A partir do momento em que o administrador detalha um número pré-determinado de vagas a serem preenchidas, torna-se o mesmo vinculado aos termos constantes no edital, obrigando-se a respeitá-los, gerando-se, assim, o direito subjetivo à nomeação do candidato aprovado e habilitado.
Todos os anos, milhares de vagas a cargos e empregos públicos na Administração Pública, direta e indireta, surgem, e com isso, candidatos às mesmas, almejando à estabilidade econômica e profissional que proporcionam, abdicam de momentos importantes de suas vidas e de recursos financeiros (para aquisição de material didático, assim como cursos etc. ou até mesmo parar de trabalhar) para se dedicarem ao estudo e à realização de concursos com a expectativa de ingresso em uma carreira pública. Em muitos casos, sonhos são acalentados e gestados pelo "concurseiro" para que somente sejam realizados após a sua aprovação e com seu posterior ingresso no Ente Público, confiando seriamente de que este, legitimamente, cumprirá o disposto no edital, preenchendo as vagas ofertadas nos quadros administrativos e, com isso, por conseqüência, se assegurando o interesse público, através da prestação de um serviço com maior eficiência e qualidade.
Como é do notório conhecimento público, no ordenamento jurídico brasileiro, o preenchimento originário de cargos e empregos públicos, em regra, na Administração Pública, direta e indireta (inclusive, havendo a sua necessidade para as empresas públicas e sociedades de economia mista exploradoras de atividade econômica), ocorre mediante concurso público de provas ou de provas e de títulos (de acordo com a complexidade do cargo ou emprego público almejado), conforme previsão no artigo 37, II da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, com algumas exceções, também previstas no próprio texto constitucional, como, por exemplo, as funções públicas (v.g. jurado no Tribunal do Júri), cargos comissionados de livre nomeação e de livre exoneração, baseados na confiança do administrador público e os cargos de mandato eletivo, em que a opção é política (por eleição), dentre outros. Adota-se, assim, por determinação constitucional (artigo 37, I), o princípio da ampla acessibilidade aos cargos, empregos e funções públicas, o que, conforme afirmou Gilmar Ferreira Mendes, citado por João Celso Neto (2011), "constitui um direito fundamental e expressivo da cidadania".
O concurso público é procedimento administrativo constituído de um ou mais atos previstos em lei e no edital regente, por meio do qual a Administração Pública seleciona os melhores candidatos para o preenchimento de cargos e empregos públicos, utilizando-se, assim de critérios que priorizam o caráter igualitário, meritório, impessoal e competitivo do certame, evitando-se, por conseqüência, perseguições ou favorecimento pessoal e a odiosa e repudiada figura do nepotismo. Realizada a seleção pública e conhecido o seu resultado, a autoridade pública competente (normalmente o chefe de cada Poder) irá prover (preencher) originalmente o cargo ou emprego público, nomeando o candidato aprovado.
A questão que se coloca é se o candidato aprovado em concurso público de provas ou de provas e títulos detém mera expectativa de direito ou, ao contrário, direito adquirido à nomeação ao cargo ou emprego público. A doutrina e jurisprudência (inclusive de nossos Tribunais superiores), por muito tempo, mantiveram o entendimento de que a aprovação produzia mera expectativa de direito, sendo que somente no caso de violação à ordem de classificação é que geraria o direito adquirido, nascendo daí a possibilidade de ingresso judicial (conforme firmado na Súmula n.º 15 do Supremo Tribunal Federal [01]). Desta feita, a Administração Pública detém a discricionariedade no que se refere à oportunidade de convocar ou não o administrado, mas praticando esta, atos caracterizadores da necessidade do preenchimento do cargo ou emprego público, geraria a vinculação obrigatória da convocação pelo administrador, respeitando-se, logicamente, a ordem classificatória do certame público.
Interessante situação é a trazida pelo doutrinador Cláudio Brandão de Oliveira (2006), onde na Constituição do Estado do Rio de Janeiro há determinação expressa (artigo 77, VII) no sentido de que o candidato aprovado em concurso público no limite estadual fluminense, dentro das vagas oferecidas no edital, goza não somente do direito subjetivo à nomeação, mas também de que esta deverá ocorrer no prazo máximo de cento e oitenta dias, contado a partir da homologação do resultado. Contudo, o Supremo Tribunal Federal, reiterando o entendimento esposado na sua Súmula 15 (conforme anteriormente mencionado, no sentido de mera expectativa de direito) declarou esta disposição da Lei Maior estadual retro como inconstitucional.
Porém, o entendimento acima mencionado vem perdendo força, com diversas manifestações jurisprudenciais e doutrinárias reconhecendo o direito líquido e certo do candidato aprovado dentro do número de vagas previstas no edital e dentro da validade do concurso público [02], sob o plausível argumento de que o instrumento editalício vincula tanto o administrado como a própria Administração Pública que o produziu. Somente seria discricionário o momento, dentro do prazo de validade do certame público, para a efetivação da nomeação, pois somente o administrador é conhecedor da real situação apta para efetivar a contratação, como a necessidade pública (evidentemente exteriorizada quando da abertura do concurso público para o preenchimento de cargos e empregos públicos) e a sua possibilidade orçamentária (conforme expressa o artigo 169, §1º, I e II da Lei Maior de 1988). Nesse sentido, afirmou o próprio Supremo Tribunal Federal: (...) CONCURSO PÚBLICO – EDITAL – VAGAS – PREENCHIMENTO. O anúncio de vagas no edital de concurso gera o direito subjetivo dos candidatos classificados à passagem para a fase subseqüente e, alfim, dos aprovados, à nomeação. Precedente: RE n.º 192.568-0/PI, segunda turma, DJ: 13.09.1996 (RMS 23657/DF, STF – Segunda Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ: 09.11.2001, p. 00060, grifo nosso).
Desta maneira, toda vez que a Administração Pública divulga edital, convocando todos os administrados interessados e possuidores das características necessárias para o preenchimento das vagas em quantidade pré-determinada no instrumento editalício, obrigatoriamente aquela se vincula a esses termos, devendo, assim, respeitar as normas por ela mesma produzidas, gerando, por conseqüência, confiança da sociedade que deposita no Ente Público, seus interesses maiores. Ainda, de acordo com a douta Fernanda Marinela (2011), a postura da Administração de deixar transcorrer o prazo do concurso público sem o devido preenchimento das vagas constantes no edital, com candidatos habilitados às mesmas, resultaria em lesão a diversos princípios constitucionais, dentre os quais, a boa fé administrativa, razoabilidade, lealdade, isonomia e segurança jurídica.
Ao contrário, se a Administração Pública não fixa um número pré-determinado de vagas disponíveis para serem preenchidas por meio do concurso público, conhecido como "cadastro de reserva" (no mínimo, de questionalidade duvidosa, já que ilude o candidato com a esperança de um dia vir a ser convocado, se houver vaga), não gera o direito líquido e certo ao candidato aprovado de ser nomeado, por depender do surgimento, no período de validade do concurso, de vagas em cargos e empregos públicos, tornando-se, portanto, um ato discricionário do administrador.
Adotando-se o posicionamento dominante, com fundamento na Súmula 15 do Supremo Tribunal Federal, as cortes brasileiras, conforme expõe Fernanda Marinela (2011), têm-se mantido uníssono no sentido de que duas hipóteses gerariam o direito à nomeação do candidato aprovado: na primeira, atendendo ao parecer sumular do STF (anteriormente referido), quando houver desrespeito à ordem de classificação do concurso público, com o indevido preenchimento do cargo ou emprego público e, ainda, quando convocado e nomeado candidato de concurso posterior, quando em vigor o certame anterior; e a segunda situação se caracterizaria quando a própria Administração Pública reconhece a necessidade e a possibilidade de contratar servidor público, quando se utiliza de vínculos precários (contratos temporários, convênios ou acordos de cooperação com outros entes estatais, nomeação ad hoc), ao invés de se nomear candidatos aprovados em concurso público, preterindo-os. Nessa hipótese, o direito subjetivo do candidato a ser nomeado pode ser defendido judicialmente (por meio de mandado de segurança, por exemplo), enquanto em vigor o concurso público que prestou e o habilitou à vaga, conforme orientação do Superior Tribunal de Justiça (STJ), não havendo que se falar em decadência de sua faculdade jurídica. Lado outro, se a situação que gerou a lesão ao direito líquido e certo da nomeação for de vínculo precário (através de uma ação do ente administrativo), conta-se o prazo decadencial de cento e vinte dias do remédio constitucional a partir do ato lesivo.
Assim, concordamos no sentido de que é ato discricionário da Administração Pública a realização do concurso público, que seria a expressão máxima administrativa comprobatória da necessidade do preenchimento de vagas em cargos e empregos públicos para se alcançar as benesses coletivas, através de um mecanismo impessoal e objetivo; porém, a partir do momento em que o administrador detalha um número pré-determinado de vagas a serem preenchidas, torna-se o mesmo vinculado aos termos constantes no edital também, obrigando-se a respeitá-los, gerando-se, assim, o direito subjetivo à nomeação do candidato aprovado e habilitado. Passando-se o prazo do certame público sem a convocação dos interessados dentro do número de vagas dispostas no edital seria um desrespeito a inúmeros princípios constitucionais, ao próprio instrumento editalício (lei maior que rege internamente o concurso público na feliz definição de Hely Lopes Meirelles) e, acima de tudo, à sociedade representada pelos cidadãos que acreditaram piamente na boa fé administrativa e se dispuseram a pleitear uma vaga nos quadros públicos. Não pode o administrador se encastelar na torre da discricionariedade administrativa para não proceder à nomeação dos candidatos aprovados, somente se justificando a sua não ocorrência em situações excepcionais (como caso fortuito ou força maior) e devidamente justificadas (motivadas), sob pena de se caracterizar a sua arbitrariedade e irresponsabilidade para com os atos administrativos praticados.
Portanto, em situações nas quais há um número pré-qualificado de vagas a serem preenchidas por candidatos aprovados em virtude de concurso público, previsto no edital confeccionado pela própria Administração Pública, única conhecedora da real necessidade de prover os quadros administrativos (e que, por isso, realizou o concurso público) torna-se direito adquirido líquido e certo do aprovado a sua nomeação, podendo ser pleiteada pela via judicial, quando não realizada no período de vigência do certame ou quando por qualquer outro motivo venha a ser lesada tal faculdade jurídica do cidadão (como contratos temporários ou vínculos de cooperação entre entes estatais), constituindo aquela lei interna como fundamento moralizador para o administrador, inclusive por interpretação analógica ao artigo 41 da lei federal 8.666/93 que rege os contratos e licitações públicas (possuindo essas o mesmo fundamento dos concursos, qual seja, proporcionar a melhor opção de contratação para o Poder Público e, por conseqüência, para a sociedade); e nos casos, ao contrário, em que não há uma predeterminação de vagas (o famoso "cadastro de reserva") resta ao candidato que despendeu momentos importantes de convívio com a família e amigos, de lazer ou de trabalho, uma mera e vã expectativa de vir a ser nomeado quando "conveniente" ao administrador público, o que, em nosso modesto entendimento, consubstanciaria um "estelionato", quando não há qualquer nomeação, já que se houve a realização do concurso público, logicamente há a necessidade premente e evidenciada da sua contratação, inclusive com a existência de orçamento para a sua efetivação, não sendo lícito ao Poder Público burlar todos os princípios constitucionais expressos, desrespeitando o cidadão, seu dever de boa fé, moralidade, ética e de uma atuação sua séria, democrática e previsível, com o fim de se atingir sempre o interesse público, respeitando-se, sobremaneira, o particular, finalidade e comportamento esse esperado por um Estado Constitucional como o nosso e que conforme – sempre – bem manifestado pelo Ministro do STF Marco Aurélio Mello (citado por Celso Neto, 2011) "feito o concurso, a Administração Pública não pode cruzar os braços e tripudiar o cidadão".
JUNIOR, Edson Camara de Drummond Alves. Mera expectativa de direito ou direito adquirido no concurso público. Qual a opção correta a se marcar?. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3141, 6 fev. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21027/mera-expectativa-de-direito-ou-direito-adquirido-no-concurso-publico>
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