapa pós-negocial, como implicitamente decorre da atenta leitura do art. 422 do Código Civil. Dentro de sua tridimensionalidade (funções interpretativa, integrativa e corretiva), a boa-fé ainda exerce uma função de controle, modelando a autonomia privada, evitando o exercício excessivo de direitos subjetivos e potestativos, pela via do abuso do direito [art. 187, CC]. (ROSENVALD, 2007, p.89).
Destarte, o referido princípio visa ao adimplemento contratual e a limitação do exercício dos direitos subjetivos (abuso de direito), e nesse contexto, a autonomia privada passa a ser relativizada (SCHIER, 2006, p.46), ou seja, modelada, integrada, valorizada, ou mesmo para alguns, mitigada pela inserção da boa-fé objetiva nas relações contratuais.

A boa-fé objetiva impõe-se, assim, como elemento transformador de todo o Direito Obrigacional, irradiando-se para os demais ramos do Direito, e em especial, o Contratual (MARTINS-COSTA, 2002, p.611), donde se verifica sua importância nas relações jurídicas, evidenciando sua inegável força normativa no ordenamento jurídico contemporâneo.


SILVA, Michael César; MATOS, Vanessa Santiago Fernandes de. Lineamentos do princípio da boa-fé objetiva no Direito Contratual contemporâneo. Uma releitura na perspectiva civil-constitucional. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3118, 14 jan. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20862/lineamentos-do-principio-da-boa-fe-objetiva-no-direito-contratual-contemporaneo>.

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