quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Bens dominicais: o imperdoável paradoxo da Administração Pública

Durante muito tempo, perdurou, no país, discussão jurisprudencial acerca da possibilidade de aquisição de bem público mediante usucapião. Discussão essa que se encerrou somente com a edição do Decreto nº. 19.429/31, que sagrou vencedora a tese da não incidência da prescrição aquisitiva em desfavor dos entes públicos. A Constituição Federal de 1988, por sua vez, repetiu a proibição contida no referido ato normativo executivo federal.[1] Doravante, não restaram quaisquer dúvidas de que o particular não pode, em nenhuma hipótese, adquirir bem público móvel ou imóvel mediante usucapião.

Os princípios administrativos da supremacia e da indisponibilidade do interesse público servem de supedâneo ideológico a essa e a outras normas jurídicas protetoras do patrimônio público.

Aliás, a doutrina é assente no sentido de que os bens públicos são, em regra, imprescritíveis, impenhoráveis e não sujeitos à oneração.[2] Ou seja, os entes públicos não correm o mínimo risco de perder os seus bens em ações de usucapião e em execuções.

Contudo, a Constituição Federal de 1988, a despeito de ter consagrado a impenhorabilidade dos bens públicos, elegeu a função social da propriedade como um dos princípios regentes da ordem econômica.[3]

Portanto, o particular que não usufruir de sua propriedade em consonância com os ditames constitucionais, ou seja, aquele que não lhe imprimir um mínimo caráter produtivo, certamente correrá o risco de perdê-la para outro que assim o faça, assertiva essa verificada com facilidade nas demandas relativas à usucapião. Isso compele os indivíduos a contribuírem, de uma forma ou de outra, para com o desenvolvimento econômico e social da nação. A esse respeito, a doutrina leciona: “A função social [da propriedade] pretende erradicar algumas deformidades existentes na sociedade, na quais o interesse egoístico do indivíduo põe em risco os interesses coletivos”.[4]

No entanto, aqueles que deveriam dar bons exemplos aos particulares no uso e na exploração de seus bens, os entes públicos, não poucas vezes, possuem ativos aos quais não conferem o mínimo destino produtor, e chegam até mesmo a deixá-los abandonados, uma vez não correrem o menor risco de perdê-los. Paradoxal, não? Faça o que mando, mas não faça o que faço. Essa conhecida máxima bem resume o tratamento conferido pelos entes públicos à questão da propriedade.
(...)
CARVALHO, Wesley Corrêa. Bens dominicais: o imperdoável paradoxo da Administração Pública. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3508, 7 fev. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23663>. Acesso em: 14 fev. 2013

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