quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

As decisões contra legem

Em ordenamentos jurídicos complexos, muitas vezes nos deparamos com casos de conflitos, seja entre regras, entre princípios, ou entre regras e princípios, que já não se resolvem apenas pelos critérios clássicos da hierarquia, da cronologia e da especialidade.

Não raro os casos concretos oferecem nuances impossíveis de serem previstas pelo legislador, casos estes em que a aplicação da regra jurídica pode conduzir a resultados injustos e indesejáveis. A preocupação com a consequência jurídica da aplicação da norma é real. Embora direito e moral não se confundam, é desejável que o resultado da aplicação de determinada norma conduza a resultados moralmente desejáveis, e que satisfaça a uma pretensão de justiça.
There are many interconnections between the law and morals. In many places, the law refers directly or indirectly to moral norms, while the contents of the law are often taken into account in the determination of what ought morally to be done. Given the historical debate between legal positivists and natural law theorists, it is a bit hazardous to re-open the discussion about the precise relationship between law and morals. Our aims are more modest. We simply assume that sometimes moral considerations play a role in legal reasoning and we attempt to give a logical analysis of two related ways in which moral considerations enter the legal picture, namely weighing of reasons based on principles and making exceptions to rules. [01]
Embora uma regra revista-se de uma pretensão de definitividade – já que resulta de uma ponderação já feita pelo legislador diante de princípios colidentes – “essa pretensão nem sempre vai ser resgatada com sucesso, e por isso se pode afirmar que as regras possuem a característica da superabilidade.” [02]

Admitem-se, portanto, decisões contra legem, que Atienza chamou de casos trágicos, porque “não podem ser decididos senão ferindo o ordenamento jurídico.” [03]

“Não é exagero, por conseguinte, dizer que estes estão entre os casos mais difíceis que se pode encontrar na argumentação jurídica.” [04] De fato, para que tal operação seja realizada, exige-se uma carga de argumentação muito mais robusta e contundente, “pois sempre haverá princípios formais (ou, como poderíamos chamar, princípios institucionais) que laboram em favor da manutenção das consequências da regra estabelecida pelo legislador.” [05]

Conforme leciona Alexy, diante de uma decisão que envolva a colisão entre um princípio e uma regra, mormente se o princípio versa sobre direitos fundamentais, surge o impasse entre: a) afastar o princípio em favor da regra, privilegiando o próprio princípio – formal – democrático, que confere legitimidade às regras estatuídas pelo legislador que foi democraticamente eleito; ou b) privilegiar o princípio de direito fundamental, conferindo primazia absoluta a este frente ao princípio formal democrático.
Como consecuencia, la primacía absoluta del principio iusfundamental material implicaría eliminar casi por completo la libertad de acción del Legislador en extensos ámbitos de la vida política. Esto no es aceptable desde el punto de vista de una Constitución que instituye un Legislador y, aún más, que instituye un Legislador democráticamente legitimado de manera directa.
Por lo tanto, es necesario excluir la posibilidad de la primacía absoluta del principio iusfundamental material sobre el principio de la competencia de decisión legislativa. Esta solución no sería compatible con el principio de la separación de los poderes, ni con el principio democrático. [06]

Por outro lado, segundo o próprio Alexy, privilegiar somente o princípio democrático que garante legitimidade às regras postas pelo legislador também levaria a uma consequência indesejada, permitindo ao legislador “llevar a cabo intervenciones extraordinariamente intensas en los derechos fundamentales, aun cuando tan sólo estuviesen basadas en pronósticos elevadamente inciertos”. [07]
Si las dos soluciones extremas deben ser descartadas, es necesario considerar las soluciones intermedias. Estas soluciones pueden exigir que exista un mismo grado de certeza para cada intervención en los derechos fundamentales, o que las diferentes intervenciones en tales derechos tengan varios grados de certeza. Sólo esta segunda solución es compatible con la tesis de que los derechos fundamentales son principios. En cuanto principios, los derechos fundamentales exigen que la certeza de las premisas empíricas que sustentan la intervención sea mayor cuanto más intensa sea la intervenciónen el derecho. Esta exigencia conduce a una segunda ley de ponderación, según la cual: cuanto más intensa sea una intervención en un derecho fundamental, tanto mayor debe ser la certeza de las premisas que sustentan la intervención. [08]
Com base na teoria alexyana e em sua definição de princípios e regras, pretendemos, no presente trabalho, discutir o conteúdo da Súmula nº 231 do STJ, que contraria o que expressamente determina a regra jurídica fincada no artigo 65 do Código Penal Pátrio.

 Pretende-se demonstrar que a hipótese da Súmula, que veicula uma decisão contra legem no tocante ao comando do mencionado art. 65, não se enquadra nos pressupostos que permitem decisões desta natureza. Além disso, as decisões baseadas no conteúdo da súmula tampouco trazem a fundamentação robusta e coerente que deve revestir uma decisão contra legem, acarretando uma injustiça flagrante a um grande conjunto de condenados, com explícita violação aos princípios da culpabilidade e da individualização das penas.

STARLING, Sheyla Cristina da Silva. A Súmula nº 231 do STJ e a argumentação contra legem . Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3149, 14 fev. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21074/a-sumula-no-231-do-stj-e-a-argumentacao-contra-legem>. 

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