A tragédia familiar não é o foco desta coluna. É apenas o mote. E tem a força de obrigar-nos a repensar a educação moderna, permissiva e sem limites.
O artigo 1.634 do Código Civil dispõe que compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores, dirigir-lhes a criação e a educação, podendo exigir que lhes prestem obediência e respeito (incisos II e VII). Para Milton Paulo de Carvalho Filho há um “encargo dos pais em conduzir a criação e a educação dos filhos menores orientando-os segundo regras da moral e bons costumes, proporcionando-lhes condições para a preparação do caráter, da personalidade e do desenvolvimento intelectual, visando alcançar o pleno exercício da vida em sociedade, com liberdade e dignidade” (Código Civil Comentado, Ed. Manole, página 1.730).
Portanto, criar, orientar, educar os filhos é um dever legal. Mas não só legal, é ético também. Ética é o modo de ser, o caráter, os valores que orientam o comportamento humano em sociedade. Para Miguel Reale “toda norma ética expressa um juízo de valor, ao qual se liga uma sanção, isto é, uma forma de garantir-se a conduta que, em função daquele juízo, é declarada permitida, determinada ou proibida” (Lições Preliminares de Direito, Ed. Saraiva, página 35).
Do ponto de vista do Código Civil, os pais estão obrigados a bem criar os filhos, dar-lhes educação, não apenas formal (que também é importante) mas também regras de convivência em sociedade. Do ponto de vista ético, devem orientar os filhos, auxiliá-los, prepará-los para a vida adulta, para que sejam bons cidadãos, solidários, realizados e felizes.
Isto, de uma forma ou de outra, sempre foi feito através dos tempos nas mais variadas sociedades. Mas nos últimos 10 ou 15 anos a situação vem mudando. Pais não querem assumir este ônus. Omitem-se das mais variadas formas e sob as mais criativas desculpas. O resultado é uma quantidade cada vez maior de jovens envolvidos com drogas, antecipando a vida sexual (p. ex., meninas de 14 anos entregando fotos nuas aos namorados, que por vezes são postadas nas redes sociais), com problemas nos estudos ou caindo em depressão.
Mas, afinal, o que está levando os pais agora a abdicarem do dever de educar, levando a estas e a outras péssimas consequências?
Não há uma resposta pronta e acabada. O que há são algumas peças que ajudam a montar o quebra-cabeça. A primeira delas é que a omissão é sempre mais fácil, não gera atritos. Já corrigir, chamar a atenção, pode incomodar. Imagine-se uma mãe, cuja filha adolescente toma um banho de 30 minutos, gastando água em excesso, mesmo em época de seca. O que será mais fácil: calar-se ou mandar a filha sair do banho e ouvir uma sucessão de protestos e reclamações? Óbvio que a resposta é calar-se.
A segunda peça do quebra-cabeça é uma estranha forma de pensar, que dá a cada um a crença absoluta de que tem direito de ser feliz, sejam quais forem as consequências para terceiros. Sabe-se lá de onde surgiu esta conduta egoísta, mas todos passaram a crer que possuem o direito inalienável, intransferível, de serem felizes, autêntica “cláusula pétrea”, como dizem os constitucionalistas. Um pai pode julgar mais divertido jogar tênis no fim da tarde do que ir à reunião na escola do filho. Uma mãe pode passar a tarde jogando bingo ou na academia de ginástica e deixar sua filha adolescente sozinha em casa, sujeita a todas as tentações ofertadas pela internet.
A terceira forma de abdicar do dever de educar é mais dissimulada e vem sob a capa do esforço, da ambição. Refiro-me a conquistar uma elevada posição social ou aumentar os rendimentos, dedicando-se manhãs, tardes e noites ao trabalho. Sob o supostamente louvável argumento de que precisam dar uma vida melhor aos seus descendentes, os pais somem de casa. E, naturalmente, matriculam seus filhos em escolas de tempo integral, mesmo que eles tenham 3 ou 4 anos. É verdade que as crianças falarão inglês bem cedo e que com 6 anos terão as primeiras orientações sobre a Bolsa de Valores de Nova York.
A quarta reflexão vai para os pais divorciados. Ninguém pode ser obrigado a amar seu parceiro para sempre. Separações existem em grande quantidade e muitos encontram a felicidade na segunda ou terceira união. Normalmente, a guarda do filho fica com a mãe, que se esforça para conciliar trabalho e educação. E o pai, por vezes com a consciência pesada por toda a situação, procura substituir suas deficiências com a entrega de presentes inadequados ou permitindo tudo que o filho reclame. Absolutamente errado. Cabe ao pai suprir sua ausência por interesse permanente pelas atividades do filho (não apenas almoçar sábado no shopping), conversar muito e explicar o que pode e o que não pode fazer. E presentes só os razoáveis, porque na vida adulta ninguém dará nada de graça ou em excesso aos seus filhos.
Há também os pais acidentais. Em uma balada, jovens que se conhecem naquela noite acabam, como diria o pessoal do Direito, afastando as preliminares e indo direto para a sentença de mérito. Poucos meses depois o jovem é procurado e recebe a notícia de que será pai. Nasce a criança que, diga-se de passagem, não pediu para vir ao mundo, e fica com a mãe. Na maioria dos casos, criada pelos avós. Pois bem, o pai não precisa unir-se a alguém que mal conhece, mas precisa, sim, dar assistência àquele ser que enfrentará todas as dificuldades normais da vida e, de sobra, a falta do pai. Portanto, visitar, telefonar, acompanhar a vida da criança é o que se tem a fazer.
Em síntese, criar, educar filhos, não é fácil. Exige, mais do que tudo, amor. E também orientação, cobrança, repressão, correção e castigo. Entretanto, palavras de nada valerão se não vierem com exemplos. Os miúdos, como dizem os portugueses, sabem avaliar quem só fala e não pratica o bem.
Fiscalizar os deveres do colégio, limitar o tempo na internet ou proibir o uso do carro antes que se tenha a habilitação, proibir o uso indevido do cartão de crédito, são algumas das muitas medidas desagradáveis. Mas, com certeza, os limites darão aos filhos a noção de que é preciso lutar para alcançar vitórias, que o insucesso faz parte da existência, que o desrespeito às regras gera consequências e que disciplina e dedicação são essenciais para o sucesso, seja qual for a área. Leia-se a respeito o texto de Eliane Brum, “Meu filho, você não merece nada”.
Troquem-se as posições e imagine-se o que diriam as crianças sobre a educação dada por seus pais. Certamente, achariam melhor um pai e uma mãe que lessem histórias infantis, transmitissem a história de sua família, que os acompanhassem às aulas de natação e que tornassem suas vidas mais divertidas, tomando um banho de cachoeira ou dando um passeio de trem quando possível, disto guardando boas recordações.
A terminar, volta-se ao início para ver em que o Direito se adapta a tudo isto. Quando o Código Civil diz que aos pais cabe dirigir a criação e a educação, está a dizer que eles têm responsabilidade e, portanto, não devem procurar transferi-la para a escola, nem culpar terceiros pelo que de ruim vier por conta de suas omissões (por exemplo, filhos viciados em drogas). Assumir a responsabilidade não é apenas um dever ético e legal, mas também um ato de inteligência. Previne dores que acabam afetando toda a família.
Vladimir Passos de Freitas é
desembargador federal aposentado do TRF 4ª Região, onde foi corregedor e
presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela
Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no
mestrado e doutorado da PUC-PR. Vice-presidente para a América Latina da
"International Association for Courts Administration - IACA", com sede
em Louisville (EUA). É presidente do Ibrajus.
http://www.conjur.com.br/2014-ago-10/segunda-leitura-pais-obrigacao-legal-etica-impor-limites-filhos
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