sábado, 31 de março de 2018

É preciso voltar a reconhecer que a lei escrita e formal tem valor

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Que vivemos um tempo de turbulência social, política e jurídica é uma voz comum. Nunca na história recente de nosso país passamos por tantas transformações. Aquilo que pensávamos que era imutável está sendo alterado dia após dia. Não existem mais premissas absolutas. Conceitos, princípios, normas que eram aclamadas como pacificadas estão sendo constantemente alteradas.
Quando analisamos isso no aspecto do Direito, temos que um entendimento dominante e pacífico pode ser alterado rapidamente. Se há décadas sugeríssemos a um estudioso do Direito que o Judiciário teria um papel tão ativo e interventivo sob o cotidiano dos demais Poderes, certamente duvidariam de tal opinião.
Essa mudança, que pode ser adjetivada como “radical”, se deve a um momento histórico no qual o pêndulo do Direito está posicionado num limite lateral extremo, onde a busca pelo que é tido pela maioria da população como algo certo tem interferido nas decisões judiciais e nas normas que estão sendo editadas. Vivemos a prevalência do senso comum sobre a norma escrita. A busca pelo bem da maioria é usada indistintamente para ofender garantias individuais.
Acredito que a história da humanidade pode ser comparada à figura de um pêndulo, que vai para a direita e, quando se chega ao extremo da direita, passa a caminhar para a esquerda, até também alcançar o seu limite, onde daí se inicia o movimento inverso.
Parar o pêndulo ou mesmo equilibrar tal objeto é um grande desafio da humanidade, sendo que as nações mais desenvolvidas ao longo da humanidade são aquelas que conseguem um determinado equilíbrio pelo maior período de tempo.
No Direito, é preciso entender que estamos num período de extremos e que é preciso que o pêndulo busque voltar para a zona de equilíbrio. Estão sendo proferidas atualmente decisões que, embora busquem algo que aparentemente possa ser bom, serão vistas em um curto período de tempo como algo totalmente equivocado.
Um dos pontos importantes e que precisa ser imediatamente revisado é a quantidade de decisões judiciais determinando a oneração financeira do poder público. Hoje, qualquer direito deve ser garantido pelo erário, que tem ficado combalido com a quantidade de obrigações que tem que assumir.
Quando se determina que se construa uma escola, uma creche, um hospital ou mesmo obrigações menos importantes, está se escolhendo uma política pública, determinando ao Executivo que faça algo que muitas vezes ele não pode fazer. Escolher o que fazer com o dinheiro do Executivo não cabe a mais ninguém a não ser a seus gestores, eleitos para tanto e com a missão de decidir os rumos de uma cidade, de um estado ou mesmo da nação.
E mais: há atualmente um protecionismo exagerado ao direito dos servidores públicos, que têm sido reiteradamente beneficiados por incorporações pecuniárias, diferenças salariais e por uma estabilidade contraprodutiva com a eficiência administrativa.
É necessária a revisão da interpretação do artigo 37 da CF/88, especialmente de seu segundo inciso, que tem sido um guarda-chuva para a ineficiência de servidores que buscam na estabilidade uma verdadeira aposentadoria antecipada. A meritocracia precisa ser reconhecida pelo Judiciário em suas decisões, bem como precisa ser discutida, de forma clara, a possibilidade de extinção do vínculo funcional de servidores efetivos.
O Estado brasileiro é um paquiderme que precisa emagrecer, e caberá ao Judiciário deixar de interpretar as garantias funcionais apenas pelo prisma das garantias pessoais para garantir a saúde financeira do erário.
Caberá ao Legislativo entender que é preciso mudar o rumo do pêndulo do inchaço do Estado e tentar buscar, se não o Estado mínimo, ao menos o equilíbrio.
Outro ponto que é preciso entender que o rumo deve mudar é sobre a impossibilidade do Judiciário de alterar os rumos do que está escrito na Constituição.
Ponto em voga é a quantidade de decisões em que princípios estão se sobrepondo às normas. É preciso voltar a reconhecer que a lei escrita e formal tem valor e não pode permitir que o interprete vá onde a lei disse que não era para ir.
Exemplifico: o inciso V do parágrafo 3º do artigo 14 da Carta Cidadã é expressa ao prever que a filiação partidária é uma condição absoluta de elegibilidade. Isso que diz a norma escrita. Todavia, decisões que se iniciam tentam criar a possibilidade da chamada “candidatura avulsa”, ou seja, aquela em que se dispensa o vínculo partidário.
Sem embargo da balbúrdia técnica que tal entendimento poderia gerar, é preciso reconhecer que o Judiciário não pode “revogar” uma previsão tão clara e admitir tais pleitos. O legislador constituinte escreveu que assim seria e, assim, nenhuma crise dos partidos ou do sistema eleitoral pode ser usada como desculpa para se decidir de forma diversa.
Puxem o pêndulo e voltem a deixar claro que opções legislativas não podem ser alteradas pelo poder da toga, embora seja preciso reconhecer que este possui as melhores das intenções. É evidente que o Judiciário tem agido diante do vácuo e da descrença em outras instituições. Todavia, nem isso pode ser desculpa para a superação do postulado no artigo 2º de nosso texto básico.
Cumpre dizer que a vontade popular está aparentemente fazendo esse caminho em busca de um centro. Porém, o pêndulo de nosso Judiciário demora mais a entender que é hora de mudar de rumo.

Torçamos para que tenhamos uma volta ao centro tranquila e que vivamos um período mais longo de paz e um pêndulo mais equilibrado.
Dyogo Crosara é sócio do Crosara Advogados Associados e pós-graduado em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Universidade do Grande Rio (Unigranrio).
Revista Consultor Jurídico, 25 de março de 2018, 6h23
https://www.conjur.com.br/2018-mar-25/dyogo-crosara-preciso-voltar-reconhecer-lei-escrita-valor
Fonte da imagem: https://pixabay.com/pt/livro-literatura-hist%C3%B3rico-hist%C3%B3ria-3188444/

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