Segundo o direito administrativo, os bens públicos se dividem em três
distintas categorias, quais sejam: bens públicos de uso comum do povo,
bens públicos de uso especial e bens dominicais. Os primeiros são
aqueles que a todos pertencem e que podem ser usados por todos, tais
como estradas, ruas, praças, o meio ambiente, entre outros. Os segundos
são os que pertencem a certo ente público e que são úteis à prestação de
determinados serviços públicos, tais como hospitais, escolas,
ambulâncias, viaturas de polícia etc. Quanto aos bens dominicais, a
doutrina especializada assim os define:
Bens públicos dominicais (Código Civil, art. 66, III) – são os bens
públicos não destinados à utilização imediata do povo, nem aos usuários
de serviços ou aos beneficiários diretos de atividades. São bens sem tal
destino, porque não o receberam ainda ou porque perderam um destino
anterior. Ex: dinheiro dos cofres públicos, títulos de crédito
pertencentes ao poder público, terras devolutas, terrenos de marinha.[5]
Portanto, existem diferentes classes de bens públicos e, como já fora
explicado, os bens dominicais não estão diretamente ligados à finalidade
essencial dos entes públicos, ou seja, à promoção do bem comum. Os bens
dominicais servem, portanto, aos próprios entes públicos, em vez de a
toda a coletividade por eles representada.
No entanto, pelo simples fato de pertencerem a entes públicos, os bens
dominicais gozam das mesmas prerrogativas inerentes às duas outras
classes de bens públicos, ou seja, não são passíveis de prescrição,
penhora ou oneração. Pois que vigem impolutos os princípios da
supremacia e da indisponibilidade do interesse público.
Imagine, portanto, que determinada prefeitura disponha de um prédio que
não lhe apresente mais serventia, razão pela qual passou este a
integrar a categoria dos bens dominicais, pelo que poderia ser vendido, e
o produto de sua venda revertido aos cofres públicos.
Acrescente-se a isso o fato de que a municipalidade poderia doar
unidades habitacionais do referido imóvel a moradores sem-teto que não
dispusessem de recursos financeiros para adquiri-las mediante a compra,
afinal, a Constituição Federal de 1988, conhecida entre nós brasileiros
pela alcunha de constituição cidadã, assegura a todo brasileiro o
direito à habitação.
Contudo, em vez de assim proceder, o ente público não vende, tampouco
confere uma nova destinação ao imóvel em questão, mas simplesmente o
abandona. Além de ser atacado por vândalos, o comentado prédio passa a
ser ocupado por pessoas carentes, sem casa para morar e que nunca
poderão adquirir sua propriedade mediante usucapião, mas terão de
aguardar um gesto de nobreza e humanidade do administrador público.
Agora imagine que o governante não adote essa atitude benevolente, mas
que, em nome do ente público por ele representado, reivindique, em
juízo, a posse do bem esbulhado. Dezenas e, talvez, centenas de pessoas
sejam novamente lançadas na rua, e fiquem sem abrigo, tudo em nome de um
suposto interesse público, supremo e indisponível!
Mas em que consistiria o verdadeiro interesse público nessa hipotética
situação? Em ver assegurado o direito constitucional à habitação de um
sem número de cidadãos? Ou na reintegração de posse de um bem abandonado
a um ente público que, até então, não lhe conferiu destinação
específica e utilidade pública? Certamente ambas as respostas à pergunta
proposta são válidas, embora diametralmente opostas no que tange ao
quesito da justiça social.
(...)
DOS BENS DOMINICAIS
A doutrina administrativa enxerga a categoria dos bens públicos
dominicais com muitos bons olhos, pois que lhes atribui algumas
utilidades.
Tradicionalmente, apontam-se as seguintes características para os bens
dominicais: 1. Comportam uma função patrimonial ou financeira, porque se
destinam a assegurar rendas ao Estado, em oposição aos demais bens
públicos, que são afetados a uma destinação de interesse geral; a
consequência disso é que a gestão dos bens dominicais não era
considerada serviço público, mas uma atividade privada da Administração;
2. Submetem-se a um regime jurídico de direito privado, pois a
Administração Pública age, em relação a eles, como um proprietário
privado.[9]
Observe-se, no entanto, que muitos bens dominicais não se destinam a
assegurar rendas aos entes públicos, mas, simplesmente, deixaram de ser
destinados ao uso específico, um terreno baldio, um prédio fechado, um
equipamento obsoleto, um veículo que sofrera perda total em um acidente,
esses são apenas alguns exemplos do que se observa em grande parte das
administrações públicas, sejam elas federal, estaduais ou municipais.
Assim, enquanto esses bens jazem parados à espera de um adequado
destino a ser determinado pelo gestor público, deixam de gerar receitas
e, muitas vezes, passam a representar elevados custos aos cofres
públicos, pois que necessitam de serviços de estocagem, limpeza,
conservação, manutenção, vigilância patrimonial entre outros. Onde está a
função social da propriedade? No regime jurídico de direito privado,
apenas.
Interessante é notar que, geralmente, a inércia do administrador
público em conferir destinação específica aos bens dominicais e assim
obter ganhos e vantagens para o erário, não se encaixa no conceito de
malbaratamento do patrimônio público.
Apontam-se como malbaratamento do patrimônio público somente a
aquisição, alienação, doação e locação fraudulenta de bem público que
importem em sua perda ou desvalorização.
Atualmente, parece inexistir preocupação do legislador no que tange à
destinação de bens dominicais ao uso específico da administração. E, por
isso, inúmeros bens, móveis e imóveis, que neste exato momento deveriam
promover o bem-estar geral, estão abandonados, sujeitos à depredação e
ainda a importar em pesados gastos de manutenção para os tesouros
públicos.
Mais um inexorável efeito colateral da equivocada interpretação dos
princípios administrativos da supremacia e da indisponibilidade do
interesse público, por nós já tão combatida.
É de um imperdoável cinismo que as pessoas morram nas filas dos
hospitais, sem atendimento médico, enquanto os entes públicos abarrotam
seus almoxarifados com quinquilharias inúteis ou simplesmente especulem
no mercado imobiliário.
Às vezes, os próprios entes públicos são vítimas da omissão de seus
gestores, pois que pagam aluguel de bens que usam no exercício de suas
atividades, enquanto possuem outros de mesma natureza e valor,
inutilizados ou subutilizados, que não são vendidos e o produto de sua
venda revertido ao erário. Um comportamento como esse por um acaso não
constituiria verdadeiro malbaratamento? Evidentemente que sim, a menos
que existam razões a justificá-lo, todavia as tais, geralmente, não
existem.
Ademais, são justamente os bens dominicais aqueles mais vulneráveis aos
ataques dos particulares e dos gestores ímprobos, pois que, geralmente,
não são de fácil identificação e deles não se costuma dar falta.
Infelizmente, malbaratamento, peculato e confusão patrimonial, são
palavras comumente ouvidas ao se tratar de tais bens.
Constitui prática corrente afixar as chamadas etiquetas de patrimônio
aos bens móveis integrantes do cabedal da administração, no entanto,
parece não haver qualquer preocupação em caracterizar os imóveis
públicos integrantes da categoria de bens dominicais para que assim se
possa cobrar a atribuição de destinação específica a esses.
Aqui não se advoga o fim da imprescritibilidade, da impenhorabilidade e
da desoneração dos bens públicos, em geral, mas, sim, que se criem
regras aptas a fazer com que os gestores públicos imprimam finalidade
social aos bens públicos, e que passem a limitar, ao máximo, o número
daqueles contidos na categoria dos bens dominicais.
Afinal, segundo lição de Celso Antonio Bandeira de Mello, o princípio
da supremacia do interesse público e, por extensão, a predominância do
interesse público primário sobre o secundário,
[...] tem apenas a compostura que a ordem jurídica lhe houver
atribuído na Constituição e nas leis com ela consonantes. Donde jamais
caberia invocá-lo abstratamente, com prescindência do perfil
constitucional que lhe haja sido irrogado, e, como é óbvio, muito menos
caberia recorrer a ele contra a Constituição ou as leis. Juridicamente,
sua dimensão, intensidade e tônica são fornecidas pelo Direito posto, e
só por este ângulo é que pode ser considerado e invocado.[10]
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