Conforme os autores da ação, o casal reside numa área de propriedade da família, doado pela matriarca após a morte do marido. Com a anuência dos filhos, a idosa doou ao casal, com reserva de usufruto, os bens que lhe pertenciam. Nesta linha, destacaram que por determinado período o casal dispensou certa dedicação à doadora.
No entanto, com o passar do tempo, o comportamento deles mudou radicalmente. Sem contar com companhia e mesmo cuidados, a viúva teve de sair da casa e ir morar com os filhos, razão pela qual os autores promoveram ação de notificação e de reintegração de posse.
Segundo os autores, embora a escritura pública seja omissa nesse ponto, a doação deu-se sob a condição e encargo de que os donatários deveriam cuidar da doadora. Alegaram a ocorrência de ingratidão do donatário e inexecução do encargo, nos termos do artigo 555 do Código Civil. Assim, invocaram a nulidade da doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência, conforme artigo 548 do Código Civil.
O casal se defendeu. Afirmou que respeita a posse da autora, mas discorda das acusações de maus tratos. Sustentou que o pedido de revogação foi motivado por ciúmes e inveja dos filhos da doadora. Afirmou que sempre buscou a reconciliação, sendo que todas as tratativas restaram frustradas em decorrência da má-fé dos autores. Afirmou que a doação com reserva de usufruto não possuía encargo algum, assim como nunca houve nenhum ato de ingratidão.
Em primeira instância, o juiz de Direito Eduardo Marroni Gabriel julgou procedente a ação anulatória. O juiz destacou que a doação somente pode ser revogada por ingratidão do donatário ou por inexecução do encargo, conforme disciplinado pelo artigo 555 do diploma civil.
Segundo o juiz, a escritura pública caracteriza um contrato de doação pura e simples, com reserva de usufruto vitalício, sem estipulação de qualquer encargo. No entanto, o exame acurado da prova testemunhal comprova a existência do encargo, embora ajustado verbalmente, como condição para a doação, consistente na incumbência dos donatários de cuidarem da doadora.
Neste contexto, a própria mulher reconheceu a existência do encargo, no sentido de que deveria cuidar da doadora, o que, por si só, tornaria desnecessária a exigência de outras provas acerca da questão, conforme regra contida no artigo 334, inciso II, do Código de Processo Civil.
‘‘Diante desse quadro, é possível concluir que houve a inexecução do encargo, consistente na incumbência dos requeridos em cuidarem da demandante’’, diz a sentença. ‘‘Os depoimentos trazidos aos autos permitem concluir que a doadora era maltratada pelos réus, fato confirmado pelas comunicações de ocorrência acostadas ao feito e pela necessidade de ajuizamento de ação de reintegração de posse para retomada do imóvel pela idosa.’’
Inconformados, os réus recorreram ao Tribunal de Justiça, sustentando equívoco do juízo de origem. Conforme alegação do casal, nenhum encargo foi estipulado na escritura pública de doação, o que torna impossível sua revogação por inexecução do ônus.
No entendimento da relatora, desembargadora Elaine Harzheim Macedo, o recurso não merece ser provido. Segundo ela, infelizmente, é mais um caso em que alguém vulnerável do ponto de vista emocional e até físico, dependente de afeto e já com idade avançada, resolve doar seu patrimônio, ou parte dele, a pessoas em quem confia, sob o compromisso de prestar-lhe atenção e cuidado.
‘‘É importante destacar ser possível o reconhecimento do encargo estipulado verbalmente entre as partes e o seu descumprimento e, em decorrência, a anulação do ato jurídico. Para tanto, indispensável apenas prova inequívoca da estipulação do encargo e de seu descumprimento’’, diz o voto. Participaram do julgamento, além do relator, os desembargadores Luiz Renato Alves da Silva e Bernadete Coutinho Friedrich. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-RS.
Fonte: Consultor Jurídico
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