quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Por que o STF se envolve em tanta polêmica?

Saiu na Folha de hoje (2/2/12):
"Peluso nega crise e diz que juiz não pode ceder a pressão
Em discurso na abertura oficial do ano do Judiciário, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Cezar Peluso, negou que haja uma crise no Poder e afirmou que os juízes não podem ceder a pressões (...)
A fala do presidente do STF ocorre em meio a uma polêmica sobre privilégios e irregularidades envolvendo magistrados e os limites do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), órgão de fiscalização e controle externo do Poder.
Poucas horas depois do discurso, o Supremo começou a analisar uma decisão provisória, tomada pelo ministro Marco Aurélio Mello, que limitou a atuação do CNJ. O julgamento foi suspenso ontem e será retomado hoje
"


Quase sempre que você lê um artigo sobre o STF, o artigo diz que é por causa de uma polêmica. Normalmente achamos que a polêmica é culpa da personalidade desse o daquele ministro. E às vezes é. É por isso que magistrados falam (ou deveriam falar) 'apenas nos autos', ou seja, só devem dizer o que pensam quando estiverem decidindo algo processo. Quanto menos eles falam, menos polêmica geram.

Mas há dois outros motivos que têm pouca relação com suas personalidades.

O primeiro é que, ao contrário do que muita gente pensa, o STF não é um tribunal político, mas constitucional. E um julgamento político é exatamente o oposto de um julgamento constitucional. Vamos entender:

Na Constituição colocamos tudo aquilo que é mais essencial em nossa vida como sociedade. O direito à vida é essencial? Então vamos protege-lo na Constituição. A separação dos poderes é importante? Então vamos protege-la na Constituição. Evitar que o presidente da República se torne um ditador vitalício é importante? Então vamos restringir o número de reeleições possíveis. Onde fazemos isso? Na Constituição.

Já um tribunal político é movido pelas necessidades do momento. E, quase sempre, pela emoção. E, por isso mesmo, ele é um tribunal menos justo porque as emoções e as necessidades do momento mudam a todo instante, enquanto os valores essenciais de uma sociedade permanecem os mesmos.

Vamos entender isso através de dois exemplos práticos:

Impeachment: O ex-presidente Fernando Collor sofreu um impeachment. O julgamento do impeachment não foi feito pelo STF. Ele foi julgado pelo Senado Federal, que naquele processo funcionou como um tribunal político. Tanto é assim que – querendo ou não (e aqui não vai nenhum julgamento de valor) – o ex-presidente foi absolvido de todas as acusações feitas contra ele no STF. O Senado julgou politicamente, ou seja, baseado no que eles percebiam como necessidade imediata.

Ficha limpa: Você provavelmente vai se lembrar que no julgamento da Lei da Ficha Limpa o STF decidiu que a lei não seria aplicada nas eleições de 2010. Isso porque, por um princípio constitucional, uma lei eleitoral modificada só passa a ser aplicada às eleições que ocorrerem 12 meses depois que ela passou a vigorar. Como a Lei havia entrado em vigência em meados de 2010, ela só poderia ser aplicada a partir de meados de 2011.

Pois bem, todo mundo sabia – inclusive os ministros do STF - que uma consequência daquela decisão seria que vários políticos com sentenças contra eles acabariam virando senadores e deputados. E foi o que ocorreu. Óbvio que quase ninguém ficou feliz com isso. Então por que o STF julgou daquela forma? Justamente porque ele é um tribunal constitucional. Ele precisava levar em conta os efeitos de sua decisão no longo prazo: se ele mudasse a interpretação da Constituição naquele momento apenas para resolver o caso de uma lei específica, ele teria que aplicar aquela interpretação no futuro para outras leis, inclusive para leis que viessem a desproteger a sociedade. É por isso que, embora impopular, ele tomou a decisão que protegesse as estruturas jurídicas de longo prazo do país. Em outras palavras, a Constituição.

Algumas pessoas acreditam que o STF é um tribunal político porque seus magistrados são nomeados pelo presidente da República. Mas há magistrados nomeados pelo presidente e pelos governadores em todos os tribunais brasileiros. Isso é uma prerrogativa desses cargos. Logo, todos os tribunais seriam políticos.


E, a bem da verdade, há mais pressão política para a indicação dos magistrados nesses outros tribunais (porque imprensa e população prestam menos atenção neles) do que no STF.

A segunda razão é que quando uma questão chega ao STF é porque ela já era provavelmente controversa antes de chegar lá.

Óbvio que o Judiciário só julga casos controversos (caso contrário, não precisaria julgar). Mas o STF julgar casos especialmente complicados (mesmo porque o STF tem a prerrogativa de dizer que não irá julgar recursos que não sejam importantes).

A maior parte das questões juridicamente controversas são controversas justamente porque ainda não está clara qual é a melhor forma de decidi-las.

Os ministros do STF, ainda que estudem e entendam muito de direito, são seres humanos. E há duas qualidades fundamentais dos seres humanos: nós nunca sabemos tudo, e cada um pensa de uma forma diferente. No STF, são 11 cabeças que não só não sabem tudo, mas que pensam de formas diferentes umas das outras, e precisam, em conjunto, decidir algo muito controverso. Obviamente muitas vezes eles não chegarão a um consenso e algumas vezes a decisão da maioria acabará sendo detestada por boa parcela da sociedade.

Como o STF é a instância máxima do Judiciário, ele está constantemente no holofote. Uma decisão que vá contra o gosto popular e que esteja no holofote da mídia obviamente vai gerar mais polêmica do que uma decisão parecida tomada por um juiz de primeira instância em uma comarca pequena no interior de algum estado.

Ademais, a decisão do juiz da pequena comarca raramente afetará mais do que um par de pessoas (réu e autor), enquanto muitas das decisões do STF – especialmente aquelas que chegam lá em forma de recurso, Adins e ADCs – vão afetar uma quantidade enorme de pessoas (ou mesmo o país inteiro) porque elas têm o que chamamos de repercussão geral: elas valem pra todo mundo.

Em suma, não é que necessariamente que o STF tome decisões polêmicas, mas que, por natureza, as questões que chegam a ele são polêmicas; ele precisa tomar decisões olhando não a opinião popular no momento, mas a proteção de princípios fundamentais da sociedade; e, em boa parte dos casos que ele julga, não há consenso sobre qual é a melhor forma de interpretar esses princípios e é por isso mesmo que a questão foi parar em suas mãos.

http://direito.folha.com.br/1/post/2012/02/por-que-o-stf-se-envolve-em-tanta-polmica.html

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