quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Classificação dos bens públicos

Segundo o direito administrativo, os bens públicos se dividem em três distintas categorias, quais sejam: bens públicos de uso comum do povo, bens públicos de uso especial e bens dominicais. Os primeiros são aqueles que a todos pertencem e que podem ser usados por todos, tais como estradas, ruas, praças, o meio ambiente, entre outros. Os segundos são os que pertencem a certo ente público e que são úteis à prestação de determinados serviços públicos, tais como hospitais, escolas, ambulâncias, viaturas de polícia etc. Quanto aos bens dominicais, a doutrina especializada assim os define:
Bens públicos dominicais (Código Civil, art. 66, III) – são os bens públicos não destinados à utilização imediata do povo, nem aos usuários de serviços ou aos beneficiários diretos de atividades. São bens sem tal destino, porque não o receberam ainda ou porque perderam um destino anterior. Ex: dinheiro dos cofres públicos, títulos de crédito pertencentes ao poder público, terras devolutas, terrenos de marinha.[5]    
Portanto, existem diferentes classes de bens públicos e, como já fora explicado, os bens dominicais não estão diretamente ligados à finalidade essencial dos entes públicos, ou seja, à promoção do bem comum. Os bens dominicais servem, portanto, aos próprios entes públicos, em vez de a toda a coletividade por eles representada.
No entanto, pelo simples fato de pertencerem a entes públicos, os bens dominicais gozam das mesmas prerrogativas inerentes às duas outras classes de bens públicos, ou seja, não são passíveis de prescrição, penhora ou oneração. Pois que vigem impolutos os princípios da supremacia e da indisponibilidade do interesse público.
Imagine, portanto, que determinada prefeitura disponha de um prédio que não lhe apresente mais serventia, razão pela qual passou este a integrar a categoria dos bens dominicais, pelo que poderia ser vendido, e o produto de sua venda revertido aos cofres públicos.
Acrescente-se a isso o fato de que a municipalidade poderia doar unidades habitacionais do referido imóvel a moradores sem-teto que não dispusessem de recursos financeiros para adquiri-las mediante a compra, afinal, a Constituição Federal de 1988, conhecida entre nós brasileiros pela alcunha de constituição cidadã, assegura a todo brasileiro o direito à habitação.
Contudo, em vez de assim proceder, o ente público não vende, tampouco confere uma nova destinação ao imóvel em questão, mas simplesmente o abandona. Além de ser atacado por vândalos, o comentado prédio passa a ser ocupado por pessoas carentes, sem casa para morar e que nunca poderão adquirir sua propriedade mediante usucapião, mas terão de aguardar um gesto de nobreza e humanidade do administrador público.
Agora imagine que o governante não adote essa atitude benevolente, mas que, em nome do ente público por ele representado, reivindique, em juízo, a posse do bem esbulhado. Dezenas e, talvez, centenas de pessoas sejam novamente lançadas na rua, e fiquem sem abrigo, tudo em nome de um suposto interesse público, supremo e indisponível!
Mas em que consistiria o verdadeiro interesse público nessa hipotética situação? Em ver assegurado o direito constitucional à habitação de um sem número de cidadãos? Ou na reintegração de posse de um bem abandonado a um ente público que, até então, não lhe conferiu destinação específica e utilidade pública? Certamente ambas as respostas à pergunta proposta são válidas, embora diametralmente opostas no que tange ao quesito da justiça social.
(...)

DOS BENS DOMINICAIS

A doutrina administrativa enxerga a categoria dos bens públicos dominicais com muitos bons olhos, pois que lhes atribui algumas utilidades.
Tradicionalmente, apontam-se as seguintes características para os bens dominicais: 1. Comportam uma função patrimonial ou financeira, porque se destinam a assegurar rendas ao Estado, em oposição aos demais bens públicos, que são afetados a uma destinação de interesse geral; a consequência disso é que a gestão dos bens dominicais não era considerada serviço público, mas uma atividade privada da Administração; 2. Submetem-se a um regime jurídico de direito privado, pois a Administração Pública age, em relação a eles, como um proprietário privado.[9]
Observe-se, no entanto, que muitos bens dominicais não se destinam a assegurar rendas aos entes públicos, mas, simplesmente, deixaram de ser destinados ao uso específico, um terreno baldio, um prédio fechado, um equipamento obsoleto, um veículo que sofrera perda total em um acidente, esses são apenas alguns exemplos do que se observa em grande parte das administrações públicas, sejam elas federal, estaduais ou municipais.
Assim, enquanto esses bens jazem parados à espera de um adequado destino a ser determinado pelo gestor público, deixam de gerar receitas e, muitas vezes, passam a representar elevados custos aos cofres públicos, pois que necessitam de serviços de estocagem, limpeza, conservação, manutenção, vigilância patrimonial entre outros. Onde está a função social da propriedade? No regime jurídico de direito privado, apenas.
Interessante é notar que, geralmente, a inércia do administrador público em conferir destinação específica aos bens dominicais e assim obter ganhos e vantagens para o erário, não se encaixa no conceito de malbaratamento do patrimônio público.
Apontam-se como malbaratamento do patrimônio público somente a aquisição, alienação, doação e locação fraudulenta de bem público que importem em sua perda ou desvalorização.
Atualmente, parece inexistir preocupação do legislador no que tange à destinação de bens dominicais ao uso específico da administração. E, por isso, inúmeros bens, móveis e imóveis, que neste exato momento deveriam promover o bem-estar geral, estão abandonados, sujeitos à depredação e ainda a importar em pesados gastos de manutenção para os tesouros públicos.
Mais um inexorável efeito colateral da equivocada interpretação dos princípios administrativos da supremacia e da indisponibilidade do interesse público, por nós já tão combatida.
É de um imperdoável cinismo que as pessoas morram nas filas dos hospitais, sem atendimento médico, enquanto os entes públicos abarrotam seus almoxarifados com quinquilharias inúteis ou simplesmente especulem no mercado imobiliário.
Às vezes, os próprios entes públicos são vítimas da omissão de seus gestores, pois que pagam aluguel de bens que usam no exercício de suas atividades, enquanto possuem outros de mesma natureza e valor, inutilizados ou subutilizados, que não são vendidos e o produto de sua venda revertido ao erário. Um comportamento como esse por um acaso não constituiria verdadeiro malbaratamento? Evidentemente que sim, a menos que existam razões a justificá-lo, todavia as tais, geralmente, não existem.
Ademais, são justamente os bens dominicais aqueles mais vulneráveis aos ataques dos particulares e dos gestores ímprobos, pois que, geralmente, não são de fácil identificação e deles não se costuma dar falta. Infelizmente, malbaratamento, peculato e confusão patrimonial, são palavras comumente ouvidas ao se tratar de tais bens.
Constitui prática corrente afixar as chamadas etiquetas de patrimônio aos bens móveis integrantes do cabedal da administração, no entanto, parece não haver qualquer preocupação em caracterizar os imóveis públicos integrantes da categoria de bens dominicais para que assim se possa cobrar a atribuição de destinação específica a esses.
Aqui não se advoga o fim da imprescritibilidade, da impenhorabilidade e da desoneração dos bens públicos, em geral, mas, sim, que se criem regras aptas a fazer com que os gestores públicos imprimam finalidade social aos bens públicos, e que passem a limitar, ao máximo, o número daqueles contidos na categoria dos bens dominicais.
Afinal, segundo lição de Celso Antonio Bandeira de Mello, o princípio da supremacia do interesse público e, por extensão, a predominância do interesse público primário sobre o secundário,
[...] tem apenas a compostura que a ordem jurídica lhe houver atribuído na Constituição e nas leis com ela consonantes. Donde jamais caberia invocá-lo abstratamente, com prescindência do perfil constitucional que lhe haja sido irrogado, e, como é óbvio, muito menos caberia recorrer a ele contra a Constituição ou as leis. Juridicamente, sua dimensão, intensidade e tônica são fornecidas pelo Direito posto, e só por este ângulo é que pode ser considerado e invocado.[10]

CARVALHO, Wesley Corrêa. Bens dominicais: o imperdoável paradoxo da Administração Pública. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3508, 7 fev. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23663>. Acesso em: 14 fev. 2013.

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