sexta-feira, 26 de agosto de 2016

O início dos direitos de personalidade do ser humano segundo o Código Civil e a Constituição Federal.


Publicado por Lucy Estanqueiro

As pessoas naturais têm como caráter principal os atributos personalíssimos que são essenciais de sua personalidade, e o mais importante deles é o direito á vida. O nascituro, tema do qual irei abranger, gera indagações e discussões desde a época do Antigo Direito Romano e até as atuais Constituições, de onde parte a questão: de quando um ser humano passa a ter seus direitos de personalidade?

Segundo Maria Helena Diniz, “a Constituição Federal de 1988, em seu art.5, caput, assegura a inviolabilidade do direito á vida, ou seja, a integralidade existencial, consequentemente, a vida é um bem jurídico tutelado como direito fundamental básico desde a concepção, momento especifico, comprovado cientificamente, da formação da pessoa”. Assim sendo, a vida humana deve ser protegida contra tudo e contra todos, pois é objeto de direito personalíssimo.

A vida humana é protegida juridicamente desde o momento da fecundação, seja ela natural ou artificial, do ovulo pelo espermatozoide, e integra-se a pessoa ate o seu óbito, contando o seu direito de nascer, de continuar vivo, e o de subsistência, mediante trabalho honesto ou prestação de alimentos, não importando se seja ela idosa, nascituro, criança ou adolescente, portadora de deficiência física entre outros. Além disso, a vida exige que o próprio titular desta o respeite, ela não é domínio da vontade livre, e deve ser sempre respeitada ante a prescrição constitucional de sua inviolabilidade absoluta, podendo destruir ou suprimir a própria Constituição Federal acarretando a ruptura do sistema jurídico. É e sempre será dever da família, da sociedade e do Estado assegurar a inviolabilidade do direito à vida (art. 227, CF/88).

A vida esta acima de qualquer lei e atos dos Poderes Públicos, é igual para todos os seres humanos. Além de ser garantida pelas normas constitucionais, recebe tutela civil, contida no art. 2 do novo Código Civilde 2002, resguardando os direitos do nascituro desde sua concepção, protegendo os direitos à sua existência e impondo a responsabilidade civil do lesante em razão de danos morais e patrimoniais por atentado à vida humana, fato bem recorrente no aborto.

Para Maria Helena Diniz, “a ontogenia humana ocorre com a fusão dos gametas feminino e masculino, dando origem ao zigoto, com um código genético distinto do ovulo e do espermatozoide (..) a fetologia e as modernas técnicas de medicina comprovam que a vida se inicia no ato de concepção, ou seja, da fecundação do ovulo pelo espermatozoide, dentro ou fora do útero”. Segundo Jérôme Lejune, geneticista francês, “a fecundação é o marco inicial da vida (...) daí pra frente, qualquer método artificial para destruí-la é um assassinato”.

Por esta razão, a Declaração dos Direitos da Criança, de 20 de Novembro de 1959, da Assembleia Geral da ONU, afirmava que: “A criança, dada a sua imaturidade física e mental, precisa de proteção legal apropriada, tanto antes como depois de seu nascimento”. O feto é um ser com individualidade própria, e, independente do que a lei estabeleça, é um ser humano. Madre Tereza de Calcutá dizia que, “nem a mãe, nem o pai, nem o medico, nem uma conferencia, nem o governo tem o direito de colocar fim á vida, somente Deus que a criou poderá tira-la”. Se o embrião desde sua concepção é uma pessoa humana, tem seu direito à vida, o qual é maior do que qualquer direito da mulher ao seu corpo, já que deste não faz parte, mas, pode-se recorrer atualmente em casos de risco de vida da genitora (aborto necessário, protegido por lei, com ou sem o consenso da gestante, desde que não haja outra alternativa para salvar sua vida, que corre perigo) ou se o embrião for resultado de relação sexual forçada, denominada estupro (aborto sentimental, admitido por lei, desde que sua interrupção seja provocada por um medico, uma vez comprovada a violência).

O art. 2 do Código Civil Brasileiro afirma que: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.

Como bem diz Maria Helena Diniz, “o nascituro, tem resguardados, normativamente, desde a concepção, os seus direitos, porque a partir dela passa a ter existência e vida orgânica e biológica própria, independente da de sua mãe (...) se as normas o protegem é porque tem personalidade jurídica (...) na vida intra-uterina, ou mesmo in vitro, tem personalidade jurídica formal, relativamente aos direitos da personalidade, consagrados constitucionalmente, adquirindo personalidade jurídica material apenas ao nascer com vida, ocasião em que será titular dos direitos patrimoniais e dos obrigacionais, que se encontravam em estado potencial, e do direito às indenizações por dano moral ou patrimonial por ele sofrido”.

A Lei Brasileira põe a salvo, desde o momento da concepção, os direitos do nascituro, o qual tem seus direitos assegurados mas ainda não os detém, somente os terá quando nascer com vida, ainda que esta seja breve, sendo as três teorias aceitas pelo Código Civil brasileiro dependendo do momento: a natalista (o nascituro possui mera expectativa de direito, só fazendo à personalidade após o nascimento com vida, art. 2, I CC/02), a concepcionista (assegura ao nascituro personalidade, desde a concepção, possuindo assim, direito a personalidade antes mesmo de nascer), e a da personalidade concepcionada (forja, a seu turno, uma “personalidade virtual ao nascituro”, vez que o mesmo possui personalidade, mas sob a condição de nascer com vida).

Segundo o professor de Direito Civil Oswaldo Froés, “é necessário dar sinais inequívocos de vida, tais como movimentos, vagidos (...) se a criança nasce com vida, ainda que por alguns instantes, recobre-se de personalidade, adquirindo e transferindo direitos (...) se a criança nasce morta, (natimorto) não chega a adquirir personalidade, não recebendo nem transmitindo direitos”. Para se verificar se a criança veio ao mundo com vida pós-parto ou não, usa-se entre outros, o método da Docimasia.

A Docimasia foi inventada por Galeno, e é uma medida pericial de caráter medico-legal, com a finalidade de verificar se a criança chegou a respirar após o parto, pois após a respiração, o feto tem os pulmões cheios de ar e quando colocados num vasilhame com agua, flutuam; não acontecendo o mesmo com os pulmões que não respiram. Se afundarem, é porque não houve respiração, e, consequentemente, vida.

Para Ives Gandra da Silva Martins: “o primeiro e mais importante de todos os direitos fundamentais do ser humano é o direito à vida (...) cabe ao Estado preserva-lo, desde a sua concepção, e preserva-lo quanto mais insuficiente for o titular deste direito”. Assim sendo, é dever do Estado proteger também a genitora, segundo o art. 8 do Estatuto da Criança de do Adolescente, (ECA), Lei 8.069/90, que “é assegurado à gestante, através do Sistema Único de Saúde, o atendimento pré e perinatal”. A gestante tem também condições de obter judicialmente os alimentos para garantia do bom desenvolvimento do feto, com a ação de alimentos gravídicos, bem como outras ações, ela deve ser protegida em qualquer dos estágios da gestação. Qualquer proteção dada ao nascituro é fictício, pois ele é tido como nascido ficticiamente.

Qualquer pessoa que queira doar algum bem material à um nascituro, só será válida se aceita pelo seu representante legal, mas nas condições de ser: suspensiva (o feto deve nascer com vida, revestindo-se de personalidade, portanto recebendo e transmitindo direitos), e resolutiva (na hipótese de o embrião não nascer com vida, o negocio não se realiza, desfazendo-se e o bem voltara ao seu respectivo dono).

Há também os casos de indenização, se no caso o nascituro não pode exercer o seu direito de viver, por sua morte ter sido, por exemplo, provocada por negligencia médica, acidente de trânsito, dentre outros, terá a gestante direito de ser indenizada pela morte de seu filho, e por lesão á sua integridade física. Portanto, torna-se indenizável, por dano moral, a morte prematura do nascituro pelo sofrimento que provoca aos familiares e pela perda de uma possiblidade em que seus pais vinham futuramente ao seu filho, por exemplo, auxilio econômico.

Em qualquer dos métodos de fecundação, seja intra-uterina ou in vitro, devera-se ter o mais absoluto respeito pela vida e integridade física e mental do nascituro e dos embriões, sendo eles suscetíveis a indenização por dano moral qualquer lesão que venham sofrer durante a gestação em casos de: manipulações genéticas; experiências cientificas; uso de espermátide que pode ocasionar aberrações genéticas; reprogramação celular; congelamento de embriões; comercialização de embriões; diagnóstico pré-natal mediante testes e exames, podendo resultar danos ao feto durante técnicas como a ressonância magnética, fetoscopia, amostra de vilo corial entre outros; cirurgias intra-uterinas; ausência de vacinação; transfusão de sangue contaminado no feto; transmissão de doenças pelos pais na hora da concepção (filhos podem processar os pais pela contração da doença); radiações, fumo, etc. A jurisprudência no Brasil tem sustentado o direito da criança de mover ações judiciais contra seus pais ou medico por nascer com anomalias, afirmando que perderiam a sua aptidão de experimentar as situações prazerosas da vida.

O nascituro também tem direito à paternidade certa, podendo ser adotado e reconhecido pelo seu genitor, e se não o for, mover investigação de paternidade, representado pelo mãe ou curador legal. CPC, art. 877. “A mulher que, para garantia dos direitos do filho nascituro, quiser provar seu estado de gravidez, requererá ao juiz que, ouvido o órgão do Ministério Público, mande examina-la por um medico de sua nomeação”, CPC, art. 878, “Apresentando o laudo que reconheça a gravidez, o juiz, por sentença declarara a requerente investida na posse dos direitos que assistam ao nascituro”

O nascituro possui direito a imagem, aquelas captadas por ultra-sonografia, radiografias, são de posse de seus pais, e se publicadas sem autorização destes, causando-lhe dano, poderá pleitear uma indenização. Há também capacidade de direito, mas não de exercício, devendo seus pais ou curadores zelar pelos seus interesses, tomando medidas ao seu favor, resguardando sua herança, e pondo a salvo as suas expectativas de direito, com o seu nascimento com vida, seus pais assumem o poder familiar.

Portanto, não há duvidas de que a vida se inicia com a concepção, e que o ordenamento jurídico já reconhece os direitos do nascituro, dentre eles o principal, a inviolabilidade do direito á vida e a saúde. São inúmeros os direitos do nascituro, e pode ser considerado pelo âmbito jurídico como um ente dotado de personalidade jurídica formal e material. Segundo Patricia Cobianchi Figueiredo: “a inviolabilidade do direito á vida incide desde a concepção trazendo consigo o reconhecimento da dignidade inerente também ao concepto, o que pode ensejar no surgimento de conflitos em casos muito especiais, os quais, apenas a peculiaridade de cada um deles evidenciará os elementos suficientes para solução mediante os instrumentos disponíveis no universo jurídico”.

Bibliografia: O estado atual do biodireito, Maria Helena Diniz, 5 edição; O direito à vida e a pesquisa com células tronco, Renata da Rocha; Biodireito Constitucional, Maria Garcia, Juliane Caravieri Gamba e Zélia Cardoso Montal; Direito Civil parte geral, Oswaldo Fróes.

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