Em uma primeira plana, a guisa de elucidação, cuida arrazoar que o
inventário é o processo judicial, de jurisdição contenciosa, destinado a
apurar o acervo hereditário e verificar as dívidas deixadas pelo de
cujus, bem como as contraídas pelo espólio. Ademais, após o pagamento do
passivo, estabelece-se a divisão dos bens deixados entre os herdeiros,
consistindo, assim, no procedimento destinado a entregar os bens
herdados aos seus titulares, fazendo-os ingressar efetivamente no
patrimônio individual dos herdeiros. O processo de inventário e partilha
é instrumento que visa, antes de tudo, a reorganização do patrimônio
deixado pelo falecido, de modo a que as situações econômico-patrimoniais
dos sucessores restem claramente definidas, gerando segurança nas
respectivas relações jurídicas.
É cediço que uma das duas formas de aquisição de propriedade, no
Ordenamento Pátrio, é pela morte do titular do bem, sendo denominada
como transmissão causa mortis, a exemplo do que ocorre no apostilado
processual em destaque. Ao lado disso, expressamente, a Constituição da
República Federativa do Brasil[1] dicciona que é
garantido o direito de herança, nos termos em entalha o artigo 5º,
inciso XXX. Em compensação, fica ela sujeita aos impostos previstos no
art. 155, I, segundo o qual compete aos Estados e ao Distrito Federal
instituírem o imposto sobre transmissão causa mortis e “doação, de
quaisquer bens ou direitos”.
A transmissão dos bens ou direitos ocorre de forma automática aos
herdeiros ou legatários, com a aceitação da herança, mas há necessidade
de realização do processo de inventário ou arrolamento para a
verificação do que foi deixado e transmitido e para quem ocorreu a
transmissão da herança. Entrementes, “não sobrevindo parente sucessível,
ou tendo ele repudiado a herança, devolve-se esta ao Estado”[2].
A devolução, nesta hipótese, se dá para a pessoa jurídica municipal, se
o auctor successionis tiver sido domiciliado no respectivo município;
para o Distrito Federal, se o extinto tiver domicílio naquele Ente
Federativo; para a União, caso o de cujus tiver domicílio em um dos
territórios da Federação. Quadra trazer à colação o entendimento
jurisprudencial que abaliza as ponderações lançadas:
Ementa: Civil. Vocação hereditária. Legitimidade de município para sucessão de bem vacante. I - A jurisprudência acolhe entendimento no sentido de que o Município tem legitimidade para a sucessão de bem jacente, cuja declaração de vacância deu-se na vigência da lei que alterou dispositivo que, retirando o Estado-Membro, substituiu-o na ordem hereditária. (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Seção/ REsp 71.551/SP/ Relator Ministro Waldemar Zveiter/ Julgado em 11.03.1998/ Publicado no DJ em 09.11.1998, p. 6) (destaque nosso)
O Estado também sucederá quando, ainda que existam parentes
sucessíveis, deixa este transcorrer o lapso temporal de cinco anos da
abertura da sucessão, sem que tenham se habilitado, passando, em
consumada tal situação, ao domínio da pessoa jurídica de direito público
à qual cabe promover o recolhimento da herança. “É de ser mantida a
declaração de vacância se os colaterais, mesmo devidamente citados por
edital, somente se habilitaram à sucessão mais de cinco anos após a
referida decisão”[3].
Cuida salientar que o ente público não é investido na posse da herança
tão logo tenha ocorrido o óbito do autor da sucessão, eis que necessita
de sentença que declare vagos os bens do espólio. “Importa, assim, que
esteja esgotada a precedente classe de colaterais sucessíveis, não
havendo, em consequência, possuidor dos bens hereditários”[4].
Todavia, a mera declaração de vacância não se revela suficiente para
que haja a transferência do domínio desses bens, porquanto, em lapso
temporal assinalado na lei, pode aparecer algum herdeiro e intentar ação
diretamente em face do ente público que recolheu a herança,
reclamando-a.
O Estado, no que concerne à vocação sucessória, apresenta uma
particularidade, eis que não pode renunciar à herança devolvida, em
razão de determinação legal, ao seu patrimônio, podendo, de maneira
excepcional, repudiar quando for beneficiário de disposição contida em
cédula testamentária, maiormente quando subsistir encargos ou condições
que contrariem o interesse público. Os entes federativos são
considerados como sucessores universais, por título privado, e não como
adquirente originário, em razão de sua soberania territorial. Prima
exaltar que o fundamento do direito hereditário dos entes estatais não
está jungido ao direito público, mas sim privado, porquanto um bem
imóvel não pode ser considerado como res nullius, adquirindo-o,
portanto, mediante ocupação (jure occupationis), quando se torna objeto
de um direito de desapropriação, conferido a determinado sujeito.
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