"Ministro Buzzi pediu vista na 4ª turma do STJ em processo relatado pelo desembargador convocado Lázaro Guimarães, após este garantir que criança retorne para o amparo de casal com quem vivia. Aos fatos: quando tinha 10 meses, ela foi entregue pela mãe biológica ao casal, que a criou. Contudo, já em idade escolar, ela foi parar em um abrigo do Conselho Tutelar após ação do MP. Para o desembargador Lázaro, o HC assegurará a liberdade da criança, "que tinha sua vida normal, com plena adaptação a quem a acolhera, e de repente se vê privada de sua liberdade de locomoção"; "esse tipo de recolhimento se destina àqueles menores que estão em situação de abandono, de dificuldade, de maus tratos, o que não é o caso dessa criança. Ela estava acolhida, tinha plena integração ao casal. Essa medida [recolhimento] só deveria ser adotada no interesse do menor, quando verificada situação de abandono, algo que a justificasse." Por isso, concedia a ordem até o desenrolar da ação de destituição do poder familiar. (HC 439.885)" (Fonte: Sexta-feira, 20 de abril de 2018 - Migalhas nº 4.341 - Fechamento às 10h45.)
HABEAS CORPUS Nº 439.885 - SP (2018/0053016-0) RELATOR : MINISTRO LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO) IMPETRANTE : EDVALDO AYRES DA SILVA E OUTROS ADVOGADOS : KARINA MIDORI OSHIRO - SP229092 RODRIGO MASSAMI OSHIRO - SP220704 IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO PACIENTE : D L DA S C DECISÃO Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de DL da SC, visando, no âmbito de ação de destituição de pátrio poder c/c medida protetiva, seja concedida ordem de liberação do menor do abrigo a que foi recolhido, com a determinação de retorno ao lar dos guardiães de fato. Considerando a inexistência de elementos suficientes nos autos, este Relator, em análise preliminar, indeferiu a liminar. Instado a se manifestar, o impetrado, às fls. 53-178 (e-STJ), apresentou informações, nos seguintes termos: Em resposta à solicitação encaminhada, tenho a honra de prestar a Vossa Excelência as informações necessárias ao julgamento do habeas corpus impetrado por (...), em decorrência do acolhimento do infante, processo em trâmite neste Juízo da Vara da Infância e da Juventude de Guarulhos, nos autos nº 1003092-49.2018.8.26.0224. Cuida-se de ação de destituição do poder familiar, cumulada com aplicação de medidas protetivas, ajuizada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, em face de (...). Conforme consta da inicial (fls. 1/10), em apertada síntese, a requerida Elza é a genitora biológica do infante (nascido em 4/9/16) e, por dificuldades financeiras, confiou na figura dos demais requeridos os cuidados de seu filho. O genitor biológico é desconhecido. Há informações de que o casal (Edvaldo e Lucicleide) pretendia ampliar o núcleo familiar, mas não podem mais ter filhos biológicos. Não procuraram os meios legais para concretizar a adoção pois acham o procedimento burocrático e demorado. O casal, que não possui vínculo parental, estava com a guarda fática do infante há 6 meses, não possuindo vínculo algum com eles e nem contato com sua genitora biológica ou demais familiares. Certidão de nascimento do infante à fl. 19 dos autos. No procedimento de guarda ingressado pelo casal, houve pedido de esclarecimentos, os quais seguem às fls. 35/36. Laudo de avaliação psicossocial acostado às fls. 52/62. Foi concedida parte dos efeitos antecipatórios da tutela (fls. 100/101), determinando-se a busca e apreensão da criança. A primeira tentativa foi frustrada (fls. 111), assim como a segunda (fls. 123) e a terceira (fls. 155). Os requeridos Edvaldo e Lucicleide foram citados pessoalmente em Cartório (fls. 141) e apresentaram contestação (fls. 143/149) alegando, preliminarmente, necessidade de suspensão do feito pela litispendência. No mérito, afirmaram que a genitora veio a São Paulo, na casa do casal, e lá deixou seu filho sem mais explicações, por serem conhecidos dela. Requereu o retorno do infante ao seu lar. Os requeridos Edvaldo e Lucicleide interpuseram agravo de instrumento perante o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (fls. 159/170). Conforme consta à fl. 172, o pedido de suspensão do feito foi indeferido. Em 6/3/18, compareceram em Juízo a genitora, acompanhada de Advogado e da criança, que foi formalmente acolhida pelas Técnicas do Juízo, sendo conduzida à Instituição de Acolhimento pela Coordenadora do Núcleo Batuíra, Sr.a Maria José (fls. 184). A genitora biológica foi citada pessoalmente em Cartório (fls. 180) e apresentou contestação (fls. 187/191) alegando, em síntese, que veio em busca de seu filho assim que ficou sabendo da possibilidade da criança ir para um abrigo, encontrando-se hospedada na casa do casal requerido. Afirmou que possui condições de cuidar de seu filho, na sua residência na Bahia. Afirmou que à época, em que entregou seu filho ao casal, passava por severas dificuldades, confiando na figura do casal os cuidados de seu filho. Conforme fl. 218, foi agendada oitiva e atendimento psicossocial da genitora para o mesmo dia. Atualmente, Davi encontra-se em Instituição de Acolhimento. Não foi inserido em família substituta, dado seu recente acolhimento e por demandar maiores estudos Técnicos. Acreditando serem estas as informações necessárias, coloco-me à disposição de Vossa Excelência para quaisquer outros esclarecimentos ou providências que forem determinados. Remeto cópia das principais peças, bem como as mencionadas neste ofício. Aproveito o ensejo para apresentar a Vossa Excelência meus protestos de estima e consideração. A seguir, vieram-me conclusos os autos. É o relatório. Passo a decidir. De início, ressalta-se que, apesar de a impetração voltar-se contra decisão unipessoal proferida no Tribunal de origem, é necessário afastar a Súmula n. 691/STF, o que, consoante a jurisprudência do STJ, é possível em casos excepcionais. Em exame perfunctório, considero que, na hipótese, a r. decisão que determinou o recolhimento da criança em abrigo afrontou o art. 101 c/c o art. 98 do ECA, que prevêem as situações nas quais o infante será encaminhado a abrigamento, atualmente denominado acolhimento institucional. O art. 101 prevê que o acolhimento institucional será determinado pela autoridade competente quando ocorrer uma das hipóteses do art. 98, a saber: "Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados: I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; II - por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; III - em razão de sua conduta." O caso tratado nos autos não se subsume a nenhuma das condutas acima mencionadas, pois o fundamento para a retirada da criança foi, em síntese, o fato de os impetrantes possuírem de forma irregular a guarda do menor, por não estarem inscritos no Cadastro Nacional de Adoção - CNA. Nesse contexto, ao que parece, o comando legal foi afrontado. Isso porque foi ignorada a excepcionalidade prevista no § 1º do art. 101, tendo sido adotado o acolhimento institucional como primeira medida. A ilegalidade é ressaltada quando confrontada com o entendimento desta Corte, que preceitua a necessidade de se dar prevalência ao melhor interesse da criança, privilegiando sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Nesse sentido, faz-se importante mencionar que há julgados deste Sodalício no sentido de que não atende ao melhor interesse da criança o acolhimento institucional em detrimento de sua permanência no lar, salvo naquelas situações de evidente risco físico ou psíquico para o menor, senão vejamos: "HABEAS CORPUS. DIREITO DE FAMÍLIA. GUARDA E ADOÇÃO. MENOR IMPÚBERE (3 MESES DE VIDA) ENTREGUE PELA MÃE A CASAL. ALEGAÇÃO DE SE TRATAR DE PAI BIOLÓGICO. INDÍCIOS DE BURLA À LISTA DE ADOÇÃO. AÇÃO CAUTELAR. ACOLHIMENTO DETERMINADO EM 1º GRAU DE JURISDIÇÃO. LIMINAR NEGADA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. MEDIDA TERATOLÓGICA. MELHOR INTERESSE DO MENOR. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. A jurisprudência do STF e do STJ evoluiu no sentido de não se admitir a impetração originária de habeas corpus como sucedâneo recursal, ressalvada a hipótese excepcional de concessão ex officio da ordem quando constatada flagrante ilegalidade ou decisão teratológica. Precedentes. 2. Também está consolidado no STF e no STJ não caber habeas corpus contra decisão de indeferimento de liminar, a fim de evitar indevida supressão de instância, ressalvada, contudo, a possibilidade de concessão, de ofício, da ordem na hipótese de evidente e flagrante ilegalidade. Precedentes. 3. Ainda, em se tratando de questão atinente à guarda/adoção de menor - afeta, portanto, ao Direito de Família, costumando exigir, como tal, ampla dilação probatória -, tem-se por inadequada a utilização de habeas corpus para defesa dos interesses do infante. Precedentes. 4. Na espécie, contudo, está-se diante de uma situação bastante delicada e que impõe a adoção de cautela e cuidado ímpar, dada a potencial possibilidade de ocorrência de dano grave e irreparável aos direitos da criança, ora paciente, de modo a se afastar, excepcionalmente, todos os óbices que, em princípio, acometem o presente writ e que, ordinariamente, culminariam no seu não conhecimento. 5. Apuração de suposta irregularidade no registro de nascimento do menor, cuja paternidade poderia ter sido reconhecida como forma de burlar a lista de adoção. 6. Situação anômala que, entretanto, não importaria em prejuízo ao infante, pois, ainda que momentaneamente, a guarda de fato teria se revelado satisfatória aos seus interesses, haja vista a manifestação de interesse do casal em dispensar cuidados (médicos, assistenciais, afetivos etc.) suficientes à elisão de qualquer risco imediato à integridade física e/ou psíquica do menor. 7. Não se descura que a higidez do processo de adoção é um dos objetivos primordiais a ser perseguido pelo Estado, no que toca à sua responsabilidade com o bem-estar de menores desamparados, tampouco que, na busca desse desiderato, a adoção deve respeitar rígido procedimento de controle e fiscalização estatal, com a observância, v.g., do Cadastro Único Informatizado de Adoções e Abrigos (CUIDA), o qual, aliás, pelos indícios probatórios disponíveis, teria sido vulnerado na busca de uma adoção intuito personae. 8. Contudo, o fim legítimo não justifica o meio ilegítimo para sancionar aqueles que burlam as regras relativas à adoção, principalmente quando a decisão judicial implica evidente prejuízo psicológico para o objeto primário da proteção estatal para a hipótese: a própria criança. 9. Ademais, dita burla ainda está no campo do juízo perfunctório, o que igualmente torna temerária a adoção de um procedimento que, por sua natural demora, pode prolongar a permanência do menor em abrigo ou instituição de acolhimento, numa verdadeira inversão da ordem legal imposta pelo ECA, na qual esta opção deve ser a última e não a primeira a ser utilizada. 10. Medida que, na hipótese, notoriamente beira a teratologia, pois inconcebível se presumir que um local de acolhimento institucional possa ser preferível a um lar estabelecido, onde a criança não sofreria nenhum tipo de violência física ou moral. 11. Ordem concedida de ofício."(HC 298.009/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/08/2014, DJe 04/09/2014)"HABEAS CORPUS. BUSCA E APREENSÃO DE MENOR. DETERMINAÇÃO DE ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL. ADOÇÃO. 1. O Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA, ao preconizar a doutrina da proteção integral (artigo 1º da Lei nº 8.069/1990), torna imperativa a observância do melhor interesse da criança. 2. A avaliação realizada pelo serviço social judiciário constatou que a criança adotanda está recebendo os cuidados e a atenção adequada às suas necessidades básicas e afetivas na residência da família substituta. 3. Ressalvado evidente risco à integridade física ou psíquica do infante é inválida a determinação de acolhimento da criança que não se inclui em nenhuma das hipóteses do art. 98 do ECA. 4. Nos casos de flagrante constrangimento ilegal é possível a concessão da ordem de ofício. 5. Habeas Corpus concedido de ofício. (HC 358.536/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/06/2016, DJe 24/06/2016) HABEAS CORPUS. BUSCA E APREENSÃO DE MENOR. DESTITUIÇÃO LIMINAR DE GUARDA. DETERMINAÇÃO DE ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL. MENOR ENTREGUE AOS IMPETRANTES PELA MÃE BIOLÓGICA. CONVÍVIO COM A FAMÍLIA SOCIOAFETIVA. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE MAUS-TRATOS, NEGLIGÊNCIA OU ABUSO. INTERESSE DO INFANTE. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. (HC 331.121/PR, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/10/2015, DJe 03/11/2015) No caso dos autos, ademais, não há elementos que indiquem maus tratos com a criança, tampouco de que ela não desfrute de condições para permanecer com os impetrantes, ao menos até o julgamento de mérito deste habeas corpus. Assim, não se percebe nenhum perigo na permanência da paciente com a família" adotante "até o julgamento final da lide, apesar da alegada ocorrência de"adoção à brasileira". Ao contrário, ao que tudo indica os interesses do menor estarão mais bem respaldados se permanecer acolhido pela família" adotante ", enquanto aguarda a conclusão do processo, mormente porque esta demonstra condições de zelar pela vida, pela saúde física e psíquica, e pela educação da criança, além da existência de vínculos afetivos e emocionais já estabelecidos com os impetrantes. Esclareça-se, por fim, que as questões invocadas neste habeas corpus não infirmam a necessidade do processo de guarda, com a realização de todas as etapas que lhes são inerentes, para a aferição das condições morais e materiais para o perfilhamento, o que há de ser feito no bojo da ação já ajuizada, com urgência. Ante o exposto, defiro a liminar para determinar que o menor nos autos referido permaneça com os impetrantes, até o julgamento final deste habeas corpus. Oficie-se. Após, dê-se vista dos autos ao Ministério Público. Cumpra-se. Publique-se. Brasília, 03 de abril de 2018. MINISTRO LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO), Relator
(STJ - HC: 439885 SP 2018/0053016-0, Relator: Ministro LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO), Data de Publicação: DJ 05/04/2018)
Fonte do julgado: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/563418130/habeas-corpus-hc-439885-sp-2018-0053016-0?ref=topic_feed
Fonte da imagem: https://pixabay.com/pt/fam%C3%ADlia-felicidade-piquenique-2680314/
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