sexta-feira, 29 de março de 2013

Da possibilidade de indenização do dano moral no abandono afetivo

Não mais se discute acerca da possibilidade de indenização do dano moral no ordenamento jurídico pátrio. A discussão, agora, gira em torno da admissibilidade do referido instituto em matéria de abandono afetivo na filiação, o que denota a afetividade como elemento caracterizador da relação paterno-filial contemporânea.

Esses debates inflamados acerca da responsabilidade civil, no âmbito da família, são decorrência do manto de proteção que sempre esteve em volta da estrutura familiar, uma vez que não era permitida a ingerência do Estado nesta matéria. Para Giselda Hironaka, toda alteração de paradigmas, em um primeiro momento, gera efeitos divergentes:
“Ora, toda alteração paradigmática é sempre muito complicada, polêmica e gera efeitos divergentes. Se for certo que o mundo e a vida dos homens estão em transição contínua, também será verdade que a mudança causa sempre uma expectativa que, por um lado, é ser eufórica, mas por outro lado, preocupante. E não poderia ser diferente agora, diante deste assunto – tão delicado quanto difícil – que é a responsabilidade civil por abandono afetivo. Tanto a sociedade quanto a comunidade jurídica propriamente dita tem reagido de maneira dúplice em face do tema em destaque.”[10]
Contudo, considerando que a dignidade da pessoa humana é valor fundamental do ordenamento pátrio, consagrado pela Constituição Federal de 1988, é certo que ela deve ser preservada em qualquer esfera de relacionamento, quer seja no âmbito familiar ou não. Por isso, como pontua Bernardo Castelo Branco,
“havendo violação dos direitos da personalidade, mesmo no âmbito da família, não se pode negar ao ofendido a possibilidade de reparação do dano moral, não atuando esta como fator desagregador daquela instituição, mas de proteção da dignidade dos seus membros.”[11]
A criança e o adolescente, enquanto sujeitos merecedores da tutela jurídica, requerem uma solução positiva do Estado para os casos em que há omissão do pai no cumprimento dos deveres decorrentes do poder familiar. Assim, com fundamento no macroprincípio da dignidade da pessoa humana e amparado no princípio da afetividade, alguns tribunais pátrios têm se manifestado favoravelmente à admissibilidade da reparação civil do dano moral provocado pelo descumprimento do dever de convivência familiar. No entanto, esta questão continua dissente tanto no judiciário quanto na doutrina.

Vale salientar que a solução para esses casos depende da prudência do magistrado, quando interposta a ação de reparação civil, pois
“as responsabilizações por abandono afetivo são matérias recentes e pouco, ou quase nada, se escreveu neste sentido. Nestas situações, o juiz, ao analisar o mérito, na formação do seu convencimento, deverá considerar, dentre outros pressupostos, a capacidade processual do autor da ação, o convívio familiar o qual esta inserido, se seus genitores estão ou estiveram envolvidos em litígios de ordem familiar, quais os motivos que fizeram com que o elo entre os familiares fosse perdido, ou não consentido, a comprovação dos supostos danos sofridos, bem como a configuração de culpa unilaterais ou concorrentes.”[12]
Outrossim, é importante se ter em mente que os requisitos caracterizadores da responsabilidade civil devem estar presentes de forma muito clara. Assim, faz-se imprescindível a comprovação de que o alijamento do filho do convívio familiar foi a causa do dano à sua personalidade e isso apenas se torna possível a partir da realização de laudos psicossociais e perícias técnicas. Por isso, conforme destaca Rui Stoco,
“cada caso deverá merecer detido estudo e atenção redobrada, só reconhecendo o dano moral em caráter excepcional e quando os pressupostos da reparação se apresentarem estreme de dúvida e ictu oculi, através de estudos sociais e laudos técnicos de equipe interdisciplinar.”[13]
Diante disso, o magistrado não pode prescindir da análise de pareceres psicossociais, devendo haver, necessariamente, uma interdisciplinaridade para resolução de tais demandas. Somente assim será possível evitar que a reparação civil do dano moral, nestes casos, seja utilizada como forma de vingança do pai ou da mãe que mantém a guarda da criança contra o “não-guardião”, ou como forma de enriquecimento sem causa, para ser utilizada no sentido de tutelar os interesses das crianças e adolescentes que tiveram o seu desenvolvimento prejudicado.

O foco da questão, portanto, é comprovar o nexo de causalidade entre a conduta omissiva e voluntária do pai e o dano psicológico sofrido pela criança, de modo que, uma vez comprovado que a atitude omissiva do pai resultou em dano para os direitos da personalidade do filho em desenvolvimento, não resta dúvida quanto ao dever de indenizar.

Os danos decorrentes do abandono afetivo são muito bem pontuados por Cláudia Maria da Silva, defensora da reparação civil:
“Trata-se, em suma, da recusa de uma das funções paternas, sem qualquer motivação, que agride e violenta o menor, comprometendo seriamente seu desenvolvimento e sua formação psíquica, afetiva e moral, trazendo-lhe dor imensurável, além de impor-lhe ao vexame, sofrimento, humilhação social, que, ainda, interfere intensamente em seu comportamento, causa-lhe angústia, aflições e desequilíbrio em seu bem-estar. Mesmo sendo menor, já estão tuteladas a honra e moral, posto ser um sujeito de direito e, como tal, não pode existir como cidadão sem uma estrutura familiar na qual não há a assunção do verdadeiro ‘papel de pai’.”[14]
Tudo isso demonstra que não é qualquer atitude omissiva do pai que irá caracterizar a figura do dano moral. Cabe ao magistrado, portanto, na hora de análise da demanda, observar, de forma responsável, se estão presentes ou não os requisitos autorizadores da reparação.

Tecidas essas considerações, passa-se às análises das divergências doutrinárias e jurisprudenciais acerca do tema em estudo.

MACHADO, Gabriela Soares Linhares. Análise doutrinária e jurisprudencial acerca do abandono afetivo na filiação e sua reparação. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3508, 7 fev. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23666>. Acesso em: 29 mar. 2013.

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