Dentre os princípios orientadores do Direito da Criança e do
Adolescente, o da proteção integral é merecedor de destaque. É com base
nele que a doutrina sublinha, dentro da sistemática protetiva dos
infantes, o aspecto consistente no reconhecimento de que são
autênticos sujeitos de direito. Com isso, afasta-se a ideia de que
crianças e adolescentes seriam meros objetos da proteção jurídico-legal.
A distinção entre sujeito e objeto é relevante para o Direito da
Criança e do Adolescente. Por exemplo, foi com base na noção de
criança-objeto que se deu a elaboração da Declaração dos Direitos da
Criança de Genebra de 1924 – marco regulatório pioneiro do tema dentro
da historiografia do Direito Internacional dos Direitos Humanos, uma
vez que enunciou o dever de proteção integral da infância.
Com a promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH),
de 1948, a proteção da dignidade da pessoa humana tornou-se o centro
nevrálgico da sociedade internacional, que paulatinamente passou a
reconhecer à tutela dos direitos humanos o qualificativo de normas
imperativas de direito internacional (ius cogens).
Logicamente, os direitos infantojuvenis também foram afetados pela nova
conformação do Direito Internacional após a promulgação da Declaração
de 1948. Primeiro porque a infância foi inserida no bojo da DUDH
(“Artigo XXV, 2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e
assistência especiais. Todas as crianças nascidas dentro ou fora do
matrimônio, gozarão da mesma proteção social.”). Segundo porque a
generalidade dos termos em que fora redigida a DUDH impunha a
consequência de que documentos internacionais posteriores viessem a
complementá-la, delineando as garantias dos direitos enunciados, tanto
mais eficientes quanto capazes de apreender as especificidades dos
distintos grupos merecedores de proteção jurídica em nível mundial.
Foi esse o contexto que engendrou a promulgação de novo documento
internacional relativo à proteção da infância: a Declaração dos Direitos
da Criança, adotada pela Assembleia das Nações Unidas em 20 de novembro
de 1959. Essa nova declaração modifica o paradigma anterior, esposado
pela Declaração de Genebra de 1924, ao enunciar um conjunto de
princípios protetivos da infância orientados doutrinariamente pelo
reconhecimento de que as crianças não mais eram meros objetos, mas
verdadeiros credores (e, portanto, sujeitos) desses direitos.
Exemplificativamente, eis o que determina o Princípio 1 da Declaração em
comento:
Princípio 1
A criança gozará todos os direitos enunciados nesta Declaração. Todas
as crianças, absolutamente sem qualquer exceção, serão credoras destes
direitos, sem distinção ou discriminação por motivo de raça, cor, sexo,
língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem
nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição, quer
sua ou de sua família.
Do ponto de vista da fixação de garantias que pudessem dotar de
coercibilidade as normas assecuratórias dos direitos da infância, o
tratado mais importante foi promulgado pela ONU apenas em 1989. Trata-se
da Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada, no Brasil, por meio
do decreto 99.710/90. Nesse tratado voltado à proteção dos direitos
humanos infantojuvenis, houve a consolidação da tendência que atribui às
crianças a condição de sujeitos de direito merecedores de proteção
jurídica integral e prioritária por parte dos Estados integrantes da
sociedade internacional. Vejamos um rápido exemplo:
Artigo 6
1. Os Estados Partes reconhecem que toda criança tem o direito inerente à vida.
2. Os Estados Partes assegurarão ao máximo a sobrevivência e o desenvolvimento da criança.
Por meio da redação acima, a convenção deixa claro que toda criança tem
direito à vida. Essa expressão “tem direito” permite ao exegeta
compreender o seguinte: as crianças são credoras, perante os Estados, do
seu direito à vida. Logo, todo ser humano com menos de dezoito anos de
idade (conceito de criança extraído da leitura do art. 1º do tratado)
é sujeitodo direito à vida.Esse breve introito do Direito Internacional
dos Direitos Humanos serve para demonstrar o cenário histórico em que se
encontra o cipoal normativo direcionado à proteção da infância e
juventude no Brasil. Tanto a Constituição de 1988 quanto a legislação
infraconstitucional – especialmente a Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e
do Adolescente) – hão de incorporar o reconhecimento aos infantes da
condição de titulares (credores) de direitos.
TEODORO, Rafael.
Interpretação teleológica e superação das hipóteses legais
restritivas da adoção conjunta no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Análise da decisão do STJ no precedente da adoção póstuma entre irmãos. Jus Navigandi, Teresina,
ano 17,
n. 3390,
12 out. 2012
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