A convite da banca Binenbojm, Gama & Carvalho Britto Advocacia, que representa a emissora nos processos, o jurista Daniel Sarmento, professor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da UERJ, editou parecer com contribuições relevantes ao tema.
No documento, o professor
analisa a constitucionalidade da invocação do "direito ao esquecimento"
para imposição de restrições ao direito de acesso à informação de
interesse público e às liberdades de expressão e de imprensa.
"É lícita a conduta dos veículos de imprensa de divulgar, discutir ou encenar fatos de interesse público ocorridos no passado. Trata-se de legítimo exercício da liberdade de imprensa, que não gera, portanto, direito à reparação de danos.”
Para Sarmento, parecem
evidentes os riscos de autoritarismo envolvidos na atribuição a agentes
estatais – ainda que juízes - do poder de definirem o que pode e o que
não pode ser recordado pela sociedade.
"O reconhecimento de um suposto direito de não ser lembrado, por fatos desabonadores ou desagradáveis do passado, se afigura francamente incompatível com um sistema constitucional democrático, como o brasileiro, que valoriza tanto as liberdades de informação, expressão e imprensa, preza a História e cultiva a memória coletiva".
O jurista lembra o que considera uma "cultura censória que ainda viceja no Poder Judiciário brasileiro - à revelia da Constituição e da firme jurisprudência do STF", e ressalta que o "direito ao esquecimento" tem "tudo
para se transformar no remédio jurídico para políticos, autoridades
públicas e poderosos de todo tipo ‘limparem a sua ficha’, apagando
registros de episódios pouco edificantes ou impondo mordaças aos
críticos e meios de comunicação".
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Veja a íntegra do parecer.
Contexto
O processo com o apanágio de repercussão geral (ARExt 833.248)
teve origem com a veiculação de reportagem sobre o assassinato de Aída
Curi, em 2004. Familiares da vítima interpuseram o recurso contra
decisão da 4ª turma do STJ que, concluindo não ser possível à imprensa
"retratar o caso Aída Curi, sem Aída Curi", observou que a reportagem
exibida no Linha Direta foi ao ar 50 anos depois da morte da vítima,
"circunstância da qual se conclui não ter havido abalo moral apto a
gerar responsabilidade civil".
Para os irmãos da vítima, no
entanto, o caso trata de um aspecto da proteção da dignidade humana que
ainda não foi apreciado pelo STF. No fim do ano passado, o plenário da
Corte reconheceu a repercussão geral no ARE, que tem relatoria do
ministro Dias Toffoli.
No outro caso (ARExt 789.246), de relatoria do ministro Celso de Mello, a Globo recorre contra decisão da 4ª turma do STJ, que condenou a emissora a pagar indenização de R$ 50 mil, a título de danos morais, a pessoa que fora denunciada e absolvida pelo tribunal do júri, por suposta participação na "Chacina da Candelária" – trágico caso de homicídio de menores ocorrido em 1993, na cidade do RJ. O denunciado foi retratado no programa Linha Direta anos depois de ter sido absolvido de todas as acusações.
A decisão do STJ reconheceu a
importância histórica da "Chacina da Candelária", e destacou que, de
acordo com a avaliação dos fatos feita pelas instâncias ordinárias, "a
reportagem mostrou-se fidedigna com a realidade". Contudo, embasando-se
em suposta precedência dos direitos da personalidade sobre as liberdades
comunicativas, o colegiado entendeu que a passagem do tempo teria
tornado ilícita a veiculação da matéria sobre o crime, tendo em vista o
"direito ao esquecimento" dos envolvidos, o qual conceituou como "um direito de não ser lembrado contra a sua vontade, especificamente no tocante a fatos desabonadores".
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Processo relacionados: ARExt 833.248 e ARExt 789.246
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