segunda-feira, 19 de setembro de 2011

A reforma do Código Civil

Concordamos que o Código Civil, enquanto lei geral, deva apresentar suas normas de forma suficientemente aberta, de modo a admitir a função criadora do intérprete, face às transformações sociais inevitáveis.
Nesse sentido e reconhecendo a dificuldade de reforma de um Código, mesmo quando a sociedade assim anseie, VENOSA (2003, 120) defende que:

Isto não significa que o Direito deva manter-se preso a legislações já ultrapassadas. Note que no intervalo entre a promulgação de um código e outro (os países que já passaram por essa experiência são prova disso, como a Itália e Portugal, por exemplo) existe a jurisprudência, para dar a coloração da época aos dispositivos legais interpretados. Quanto mais envelhece uma lei, maior será o desafio do intérprete. Com isso, o intérprete passa a tirar conclusões de dispositivos legais, às vezes não imaginados pelo legislador. 

Alguns anos mais se passaram até que o Projeto de Lei n.º 634/B foi finalmente levado a votação no ano de 2001, modificado em ambas as casas do Congresso e levado à sanção presidencial, para dar origem ao novo Código Civil, Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002.
Enquanto o novo Código Civil não era promulgado, já foi comentado anteriormente neste artigo, que várias leis especiais iam surgindo derrogadoras de muitas normas do Código Civil de 1916. Atento a este fato, em ofício enviado ao presidente da Comissão Especial de Reforma do Código Civil, a 02 de maio de 2000, seu Relator Geral – Deputado Ricardo Fiúza - ressalta que:

... o trabalho de compatibilização do Projeto com a legislação superveniente à sua feitura já definitiva impõe-se sob pena de conversão do Projeto num mero capítulo do Direito Histórico, sem que alcance a indispensável atualidade, que possibilite seu ingresso no campo do Direito Positivo (FIÚZA, 2000, 4).

Entre as alterações realizadas para dar origem ao novo Código Civil, podemos citar a referente à estrutura organizacional do próprio Código. O Código Civil de 1916, idealizado na época em que a sociedade era eminentemente agrária e patriarcal, começa sua parte especial com o Livro dedicado ao direito de família, seguido do direito de propriedade, para apenas em seguida tratar das obrigações e contratos, findando com o direito das sucessões.
Com a urbanização da sociedade e o progresso da tecnologia, muda-se a maneira de pensar da sociedade, o que vai influenciar diretamente nas alterações que culminarão no Código Civil de 2002.

Advindo de uma época em que as relações de consumo vão tomando grande espaço e importância na vida das pessoas, a disciplina dos direitos obrigacionais torna-se cada vez mais relevante. Assim, podemos notar na estrutura do novo diploma civil, que imediatamente após a Parte Geral, o primeiro livro da Parte Especial é o relativo ao direito das obrigações. Em seguida está o livro dedicado à atividade negocial, denominado Direito de Empresa, que aliás é novidade deste Código, para só depois tratar dos direitos das coisas, da família e, por fim, das sucessões.
O grande mestre GOMES (1978, 11) já defendia esta mudança estrutural algum tempo atrás, manifestando-se no sentido de que:

A principal razão dessa prioridade é de ordem lógica. O estudo de vários institutos dos outros departamentos do Direito Civil depende do conhecimento de conceitos e construções teóricos do Direito das Obrigações, tanto mais quanto ele encerra, em sua parte geral, preceitos que transcendem sua órbita e se aplicam a outras seções do Direito Privado. Natural, pois, que sejam apreendidos primeiro que quaisquer outros. Mais fácil se torna, assim, a exposição metódica.

Observe-se que a Comissão encarregada de elaborar o Projeto do novo Código Civil trabalhou de forma a aproveitar o Código Civil de 1916, dando-lhe nova roupagem mais de acordo com a realidade de nova época, com as exigências de compatibilização com a evolução do Direito. REALE (1999, 5) informa que o trabalho do projeto de Código utilizou-se do critério de preservar, sempre que possível, as disposições do Código de 1916, em respeito a um patrimônio de pesquisas e de estudos de um universo de juristas. Adverte entretanto que "a estrutura do novo código é essencialmente social, ao contrário do contraste individualista do Código Civil ainda em vigor, onde o espírito da época o individual se sobrepunha aos interesses sociais".
Conclui-se que o novo Código Civil reflete a preocupação da correlação com a sociedade contemporânea, o que vem demonstrado nos valores erigidos como essenciais nos trabalhos de sua elaboração: a eticidade, refletida na opção por normas genéricas, que possibilitam a atualização dos preceitos legais; a operabilidade, que pode ser constatada, principalmente, na opção por uma linguagem precisa e atual; e a socialidade, superadora do caráter individualista.


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DONZELE, Patricia F. L. A codificação do Direito Civil brasileiro Do Código de 1916 ao Código de 2002. CEPPG revista, Catalão - GO, n. ano VI, p. 123-128, 2004.

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