Em havendo o óbito de alguém, de maneira comum seu cônjuge, ou mesmo
herdeiro descendente ou ascendente, ou até um herdeiro colateral
sucessível passa a administrar sua herança, assumindo no início do
procedimento de inventário, perante o magistrado, o encargo de descrever
e partilha o acervo hereditário, tornando-se, desta feita, o
representante do espólio em juízo ou fora dele, ativa ou passivamente.
Contudo, “podem ocorrer casos em que, relativamente a herança, inexiste
quem a represente e delibere em seu interesse, configurando-se a
jacência”[5], que pode se materializar tanto com
o espólio de quem faleceu ab intestato, como o de quem deixou cédula
testamentária refletindo os atos de última vontade do extinto.
Em se tratando de sucessão legal, a jacência decorre da premissa do de
cujus não deixar herdeiro legítimo conhecido notoriamente ou, se o
deixando, renuncie este à herança, sendo o último da cadeia sucessória.
Orlando Gomes acrescenta, com ênfase, que “na sucessão testamentária, se
o falecido não deixar cônjuge, descendente, ou ascendente, se o
herdeiro instituído não existir ou não aceitar a herança e não houver
parente colateral sucessível conhecido ou companheiro”[6].
Segundo Gama salienta, a herança jacente consiste no “patrimônio
deixado por quem faleceu e cujos herdeiros não são conhecidos, por essa
razão fica sob a conservação e administração de um curador até a
identificação do herdeiro hábil”[7].
Desta sorte, a herança jacente restará configurada quando não houver
herdeiro, legítimo ou testamentário, conhecido. Na situação em que
houver o repúdio por todas as pessoas sucessíveis, ter-se-á a declaração
de vacância, sem que haja a necessidade de providências atinentes à
arrecadação e a jacência, e consequentemente a produção de seus efeitos
jurídicos. “Ocorre somente quando todos os herdeiros chamados a suceder
renunciarem à herança. Nesse caso, será a herança desde logo declarada
vacante”[8], nos termo em que dicciona o artigo 1.823 do Código Civil[9].
Com efeito, nesta circunstância, não há dono aparente da herança, logo,
em razão da inexistência de pessoas que alegam a titularidade dos bens
integrantes do espólio, o Estado, objetivando obstar o perecimento ou
mesmo a ruína da riqueza representada pelo conjunto partível, promove
sua arrecadação, com o intuito de conservá-lo e, posteriormente,
realizar a sua entrega aos herdeiros legítimos ou testamentários que
aparecerem e lograrem êxito em provar sua qualidade de herdeiro. De
igual forma, em não havendo a apresentação de qualquer herdeiro, o bem
arrecadado será declarado vacante, com o fito de transferi-lo para o
patrimônio do poder público. Segundo Maria Helena Diniz:
Infere-se daí que a jacência é tão somente uma fase do processo que visa declarar a vacância da herança; daí ser um estado de fato meramente transitório que perdura até o momento da entrega da herança aos herdeiros, que comprovarem sua condição, ou da declaração judicial da vacância[10].
Não discrepam do expendido Tartuce e Simão que, com bastante ênfase,
assinalam que “importante frisar que a jacência é provisória, pois
terminará com a entrega da herança aos herdeiros ou com a declaração de
vacância. Em síntese, trata-se de uma situação que logo se findará”[11].
Em consonância com os entendimentos doutrinários modernos, a herança
jacente não representa a pessoa do auctor successionis e muito menos o
lastro sucessório do extinto, não podendo sequer ser considerada pessoa
jurídica. Trata-se, com destaque, de ente despersonalizado que, em razão
da possibilidade de atuar em juízo, ativo e passivamente, devidamente
representado por curador, nos termos previstos no artigo 12, inciso IV,
do Código de Processo Civil[12], sendo
considerada uma massa patrimonial com personalidade judiciária.
“Constitui, apenas, um acervo dos bens arrecadados por morte do de cujus
sujeito à administração e representação, judicial ou extrajudicial, de
um curador, a quem incumbem os atos conservatórios”[13],
cuja fiscalização será exercida por lapso temporal determinado até que
seja efetivada a sua entrega a sucessor devidamente habilitado ou ainda
quando sobrevier ato decisório declarando a vacância do bem, nos termos
estatuídos no artigo 1.819 do Código Civil[14].
Durante o lapso temporal em que é exercida a curatela da herança
jacente são praticadas diligências legais para o aparecimento de
exequíveis herdeiros até a determinação de seu estado definitivo, isto
é, a materialização da vacância, que se caracteriza pela devolução dos
bens vagos à Fazenda Pública, em razão da inocorrência da habilitação de
herdeiros, eis que inexiste motivo para não se receber à herança. Em
substancializada a jacência, restará produzida uma das duas
consequências: “a entrega posterior dos bens aos herdeiros que se
habilitarem, ou a decretação da vacância, se, decorrido o prazo legal,
não aparecerem herdeiros”[15]. É denotável,
desta maneira, que a característica principal da jacência está abalizada
na transitoriedade da situação em que os bens se encontram.
Com destaque, há que pontuar que a herança jacente não é detentora de
personalidade jurídica, eis que materializa uma massa de bens
identificada como um núcleo unitário, como bem aduz Orlando Gomes[16].
Nesta senda, “massa de bens, identificável como unidade, não se
personifica, por lhe faltarem os pressupostos necessários à
subjetivação, tais como objetivo social, caráter permanente,
reconhecimento pelo Estado, e por não precisar de personalidade”[17],
eis que pode agir por outra via, conquanto não lhe seja outorgada a
mesma homogeneidade, lhe viabiliza a ação sem quaisquer empecilhos.
Destarte, a herança jacente é uma massa de bens despersonalizada, que,
em razão do aspecto patrimonial, não convém ser deixada em abandono.
Convém, por necessário, traçar as linhas diferenciadoras da herança
jacente do espólio, que designa a sucessão aberta até que sobrevenha a
partilha dos bens, eis que ambos os institutos são ditos entes
despersonalizados. Contudo, diferem entre si, já que no espólio os
herdeiros legítimos ou testamentários da são conhecidos, já na herança
jacente se configura uma situação de fato em que ocorre a abertura da
sucessão, todavia não existe quem se intitule como herdeiro.
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