Não mais se discute acerca da possibilidade de indenização do dano
moral no ordenamento jurídico pátrio. A discussão, agora, gira em torno
da admissibilidade do referido instituto em matéria de abandono afetivo
na filiação, o que denota a afetividade como elemento caracterizador da
relação paterno-filial contemporânea.
Esses debates inflamados acerca da responsabilidade civil, no âmbito da
família, são decorrência do manto de proteção que sempre esteve em
volta da estrutura familiar, uma vez que não era permitida a ingerência
do Estado nesta matéria. Para Giselda Hironaka, toda alteração de
paradigmas, em um primeiro momento, gera efeitos divergentes:
“Ora, toda alteração paradigmática é sempre muito complicada, polêmica e gera efeitos divergentes. Se for certo que o mundo e a vida dos homens estão em transição contínua, também será verdade que a mudança causa sempre uma expectativa que, por um lado, é ser eufórica, mas por outro lado, preocupante. E não poderia ser diferente agora, diante deste assunto – tão delicado quanto difícil – que é a responsabilidade civil por abandono afetivo. Tanto a sociedade quanto a comunidade jurídica propriamente dita tem reagido de maneira dúplice em face do tema em destaque.”[10]
Contudo, considerando que a dignidade da pessoa humana é valor
fundamental do ordenamento pátrio, consagrado pela Constituição Federal
de 1988, é certo que ela deve ser preservada em qualquer esfera de
relacionamento, quer seja no âmbito familiar ou não. Por isso, como
pontua Bernardo Castelo Branco,
“havendo violação dos direitos da personalidade, mesmo no âmbito da família, não se pode negar ao ofendido a possibilidade de reparação do dano moral, não atuando esta como fator desagregador daquela instituição, mas de proteção da dignidade dos seus membros.”[11]
A criança e o adolescente, enquanto sujeitos merecedores da tutela
jurídica, requerem uma solução positiva do Estado para os casos em que
há omissão do pai no cumprimento dos deveres decorrentes do poder
familiar. Assim, com fundamento no macroprincípio da dignidade da pessoa
humana e amparado no princípio da afetividade, alguns tribunais pátrios
têm se manifestado favoravelmente à admissibilidade da reparação civil
do dano moral provocado pelo descumprimento do dever de convivência
familiar. No entanto, esta questão continua dissente tanto no judiciário
quanto na doutrina.
Vale salientar que a solução para esses casos depende da prudência do
magistrado, quando interposta a ação de reparação civil, pois
“as responsabilizações por abandono afetivo são matérias recentes e pouco, ou quase nada, se escreveu neste sentido. Nestas situações, o juiz, ao analisar o mérito, na formação do seu convencimento, deverá considerar, dentre outros pressupostos, a capacidade processual do autor da ação, o convívio familiar o qual esta inserido, se seus genitores estão ou estiveram envolvidos em litígios de ordem familiar, quais os motivos que fizeram com que o elo entre os familiares fosse perdido, ou não consentido, a comprovação dos supostos danos sofridos, bem como a configuração de culpa unilaterais ou concorrentes.”[12]
Outrossim, é importante se ter em mente que os requisitos
caracterizadores da responsabilidade civil devem estar presentes de
forma muito clara. Assim, faz-se imprescindível a comprovação de que o
alijamento do filho do convívio familiar foi a causa do dano à sua
personalidade e isso apenas se torna possível a partir da realização de
laudos psicossociais e perícias técnicas. Por isso, conforme destaca Rui
Stoco,
“cada caso deverá merecer detido estudo e atenção redobrada, só reconhecendo o dano moral em caráter excepcional e quando os pressupostos da reparação se apresentarem estreme de dúvida e ictu oculi, através de estudos sociais e laudos técnicos de equipe interdisciplinar.”[13]
Diante disso, o magistrado não pode prescindir da análise de pareceres
psicossociais, devendo haver, necessariamente, uma interdisciplinaridade
para resolução de tais demandas. Somente assim será possível evitar que
a reparação civil do dano moral, nestes casos, seja utilizada como
forma de vingança do pai ou da mãe que mantém a guarda da criança contra
o “não-guardião”, ou como forma de enriquecimento sem causa, para ser
utilizada no sentido de tutelar os interesses das crianças e
adolescentes que tiveram o seu desenvolvimento prejudicado.
O foco da questão, portanto, é comprovar o nexo de causalidade entre a
conduta omissiva e voluntária do pai e o dano psicológico sofrido pela
criança, de modo que, uma vez comprovado que a atitude omissiva do pai
resultou em dano para os direitos da personalidade do filho em
desenvolvimento, não resta dúvida quanto ao dever de indenizar.
Os danos decorrentes do abandono afetivo são muito bem pontuados por Cláudia Maria da Silva, defensora da reparação civil:
“Trata-se, em suma, da recusa de uma das funções paternas, sem qualquer motivação, que agride e violenta o menor, comprometendo seriamente seu desenvolvimento e sua formação psíquica, afetiva e moral, trazendo-lhe dor imensurável, além de impor-lhe ao vexame, sofrimento, humilhação social, que, ainda, interfere intensamente em seu comportamento, causa-lhe angústia, aflições e desequilíbrio em seu bem-estar. Mesmo sendo menor, já estão tuteladas a honra e moral, posto ser um sujeito de direito e, como tal, não pode existir como cidadão sem uma estrutura familiar na qual não há a assunção do verdadeiro ‘papel de pai’.”[14]
Tudo isso demonstra que não é qualquer atitude omissiva do pai que irá
caracterizar a figura do dano moral. Cabe ao magistrado, portanto, na
hora de análise da demanda, observar, de forma responsável, se estão
presentes ou não os requisitos autorizadores da reparação.
Tecidas essas considerações, passa-se às análises das divergências doutrinárias e jurisprudenciais acerca do tema em estudo.
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