quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Celebrei um contrato eletrônico, com assinatura digital e sem testemunhas. Posso executá-lo judicialmente?

Veja o que o STJ decidiu sobre o assunto.

Publicado por Guilherme Visconti

As testemunhas estão presentes em quase todos os contratos que celebramos em nossas vidas, mas, o que poucas pessoas sabem, é a importância da assinatura delas para garantir uma execução judicial mais célere do negócio jurídico celebrado entre as partes. Explica-se.

O Código de Processo Civil, diploma legal que regulamenta todos os procedimentos judiciais no âmbito cível, o que inclui discussões ou execuções de contratos, estabelece em seu artigo 484, inciso III que é título executivo extrajudicial “o documento particular assinado pelo devedor e por 2 (duas) testemunhas”.

Em outras palavras, para o contrato se tornar um título executivo extrajudicial pela legislação vigente, necessariamente, deve conter a assinatura da outra parte e de 2 (duas) testemunhas.

Em apertada síntese, havendo um título executivo extrajudicial, qualquer uma das partes envolvidas que precisar executá-lo, seja para exigir o cumprimento de uma obrigação de fazer ou até mesmo para cobrar eventuais valores inadimplidos, poderá fazê-lo judicialmente, pedindo ao juiz para que a parte inadimplente seja citada para cumprir a obrigação ou realizar o pagamento em 03 (três) dias.

Caso a parte inadimplente não cumpra a determinação dentro do prazo supramencionado, desde logo poderá incidir aplicação de multas e medidas coercitivas ou se tratando de dívidas pecuniárias, penhoras e restrições nos bens do devedor, incluindo contas bancárias, até que a obrigação seja integralmente cumprida.

Insta salientar ainda que há uma possibilidade de defesa da parte inadimplente, mas que, via de regra, não suspende o trâmite da execução do título executivo extrajudicial salvo se o devedor comprovar que houve a garantia integral de eventual débito discutido, bem como que em suas alegações há probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

Por outro lado, não havendo título executivo extrajudicial, como por exemplo um contrato sem a assinatura da outra parte ou de duas testemunhas, via de regra, a parte interessada deverá ingressar com uma ação monitória, uma ação de obrigação de fazer ou até mesmo uma ação de cobrança, as quais podem demorar anos até que uma sentença judicial seja proferida, haja o trânsito em julgado e possa se dar início a uma execução judicial, sendo um trâmite muito mais moroso e arriscado.

Não obstante o disposto no Código de Processo Civil, em junho de 2018 foi publicado o acórdão do Recurso Especial n. 1.495.95-DF, proferido pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, reconhecendo como título executivo extrajudicial um contrato assinado eletronicamente pelas partes envolvidas, mas sem a assinatura de testemunhas.

A parte que estava executando uma dívida contratual oriunda de um mútuo, fundamentou que o contrato objeto de discussão era eletrônico e, portanto, possuía duas formas de testemunho – o primeiro, o registro do ICP-Brasil e o segundo em um site chamado “comprova.com”, que confirma a contratação e, ainda, guarda a comprovação.

O voto vencedor do Ministro Relator Paulo de Tarso Sanseverino começa afirmando que o rol de títulos executivos extrajudiciais previsto no Código de Processo Civil é taxativo e deve ser interpretado restritivamente, inclusive no que diz respeito à assinatura de duas testemunhas, para que se reconheça o documento privado físico como título executivo, sendo esse o entendimento manifestado pelo Superior Tribunal de Justiça em várias oportunidades.

Apesar disso, o Ministro Relator Paulo de Tarso Sanseverino afirmou que o contrato eletrônico que estava sendo analisado possuía algumas peculiaridades, como a certificação da assinatura pelo sistema de chaves públicas, intermediado por autoridade competente na forma da lei e ainda a utilização dos serviços que chamou de “comprova.com”, afirmando ser oportuno analisar a função desempenhada pelas referidas funcionalidades, dentro desse novo contexto de elaboração e celebração de negócios jurídicos, principalmente levando-se em consideração que muitas vezes estes são celebrados a distância, unicamente por meios eletrônicos e sem a presença de testemunhas.

Ato contínuo, prosseguiu trabalhando a conceituação e a legalidade da assinatura digital, entendendo, por fim, aceitá-la como sendo aquela que possui um código anexado ou logicamente associado a uma mensagem eletrônica que permite de forma única e exclusiva a comprovação da autoria de um determinado conjunto de dados (um arquivo, um e-mail ou uma transação), conforme Glossário da ICP-Brasil.

No mais, reiterou ainda que o art. 10 da MP 2.200/01 considera o documento eletrônico como documento privado ou público e salientou, ainda, a veracidade das declarações nele contidas quando assinado digitalmente, sendo o contrato eletrônico analisado naquela ocasião perfeitamente válido juridicamente.

Quanto ao serviço prestado pelo site “comprova.com”, ficou constatado que a referida empresa presta serviços de assinatura, traslado eletrônico e gerenciamento de documentos, substituindo, a impressão, o envio de fax, a digitalização e envio de documentos, isso para obter qualquer aprovação e decisão digital.

O voto vencedor do Ministro Sanseverino dispõe que o serviço prestado pelo “comprova.com” não é essencial para que se tenha por totalmente perfeito ou torne o contrato firmado em título executivo extrajudicial, mas é importante e muito auxilia na proteção dos dados relativos ao negócio, favorecendo o acesso aos contratantes de toda um leque de documentos relativos ao acordo, demonstrando-se a troca de informações, boa-fé e intenção das partes envolvidas na contratação.

Assim, o voto vencedor concluiu que no caso concreto, as partes ao acordar o mútuo pela internet, assinaram o contrato digitalmente, mediante criptografia assimétrica-ICP-Brasil (criptografia de chave pública), e, ainda, mantiveram os documentos eletrônicos relevantes ao negócio hospedados em site de gerenciamento, que, também, teria registrado eletronicamente os contatos feitos no curso da relação negocial, satisfazendo-se, pois, condição mínima necessária para reconhecer ao contrato eletrônico, aquilo que as testemunhas garantem em relação ao documento privado físico.

Por fim, concluiu-se que, em regra, ainda exige-se as testemunhas em documento físico privado para que seja considerado executivo, mas excepcionalmente, um documento poderá embasar um processo de execução, sem que se tenha cumprido o requisito formal estabelecido no Código de Processo Civil, qual seja, a presença de duas testemunhas, entendimento este que foi aplicado aos contratos eletrônicos, desde que observadas as garantias mínimas acerca de sua autenticidade e segurança, sendo esta entendida como a integridade mediante a certificação eletrônica, utilizando-se a assinatura digital devidamente aferida por autoridade certificadora legalmente constituída.

Ressalta-se, por fim, que o acórdão proferido pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça não possui caráter vinculativo obrigatório às instâncias inferiores, mas dá força à tese de que os contratos eletrônicos, devidamente assinados mediante certificação eletrônica, pode ser considerado título executivo extrajudicial, ainda que sem a presença de duas testemunhas.

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Sobre Guilherme Visconti:
Advogado e Consultor na área de Contratos Comerciais do escritório GNL Advogados que se arrisca como escritor. Especialista em Gestão Jurídica, Pós-graduando em Direito Processual e em Direito dos Contratos.
Atua principalmente buscando soluções jurídicas e auxiliando no crescimento com segurança de empresas tanto na parte consultiva quanto na contenciosa, sempre tendo como princípio que o advogado moderno não é aquele que fica sentado atrás de um computador ou que atua somente nos fóruns e tribunais, mas sim aquele que vai a campo e conhece de perto o negócio e/ou problemas dos seus clientes.


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