No último domingo (17) a sociedade brasileira presenciou, ao vivo e em horário nobre na TV aberta, a votação do exame de admissibilidade do processo de impeachment da presidente da República, Dilma Rousseff. A sessão plenária, ocorrida na Câmara dos Deputados, tinha por objetivo decidir se a chefe do executivo seria ou não processada pelo Senado Federal em razão do suposto cometimento de crime de responsabilidade. A vitória foi do “sim” e aquela Casa autorizou o Senado a analisar o pedido de impedimento e iniciar o processo que pode resultar na cassação do mandato da Presidente.
Contudo, o que mais chamou a atenção dos telespectadores durante a transmissão pela TV foram as discussões acaloradas entre os deputados, empurrões, xingamentos, atos de hostilidade e até cusparada contra um dos parlamentares.
É exatamente desse tema que se pretende tratar neste texto. O deputado, que no pleno exercício do seu mandato conferido pelo voto soberano do eleitor e na defesa dos interesses da sociedade (ou do grupo social que o elegeu), pode ser responsabilizado por crime que tenha cometido, comprovadamente, por suas opiniões, palavras e votos?
A resposta é NÃO! Os integrantes do Poder Legislativo, a exemplo dos senadores, deputados federais, deputados estaduais e vereadores, possuem o que a Constituição da República de 1988 chama de imunidades parlamentares, pois são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. As imunidades são instrumentos criados para proteger a atuação do parlamentar contra eventual intimidação à sua conduta, fala ou posicionamento político. O objetivo, portanto, é entregar ao detentor do mandato todas as garantias possíveis ao seu pleno desempenho, a fim de que ele possa bem exercê-lo em nome daqueles cidadãos que não podem, não querem ou não devem falar.
O dispositivo da Constituição Federal que garante a inviolabilidade parlamentar, vale dizer, é o art. 53, que assim disciplina a matéria:
Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.
Daí pergunta-se: e no caso do deputado Jean Wyllys, que deu uma cusparada direcionada ao também deputado Jair Bolsonaro, aplica-se igualmente essa prerrogativa e ele não poderá ser punido? A resposta é SIM!
Embora o ato de um deputado ejetar cuspo contra seu colega não se encaixe, numa interpretação literal da Norma, nos itens descritos no artigo constitucional acima citado, entende-se que ainda assim tal conduta estaria dentro dos limites da imunidade parlamentar (que abrange gestos e outros atos), especialmente quando se tem a informação de que o autor dessa “agressão” teria sido insultado anteriormente pela suposta “vítima”. Nesse caso, pode-se até mesmo chegar à conclusão de que o deputado Jean Wyllys retrucou a uma injusta e prévia agressão, o que daria proteção absoluta ao seu comportamento, pelo exercício do direito à retorsão imediata (caso se entenda que a casuística apresentada por ele realmente ocorreu - em tese, o delito em discussão seria o de injúria – que é quando se atinge a honra subjetiva de alguém).
Segundo o prof. Luiz Flávio Gomes, “há pouco tempo uma queixa-crime instaurada pelo deputado João Rodrigues (PSD-SC) contra Jean Wyllys foi arquivada no STF (Inq. 4177). Tratava-se de uma acirrada discussão que ambos tiveram no plenário da Câmara (em 28/10/15). Wyllys chamou o colega de 'ladrão, bandido, desonesto, indecente, estúpido e fascista'. O detalhe é que João tinha sido condenado por crimes da Lei de Licitações. O STF invocou a imunidade parlamentar material prevista no art. 53 da CF. O PGR pediu o arquivamento do feito. A discussão foi no plenário da Casa. O uso de palavras de baixo calão é criticável, mas não configura crime, quando no exercício da função parlamentar. Muito provavelmente a cusparada terá o mesmo destino (se, de fato, houve insulto prévio)".
Outro fato curioso (e lamentável, diga-se de passagem), ocorreu no Senado Federal em 04 de dezembro de 1966, quando o então senador Arnon de Mello (PDC-AL), pai do atual senador Fernando Collor (PTB-AL), desferiu tiros contra o colega Silvestre Péricles (PTB-AL), durante a sessão plenária da Casa. Um dos tiros, porém, acertou o abdômen do senador José Kairala (PSD-AC), um mercador da cidade de Brasiléia, que morreria logo em seguida no Hospital Distrital de Brasília, com os intestinos e veia ilíaca perfurados pelo projétil. Todo esse fato se deu em razão de uma briga regional travada pelos senadores alagoanos. Ambos foram presos, contudo, absolvidos dos crimes cometidos.
Sendo assim, acredita-se que o caso da cusparada envolvendo os deputados Jean Wyllys e Jair Bolsonaro, pode não ter repercussão jurídica alguma nos tribunais (isso se algum deles pretender levar a situação adiante), uma vez que a atividade parlamentar goza de imunidade penal (material), além de que existem precedentes no Supremo Tribunal Federal (STF) que indicam a não configuração de crime punível ou quebra do decoro parlamentar em fatos como tais, tendo apenas caracterizado o pleno exercício das funções de legislador, embora o tenham feito de forma irracional, pouco urbana e reprovável.
Aguardo o seu comentário, sugestão, elogio ou crítica.
Forte abraço!
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