Decisão publicada no informativo 551 do Superior Tribunal de Justiça.
DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. HIPÓTESE DE ADOÇÃO DE DESCENDENTE POR ASCENDENTES.
Admitiu-se,
excepcionalmente, a adoção de neto por avós, tendo em vista as
seguintes particularidades do caso analisado: os avós haviam adotado a
mãe biológica de seu neto aos oito anos de idade, a qual já estava
grávida do adotado em razão de abuso sexual; os avós já exerciam, com
exclusividade, as funções de pai e mãe do neto desde o seu nascimento;
havia filiação socioafetiva entre neto e avós; o adotado, mesmo sabendo
de sua origem biológica, reconhece os adotantes como pais e trata a sua
mãe biológica como irmã mais velha; tanto adotado quanto sua mãe
biológica concordaram expressamente com a adoção; não há perigo de
confusão mental e emocional a ser gerada no adotando; e não havia
predominância de interesse econômico na pretensão de adoção.De fato, a adoção de descendentes por ascendentes passou a ser censurada sob o fundamento de que, nessa modalidade, havia a predominância do interesse econômico,
pois as referidas adoções visavam, principalmente, à possibilidade de
se deixar uma pensão em caso de falecimento, até como ato de gratidão,
quando se adotava quem havia prestado ajuda durante períodos difíceis.
Ademais, fundamentou-se a inconveniência dessa modalidade de adoção no
argumento de que haveria quebra da harmonia familiar e confusão entre os
graus de parentesco, inobservando-se a ordem natural existente entre
parentes. Atento a essas críticas, o legislador editou o § 1º do art. 42 do ECA,
segundo o qual “Não podem adotar os ascendentes e os irmãos do
adotando”, visando evitar que o instituto fosse indevidamente utilizado
com intuitos meramente patrimoniais ou assistenciais, bem como buscando
proteger o adotando em relação a eventual confusão mental e patrimonial decorrente datransformação
dos avós em pais e, ainda, com a justificativa de proteger,
essencialmente, o interesse da criança e do adolescente, de modo que não
fossem verificados apenas os fatores econômicos, mas principalmente o
lado psicológico que tal modalidade geraria no adotado. No caso em
análise, todavia, é inquestionável a possibilidade da mitigação do § 1º do art. 42 do ECA, haja vista que esse dispositivo visa atingir situação distinta da aqui analisada. Diante da leitura do art. 1º do ECA (“Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente”) e do art. 6º
desse mesmo diploma legal (“Na interpretação desta Lei levar-se-ão em
conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum,
os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da
criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento”), deve-se
conferir prevalência aos princípios da proteção integral e da garantia do melhor interesse do menor. Ademais, o § 7º do art. 226 da CF
deu ênfase à família, como forma de garantir a dignidade da pessoa
humana, de modo que o direito das famílias está ligado ao princípio da
dignidade da pessoa humana de forma molecular. É também com base em tal
princípio que se deve solucionar o caso analisado, tendo em vista se
tratar de supraprincípio constitucional. Nesse contexto, não se pode
descuidar, no direito familiar, de que as estruturas familiares estão em
mutação e, para se lidar com elas, não bastam somente as leis. É
necessário buscar subsídios em diversas áreas, levando-se em conta
aspectos individuais de cada situação e os direitos de 3ª Geração. Dessa
maneira, não cabe mais ao Judiciário fechar os olhos à realidade e
fazer da letra do § 1º do art. 42 do ECA
tábula rasa à realidade, de modo a perpetuar interpretação restrita do
referido dispositivo, aplicando-o, por consequência, de forma estrábica
e, dessa forma, pactuando com a injustiça. No caso analisado, não se
trata de mero caso de adoção de neto por avós, mas sim de regularização
de filiação socioafetiva. Deixar de permitir a adoção em apreço
implicaria inobservância aos interesses básicos do menor e ao princípio
da dignidade da pessoa humana.REsp 1.448.969-SC, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 21/10/2014.
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