Em épocas remotas, a forma de reparação do dano estava vinculada à
pessoa daquele que o provocava. Atualmente, a reparação do dano é
prestada forma bem diferente do que antigamente, extraindo-se a ideia de
vingança, partindo para uma reparação pecuniária em face de um ato
ilícito, ou seja, quem irá responder pelo prejuízo causado a outrem será
o patrimônio daquele que ocasionou o dano. (DINIZ, 2003, p. 9).
Para que haja reparação é necessária a ocorrência do dano, podendo ser
este de natureza moral ou patrimonial. Entende-se como conceito de dano,
as palavras de Sérgio Cavalieri Filho (2009, p.71),
[...] a subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como a sua honra, a imagem, a liberdade etc. Em suma, dano é a lesão de um bem jurídico, tanto patrimonial como moral, vindo daí a conhecida divisão entre dano patrimonial e moral.
No atual ordenamento jurídico brasileiro, é assegurado o direito de
reparação por danos morais e patrimoniais decorrentes de ato ilícito. A
Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, V, tutela o direito de
resposta proporcional ao agravo e a devida indenização pelo dano causado
como garantia fundamental. Já o Código Civil pátrio, prevê em seu
artigo 186 c/c 927 a obrigação de reparar o dano causado a outrem
decorrente de ato ilícito. A definição de ato ilícito é fornecida pelo
art. 186:
Art. 186 Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. (BRASIL, 2002).
Diante da definição de ato ilícito, somado à obrigação de que o
consequente dano seja reparado, surge o instituto da responsabilidade
civil, que consiste na reparação de um prejuízo causado a terceiro. Tal
reparação tem o objetivo de fazer com que o lesado volte à situação
anterior ao dano.
Sobre o conceito de responsabilidade civil, vários doutrinadores já
expuseram em suas obras, tais como o ilustre Sérgio Cavalieri Filho
(2009, p. 2),
A responsabilidade civil designa o dever que alguém tem de reparar o prejuízo decorrente da violação de outro dever jurídico preexistente. Daí é possível dizer que toda conduta humana que, violando dever jurídico originário, causa prejuízo a outrem é fonte geradora de responsabilidade civil.
Após um longo processo de evolução doutrinária, muitos foram os
fundamentos da responsabilidade civil passando da fase subjetiva em que a
culpa era a o fundamento principal do instituto, para a fase objetiva.
Tal evolução é caracterizada pela ampliação de situações que possam dar
ensejo à reparação por parte do responsável pelo dano, conforme ensina
Maria Helena Diniz (2003, p.12),
A expansão da responsabilidade civil operou-se também no que diz respeito à sua extensão ou área de incidência, aumentando-se o número de pessoas responsáveis pelos danos, de beneficiários da indenização e de fatos que ensejam a responsabilidade civil.
Nesse sentido, o Judiciário, com o intuito de adequar-se às
transformações oriundas desse desenvolvimento, buscando influência no
Direito Francês, vem admitindo atualmente um direito que outrora não se
podia cogitar no campo da responsabilidade civil, aplicando assim a
chamada “teoria da perda de uma chance”, ou perte d’ une chance, podendo
ser vista como um fator resultante dessa ampliação da responsabilidade,
trazendo a possibilidade de indenização pela perda da oportunidade de
se obter uma vantagem, ou de se evitar um prejuízo causado por ato
ilícito de terceiro.
Contudo, para que haja a concessão de indenização pela perda de uma
chance através do Judiciário, é necessário que tal oportunidade perdida
ou prejuízo não evitado trate-se de fato sério e real. O objeto que dará
ensejo à indenização será a chance perdida de se concretizar ou evitar
algo e não a vantagem em si, já que esta era incerta. Para tanto, mister
se faz a análise da situação, ou seja, do caso concreto, onde o
magistrado irá apurar, com base em critérios específicos e vigentes, se é
cabível a aplicação da teoria para a concessão de indenização à vítima
por esta espécie de dano.
Segundo Rafael Peteffi da Silva (2012),
[...] para que a demanda do réu seja digna de procedência, a chance por este perdida deve representar muito mais do que uma simples esperança subjetiva. Devem ser analisados requisitos básicos como os de que as chances sejam sérias e reais, bem como a quantificação das chances perdidas, onde a regra fundamental a ser obedecida em casos de responsabilidade pela perda de uma chance prescreve que a reparação da chance perdida sempre deverá ser inferior ao valor da vantagem esperada e definitivamente perdida pela vítima.
Assim, a delimitação do valor a ser indenizado pela perda da chance não
será equiparado à vantagem perdida, pois o objeto da reparação não é a
vantagem em si, esperada pela vítima, já que não se pode afirmar que
esta ocorreria caso não lhe fosse tirada a chance, mas sim a perda da
oportunidade de obtê-la ou de se evitar um prejuízo decorrente da ação
ou omissão do agente. Indeniza-se, portanto, o valor econômico da
chance.
Sobre o conceito da teoria da perda de uma chance, Cristiano Chaves de
Farias e Nelson Rosenvald (2007, p. 509), asseveram em sua obra que
“entre o dano certo e o dano hipotético pode existir uma terceira via,
com significado e efeitos próprios”. Entende-se desta forma que para
que tal dano tenha de fato efeitos próprios, é necessário, todavia, que o
prejuízo seja composto de seriedade e realidade, não sendo objeto do
direito à reparação meras conjunturas de cunho subjetivo daquele que se
sentiu lesado. (FARIAS ; ROSENVALD, 2007, p. 509).
Para que seja caracterizada a teoria da perda de uma chance é
necessário que desapareça a probabilidade de um evento que
possibilitaria um benefício futuro para a vítima, em virtude da conduta
de outrem, como progredir de carreira artística ou militar, arrumar um
melhor emprego, e assim por diante. Deve-se, pois entender por chance a
probabilidade de se obter um lucro ou de se evitar uma perda. (CAVALIERI
FILHO, 2009, p.75).
Dentre outras possibilidades de aplicação da teoria da perda de uma
chance, podem ser citados os casos de desídia do advogado, fazendo com
que seu cliente perca a chance de vencer a demanda ou de recorrer de
eventual sucumbência; o médico que não diagnostica corretamente o
paciente com doença grave, retardando o tratamento; o concursando que é
impedido de fazer a prova devido a acidente causado por terceiro durante
o trajeto, etc.
Sua origem se deu em 1965, em uma decisão da Corte de Cassação
Francesa, que pela primeira vez se utilizou tal conceituação. Tratava-se
de um recurso acerca da responsabilidade de um médico que teria
proferido o diagnóstico equivocado, retirando da vítima suas chances de
cura da doença que lhe acometia. Seguindo essa nova posição, houveram
outras decisões proferidas pela referida Corte que aplicaram a mesma
teoria. Com isso, esse posicionamento passou a se consolidar perante a
Corte de Cassação Francesa. (GODIM, 2005 apud BIONDI, 2008).
No Brasil, o primeiro julgado referente à perda de uma chance
encontra-se na área médica, tratava-se de indenização em decorrência de
erro médico, caso emblemático de aplicação da responsabilidade civil por
perda de uma chance, em que uma paciente se submeteu a uma cirurgia
para correção de miopia em grau quatro da qual resultou uma
hipermetropia em grau dois, além de cicatrizes na córnea que lhe
acarretou névoa no olho operado. O acórdão foi proferido em 1990 pelo
então Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Ruy
Rosado de Aguiar Junior. Nesta ocasião, porém, o acórdão foi no sentido
de concluir que a teoria não se aplicava àquele caso concreto. (SAVI,
2006, p. 45).
No tocante à natureza jurídica do dano ocasionado pela perda da chance,
a doutrina oscila no que diz respeito à sua classificação. Parte dela
classifica-a como lucro cessante, dano moral ou como um dano autônomo.
No que diz respeito ao conceito de lucros cessantes, consideram-se
estes o reflexo futuro que deixou de fazer parte do patrimônio da
vítima, sendo necessária neste caso a comprovação em juízo da existência
de prejuízo futuro. (FARIAS E ROSENVALD, 2007, p. 509).
Entende-se por dano moral o prejuízo que afete o ânimo psíquico, moral e
intelectual da vítima. (VENOSA, 2008, p. 41). A Constituição Federal de
1988, tendo a dignidade da pessoa humana como um de seus fundamentos,
trouxe em seu art. 5º, V e X a possibilidade de reparação pela violação
do direito à dignidade, que pode ser entendido como o dano moral.
Conforme o entendimento de Silvio de Salvo Venosa (2008, p. 288),
“[...] a denominada perda da chance pode ser considerada como uma
terceira modalidade nesse patamar, a meio caminho entre dano emergente e
lucro cessante”. Por este prisma, a perda de uma chance não poderia ser
comparada ao dano moral, como entende parte da doutrina, mas sim
estaria enquadrada na espécie de dano material.
Assim é o entendimento de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald
(2007, p.509), quando explicam que a teoria da perda de uma chance tem
sentido diverso do lucro cessante, pois neste há uma probabilidade
objetiva de que o resultado em expectativa aconteceria se não houvesse o
dano, já naquela, a expectativa é aleatória, sendo impossível afirmar
que o fato aconteceria se o fato antijurídico não se concretizasse, mas
havendo, inegavelmente a certeza da perda da oportunidade.
A problemática que envolve o tema está na divergência doutrinária
acerca da classificação da perda da chance, e, por consequência, a
grande dificuldade que o Judiciário enfrenta para enquadrar a perda da
chance, fato este que pode vir a inviabilizar a procedência da demanda,
dependendo de como esta for entendida pelo magistrado.
NASCIMENTO, Silvia Renata Segatto Santos. Teoria da perda de uma chance . Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3515, 14 fev. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23709>. Acesso em: 15 fev. 2013.
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