quarta-feira, 20 de abril de 2016

Sou médico anestesista, como posso ser responsabilizado em um processo judicial?

Publicado por Suzanna Borges de Macedo Zubko

O artigo desta semana trará a questão da responsabilidade do médico anestesista, especialmente abrangendo aqueles que atuam em hospitais, sem necessariamente pertencer ao corpo clínico da instituição. Na eventualidade de um processo judicial, qual a extensão da responsabilidade deste profissional? O hospital deve responder junto?
Primeiramente, importante relembrar que a relação médico-paciente ou hospital-paciente é de consumo, e a atualmente a jurisprudência tem entendido que aplica-se aos hospitais o caputdo art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, e aos médicos, o parágrafo 4º do mencionado dispositivo legal. Vejamos.
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
§ 4º A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.
Assim, muitos magistrados têm firmado entendimento pela responsabilização do hospital de maneira objetiva, isto é, sem aferir se houve de fato culpa no defeito verificado pelo consumidor. Já com os médicos, o entendimento é diferente, estes somente responderão se apurada sua culpa, ou seja, respondem de maneira subjetiva, vez que necessária comprovação técnica de: imprudência, imperícia ou negligência.
Nos ensinamentos de Carlos Roberto Gonçalves:
“A conduta imprudente consiste em agir o sujeito sem as cautelas necessárias, com açodamento e arrojo, e implica sempre pequena consideração pelos interesses alheios. A negligência é a falta de atenção, a ausência de reflexão necessária, uma espécie de preguiça psíquica, em virtude da qual deixa o agente de prever o resultado que podia e devia ser previsto. A imperícia consiste sobretudo na inaptidão técnica, na ausência de conhecimentos para a prática de um ato, ou omissão de providência que se fazia necessária; é, em suma, a culpa profissional. ”
Pois bem, conceituadas as modalidades de culpa do profissional liberal, relevante é o posicionamento do jurista Sergio Cavalieri, que ensina que a aferição de culpa do médico não abrangerá o hospital em que este labora.
“Embora seja o médico um prestador de serviços, o Código de Defesa do Consumidor, no § 4 do seu art. 14, abriu uma exceção ao sistema de responsabilidade objetiva nele estabelecido. [...] Devemos ter em mente, todavia, que o Código do Consumidor foi bem claro ao dizer que a exceção só abrange a responsabilidade pessoal do profissional liberal, não favorecendo, portanto, a pessoa jurídica na qual ele trabalhe como empregado ou faça parte da sociedade. “
Ou seja, em um processo judicial, a instituição hospitalar somente se isentaria de responsabilidade se, na verificação de prestação de serviço, inexistisse defeito, ou culpa exclusiva de terceiro (art. 14§ 3ºCDC).
§ 3º O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;
II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Tendo isso em mente, fica mais fácil de compreender a extensão da responsabilidade do médico anestesista, que é profissional da área médica como qualquer outro – irá responder subjetivamente. A discussão funda-se, por exemplo, quando o anestesista que não integra o corpo clínico do hospital, ou seja, não tem relação de subordinação direta, apenas consta de um “cadastro” de profissionais da instituição, e é demandando judicialmente, junto com o cirurgião chefe e a instituição.
Pois bem, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) já enfrentou questão semelhante, e entendeu que o mero cadastro que os hospitais mantêm de médicos que utilizam suas instalações para performance de cirurgias, não caracteriza, por si só, relação de subordinação entre o profissional e a instituição. Isto é, não configura relação de trabalho/emprego.
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. NEGLIGÊNCIA. INDENIZAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. 1. A doutrina tem afirmado que a responsabilidade médica empresarial, no caso de hospitais, é objetiva, indicando o parágrafo primeiro do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor como a norma sustentadora de tal entendimento. Contudo, a responsabilidade do hospital somente tem espaço quando o dano decorrer de falha de serviços cuja atribuição é afeta única e exclusivamente ao hospital. [...]. 3. O cadastro que os hospitais normalmente mantêm de médicos que utilizam suas instalações para a realização de cirurgias não é suficiente para caracterizar relação de subordinação entre médico e hospital. Na verdade, tal procedimento representa um mínimo de organização empresarial. [...]
(STJ - REsp: 908359 SC 2006/0256989-8, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 27/08/2008, S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: -> DJe 17/12/2008)
Tal entendimento é muito válido para a defesa médica, pois é bastante comum que o anestesista atue sozinho, sem estar necessariamente vinculado ao hospital e seu corpo clínico. Contudo, se de fato for empregado da instituição ou compuser uma sociedade médica onde o cirurgião seja “chefe”, é possível configurar a responsabilização solidária. Nesse sentido está o art.932 do Código Civil e a Súmula 341 do STF (Supremo Tribunal Federal).
Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:
III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;
SÚMULA 341, STF - É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto.
Ou seja, o Cirurgião chefe ou a instituição, responderão pelos atos de seus prepostos (empregados), sempre observando os requisitos para configuração de dever de indenizar: qual é o dano? É possível verificar nexo causal e a culpa dos agentes? Sobre isso, ensina o doutrinador Sergio Cavalieri:
“Em outras palavras: embora a equipe médica atue em conjunto, não há, só por isso, solidariedade entre todos os que a integram. Será preciso apurar que tipo de relação jurídica há entre eles. Se atuam como profissionais autônomos, cada qual em sua especialidade, a responsabilidade será individualizada, cada um respondendo pelos seus próprios atos, de acordo com as regras que disciplinam o nexo de causalidade [...] A responsabilidade será daquele membro da equipe que deu causa ao evento. [...]
Assim, se a cirurgia, propriamente dita, transcorreu sem problemas, não se pode responsabilizar o médico cirurgião pelo erro do anestesista, e vice-versa. Outra, todavia, será a solução se a equipe trabalha para o cirurgião (responsabilidade pelo ato do preposto), se todos integram uma sociedade ou se, ainda, trabalham para o hospital. ”
Assim, caso ocorra um erro durante uma cirurgia, causado exclusivamente pelo médico anestesista, somente este responderá pelo evento danoso. Salvo se estiver em relação de subordinação hierárquica com o cirurgião chefe ou hospital, aí estes responderão solidária e conjuntamente. Nesse compasso têm entendido o STJ (Superior Tribunal de Justiça):
[...] ERRO MÉDICO. RESPONSABILIDADE DOS MÉDICOS CIRURGIÃO E ANESTESISTA. CULPA DE PROFISSIONAL LIBERAL (CDC, ART. 14§ 4º). [...]
4. Na Medicina moderna a operação cirúrgica não pode ser compreendida apenas em seu aspecto unitário, pois frequentemente nela interferem múltiplas especialidades médicas. Nesse contexto, normalmente só caberá a responsabilização solidária e objetiva do cirurgião-chefe da equipe médica quando o causador do dano for profissional que atue sob predominante subordinação àquele. 5. No caso de médico anestesista, em razão de sua capacitação especializada e de suas funções específicas durante a cirurgia, age com acentuada autonomia, segundo técnicas médico-científicas que domina e suas convicções e decisões pessoais, assumindo, assim, responsabilidades próprias, segregadas, dentro da equipe médica. Destarte, se o dano ao paciente advém, comprovadamente, de ato praticado pelo anestesista, no exercício de seu mister, este responde individualmente pelo evento. [...] Não há, assim, solidariedade decorrente de responsabilidade objetiva, entre o cirurgião-chefe e o anestesista, por erro médico deste último durante a cirurgia. [...]
(STJ - EREsp: 605435 RJ 2011/0041422-0, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 14/09/2011, S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 28/11/2012)
Porém, importante ressaltar que os processos de responsabilização médica -independente da especialidade do profissional – costumeiramente dependerão de uma perícia técnica, portanto, uma análise específica do caso concreto. Mas em termos gerais, há responsabilidade individual do anestesista, de maneira subjetiva (com aferição da extensão da culpa) quando atua sozinho, tanto em atos pré ou pós operatórios. Contudo, àquele que exerce sua profissão dentro de um centro cirúrgico, será necessário verificar sua relação jurídica com os demais profissionais e instituição de saúde envolvidas, e em que grau o médico anestesista concorreu com aquele que causou o dano ao paciente.
Caso ainda restem dúvidas, comentários ou sugestões de artigos, não deixe de entrar em contato! Obrigada pela leitura.
Literatura:
GONÇALVES, Carlos Roberto, Responsabilidade Civil. 14. Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.
FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. 10. Ed. São Paulo: Editora Atlas, 2012.
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