Como bem afirmam Nelson Rosenvald e Cristiano de Farias (2012, p. 71),
toda relação jurídica é protagonizada por sujeitos, sendo estranha ao
ordenamento jurídico a possibilidade de obrigação entre dois
patrimônios. É imperioso admitir que a massa patrimonial dos sujeitos é
que responde pelo eventual inadimplemento do compromisso fixado, sem
dúvida; isso, porém, não significa dizer que é entre os seus patrimônios
que se estabelece o vínculo jurídico. Tal concepção, embora
relativamente aceita no meio doutrinário dos séculos XIX e início do
século XX, deve ser rechaçada por afrontar diretamente a lógica da
Teoria Geral do Direito, que não visualiza relação jurídica senão entre
sujeitos – capazes de direitos e deveres.
O elemento subjetivo da obrigação é, portanto, formado pelos sujeitos
que a estabelecem, que definem a prestação que será seu objeto e, de
acordo com cada caso, definem outras regras pelas quais deverá se pautar
a relação. Podem ser sujeitos pessoas físicas, jurídicas (de direito
público e privado) e até mesmo entes despersonalizados, como as
sociedades de fato e os condomínios edilícios. Estes, por exemplo, são
credores nas obrigações propter rem dos condôminos de contribuir com o
pagamento das taxas condominiais para a conservação da coisa comum; por
outro lado, são devedores nas obrigações de dar quantia certa aos
funcionários que zelam por sua limpeza e segurança.
Podemos reforçar a afirmação do parágrafo anterior recorrendo ao art.
12 do Código de Processo Civil, que em seus incisos VII e IX dispõe,
respectivamente, sobre a representação em juízo das sociedades de fato e
dos condomínios; ora, se o Direito estende a tais entes desprovidos de
personalidade jurídica a possibilidade de figurar como polo da relação
processual, verdadeiro contrassenso seria negar-lhes a possibilidade de
agir como sujeito de obrigações.
É importante salientar que o elemento subjetivo da relação obrigacional
é dúplice: ele constitui-se de um polo ativo, ao qual se convencionou
denominar “credor”, e de um passivo, que recebeu o nome de “devedor”. O
ativo é aquele que pode exigir a prestação combinada quando do
estabelecimento da obrigação, sendo-lhe facultada a mobilização do
aparato coercitivo do Estado nos casos em que ela não for
espontaneamente adimplida; o passivo é o que se encontra adstringido ao
referido adimplemento, respondendo por ele com seu patrimônio.
Note-se que raramente, em um dado negócio jurídico, os envolvidos
ocuparão apenas um dos polos que mencionamos; o mais comum é que eles
interajam através de múltiplas obrigações, alternando entre as posições
de credor e devedor. Imagine-se, por exemplo, o negócio jurídico fixado
entre a pessoa física A e a pessoa jurídica B no qual aquela adquire
desta um automóvel; do contrato de compra e venda entre eles
estabelecido emanam duas obrigações distintas: a de dar coisa certa, em
que B é devedor e A credor, e a de dar quantia certa, na qual A é
devedor e B é credor.
Como se vê, não há lugar para confusão entre os conceitos de negócio
jurídico e obrigação; aquele é fonte desta e, na maioria dos casos,
origina diversas obrigações, com sujeitos distintos ocupando os polos
ativo e passivo.
A duplicidade do elemento subjetivo não impõe óbices à possibilidade de
que figurem, em qualquer dos polos, diversos sujeitos: é o fenômeno que
se chama de “pluralidade subjetiva” (LYRA JÚNIOR, 2002)[1].
O legislador de 2002 tinha tal realidade em mente ao tratar das
obrigações divisíveis, indivisíveis e solidárias, estabelecendo efeitos
distintos para cada uma delas de acordo com o grau de vinculação dos
sujeitos ao adimplemento da prestação combinada.
Assim, nas obrigações indivisíveis, por exemplo, poderá o credor
demandar de qualquer dos devedores o adimplemento de toda a dívida,
segundo a dicção do art. 259 do Código Civil, enquanto nas divisíveis o
devedor se liberta do vínculo obrigacional com a prestação de sua
quota-parte (art. 257). Já nas obrigações solidárias, conforme a
previsão do art. 264, cada um dos devedores está obrigado à dívida
inteira – e cada um dos credores tem, sobre toda ela, direito subjetivo.
Vale lembrar que as regras atinentes à prescrição também variam de
acordo com o regime de pluralidade subjetiva adotado; nem sempre o
decurso do lapso prescricional afetará a todos os integrantes de um polo
da relação obrigacional da mesma forma. A regra geral, aliás, contida
no caput do art. 204, é que isso não ocorra; apenas em algumas
situações, de natureza excepcional, a interrupção da prescrição
produzirá efeitos para todos os sujeitos de determinado polo – como no
caso das obrigações solidárias, regulado pelo § 1° do referido artigo,
em que a interrupção afeta a todos os devedores ou credores solidários.
Não há problemas, portanto, no reconhecimento da pluralidade subjetiva.
O que se exige, todavia, é que os sujeitos da relação obrigacional
sejam, no mínimo, determináveis. Perceba-se que eles não precisam estar,
desde o nascimento da obrigação, plenamente determinados; faz-se
necessário, porém, que a sua determinação seja possível até o momento do
adimplemento da prestação combinada. Carlos Roberto Gonçalves (2012, p.
40) afirma que a fonte da obrigação – na maioria das vezes o negócio
jurídico – deve oferecer critérios bastantes para que isso ocorra; o
mesmo autor dá o exemplo da promessa de recompensa oferecida por B a
quem encontrar um objeto seu que foi perdido. Ora, não é possível a B
saber quem encontrará o objeto – o credor da recompensa é, por
conseguinte, indeterminado. No entanto, B fornece o critério para saber
quem ganhará o galardão prometido, possibilitando a posterior
determinação do sujeito ativo da obrigação. Aduz Caio Mário da Silva
Pereira (2011, p. 17) que a indeterminação do sujeito passivo é bem
menos comum do que a do ativo; de fato, inúmeros são os casos em que se
desconhece, inicialmente, o credor da relação obrigacional – as
hipóteses da emissão de títulos ao portador e a supracitada promessa de
recompensa confirmam essa afirmação –, mas raros aqueles em que o
devedor é indeterminado no momento inicial. O referido autor, porém,
traz-nos o exemplo do adquirente de um imóvel hipotecado, que responde
pela dívida garantida pelo imóvel que adquiriu mesmo que, quando de sua
gênese, não fosse devedor.
Em geral, também se exige dos sujeitos da obrigação a capacidade civil
para obrigar-se; se incapazes, deverão ser representados ou assistidos,
conforme a espécie de incapacidade que sobre eles recai. Nem sempre,
porém, a capacidade é requisito para o surgimento válido de uma relação
obrigacional; importante exemplo é o do art. 928 do Codex, que dispõe
sobre a responsabilização civil dos danos causados por incapazes.
Adotamos, aqui, o entendimento de que a responsabilidade civil também é
fonte das obrigações (FARIAS; ROSENVALD, 2012, p. 123), o que nos leva à
conclusão de que o incapaz pode, sim figurar no polo passivo de uma
obrigação oriunda de um ilícito civil por ele causado.
Também é oportuno destacar que a condição de credor ou devedor não é
estanque; o nosso Direito admite diversas possibilidades em que o status
ativo ou passivo assumido por um sujeito em determinada relação
obrigacional pode ser transmitido a outrem. É o que ocorre, por exemplo,
nos casos da cessão de crédito (CRUZ, 2010)[2],
negócio jurídico em que o titular de determinado crédito o cede, bem
como os seus acessórios, a um terceiro (denominado cessionário); o
cessionário adquire, pois, a posição de credor previamente ocupada pelo
cedente, impondo-se o ônus de que o devedor seja comunicado para que a
cessão seja eficaz em relação a ele (art. 290 do Codex).
A previsão do parágrafo único do art. 259 do Código, que prevê a
sub-rogação do devedor que adimpliu obrigação indivisível na condição de
credor frente aos demais coobrigados, também nos parece um exemplo da
transmissibilidade do status ativo nas relações obrigacionais.
Modalidade análoga à cessão de crédito, mas com foco no polo passivo da
obrigação, é a assunção de dívida; nela, o status de devedor é
transmitido a um terceiro que se torna responsável pelo adimplemento da
obrigação (GOMES, 2007)[3]. Exige-se, para que
seja válida, a anuência do credor – que, aliás, deve ser expressa, uma
vez que conforme a dicção do parágrafo único do art. 299 o silêncio do
credor deve ser interpretado como negativa à assunção. Protegendo a
boa-fé e a honestidade nas relações jurídicas, o texto legal também
afirma que se o terceiro que assume a dívida for insolvente (e esse fato
não entrar na esfera de conhecimento do credor) a assunção não receberá
a proteção do ordenamento jurídico.
Tais hipóteses levaram Caio Mário (2011, p. 16) a afirmar que a regra
geral quanto a esse aspecto das relações obrigacionais é a da
“transmissibilidade plena”, ou seja, apenas em determinados casos,
notadamente excepcionais, a condição de credor ou devedor não poderá ser
transmitida. A qualidade de credor de pensão alimentícia, por exemplo,
não é transmissível (art. 1707 do Codex), posto que a prestação de
alimentos tem por objetivo a satisfação das necessidades mais
elementares da pessoa humana; não poderá o sujeito ativo da obrigação,
portanto, praticar a cessão de crédito prevista no art. 286. Pensamento
diverso induziria ao reconhecimento (constitucionalmente vedado), por
vias indiretas, da prisão civil por dívida; imaginemos que se A cedesse a
C o crédito oriundo de pensão alimentícia em troca de um quadro de
luxo, por exemplo, B, alimentante, poderia ser preso pelo inadimplemento
da pensão que, em última instância, foi usada para um fim totalmente
diverso daquele incialmente estabelecido[4].
Finalizando o presente tópico, impende ressaltar que a confusão, na
mesma pessoa, das qualidades de credor e devedor, extingue a obrigação
(conforme expressa previsão do art. 381 do Código Civil).
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