sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Teoria da perda de uma chance: legislação e jurisprudência

Por se tratar de um tema relativamente novo no ordenamento jurídico brasileiro, o instituto da perda de uma chance ainda não está prevista de forma expressa na legislação, sendo admitida por analogia pelo artigo 5º, V e X, CF/88, onde salienta-se que a busca incessante da reparação de danos como dogma constitucional, abraçando também as hipóteses das chances perdidas. (BIONDI, 2007).
Os artigos 186 c/c 927 do Código Civil pátrio prevêem a obrigação de reparar o dano causado a outrem decorrente de ato ilícito (BRASIL, 2002). Deste modo, é totalmente aceitável que se estenda a obrigação prevista neste dispositivo às demais espécies de dano existentes na atualidade, provenientes do avanço das relações sociais.
O artigo 402 do Código Civil estabelece que “as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar”. (BRASIL, 2002). Neste caso, se a perda da chance for vista como uma terceira modalidade de dano, a indenização decorrente estará enquadrada na segunda parte deste artigo.
Na jurisprudência, percebe-se que na maioria dos tribunais brasileiros há a aplicação da teoria da perda de uma chance, entretanto, timidamente, ou seja, em números não tão expressivos. Abaixo estão acórdãos extraídos de alguns tribunais brasileiros, onde estão presentes julgados que fazem menção à teoria da perda de uma chance.
O Tribunal de Justiça do Espírito Santo, em suas decisões, entende a perda de uma chance como dano autônomo. É o que se pode observar nos julgados a seguir:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - INDENIZAÇÃO - ADVOGADO - LEGITIMIDADE - SINDICATO - INÉRCIA - PRESCRIÇÃO - DEMANDA TRABALHISTA - PERDA DE UMA CHANCE - RESPONSABILIDADE DO SINDICATO E DO ADVOGADO - DANOS MATERIAIS E MORAIS - RECURSO PROVIDO - SENTENÇA REFORMADA. [...] O não ajuizamento de demanda trabalhista dentro do prazo prescricional causou ao sindicalizado prejuízos materiais e morais, sendo que os materiais decorrem da aplicação da Teoria da Perda de uma Chance e os morais decorrem da frustração sofrida pela parte que, após nutrir expectativas acerca de eventual condenação de ex-empregador na Justiça Laboral, toma conhecimento de que não será mais possível o ajuizamento da demanda em razão do decurso do prazo previsto para tanto.  Considerando que havia uma real chance do autor ser beneficiado pela condenação trabalhista, caso a demanda houvesse sido ajuizada dentro do prazo prescricional previsto para tanto, a fixação do dano material no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) é suficiente para indenizar a perda da oportunidade do ajuizamento da ação. Na fixação da verba indenizatória a título de dano moral, seguem-se os ditames do art. 944 do CC⁄02, observados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade recomendados pelo C. STJ e, no caso concreto analisado, é suficiente e necessária a fixação do valor de R$ 2.000,00. Recurso provido. Sentença reformada. TJES - Apelação Cível nº024030214407, 17/08/2010, Primeira Câmara Cível – Rel. Carlos Simões Fonseca.  (ESPÍRITO SANTO, 2010).
Trata-se do não ajuizamento de demanda trabalhista dentro do prazo prescricional, causando ao sindicalizado prejuízos materiais e morais. Fora reconhecida a existência de danos materiais decorrentes da aplicação da Teoria da Perda de uma Chance e morais decorrentes da frustração sofrida pela parte ao tomar conhecimento de que não seria mais possível o ajuizamento da demanda em razão do decurso do prazo previsto para tanto. Nesse sentido, fora arbitrado o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) pela perda da oportunidade do ajuizamento da ação, considerando que havia uma real chance do autor ser beneficiado pela condenação trabalhista, caso a demanda houvesse sido ajuizada dentro do prazo prescricional previsto para tanto. Quanto ao dano moral, fora fixado o valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), observados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
No próximo julgado, ocorrida a morte de filho único de família de baixa renda, após acidente na linha férrea, e estando a vítima em idade produtiva, houve a presunção de dependência em relação ao filho. Foram acolhidas as espécies de dano moral e material, pelos lucros cessantes e a perda de uma chance, sendo esta entendida como um dano autônomo.
RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA- TEORIA DO RISCO - ACIDENTE NA LINHA FÉRREA - MORTE DA VÍTIMA - FILHO ÚNICO - MAIOR - DEFICIENTE AUDITIVO - CULPA CONCORRENTE - AUSÊNCIA DE OFENDÍCULOS E SINALIZAÇÃO PARA PEDESTRES - DANOS MATERIAIS - LUCROS CESSANTES - PERDA DE UMA CHANCE - DANOS MORAIS - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1 - Nexo de causalidade entre o dano e o ato omissivo da companhia caracterizado. Teoria do Risco. 2- Os fatos ainda demonstram a existência de culpa concorrente, elisiva da culpa exclusiva da vítima. 3- Deficiência auditiva da vítima não é suficiente para excluir a responsabilidade de manutenção de cercas, passarelas e sinalização adequada. 4- Filho único de família de baixa renda, em idade produtiva, presunção de dependência em relação ao filho. Dano material por lucros cessantes, pela perda de uma chance. Dano moral configurado. 5 - Honorários deve obedecer a condenação. 6- Recurso parcialmente provido. TJES - Apelação Civel nº14050013482, 24/03/2006, Segunda Câmara Cível – Rel. Álvaro Manoel Rosindo Bourguignon. (ESPÍRITO SANTO, 2006).
Nas decisões do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, apesar de haver o reconhecimento da teoria da perda de uma chance, esta estaria atrelada ao dano moral, sendo este o fundamento para a concessão da indenização, conforme as decisões abaixo:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CONHECIDOS COMO AGRAVO INOMINADO. APELAÇÃO CÍVEL. ERRO DE DIAGNÓSTICO. DANO MORAL. CABIMENTO.1. DA FUNGIBILIDADE.2. DO AGRAVO RETIDO3. DA RELAÇÃO DE CONSUMO4. DA RESPONSABILIDADE CIVIL5. DO DANO MORAL6. CONCLUSÃO. [...] 4. Indiscutível o dano causado pela recorrente à autora. Aplicação da teoria da perda de uma chance, pois de acordo com a prova dos autos se o diagnóstico realizado no primeiro momento fosse preciso, possivelmente o procedimento seria mais conservador, sendo desnecessário procedimentos invasivos e danosos como os suportados pela autora.5. Manutenção do dano moral no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), face às peculiaridades do caso concreto.6. Recurso que não segue. TJRJ - Apelação Cível nº 0001629-23.2004.8.19.0209, 06/10/2010, Décima Quarta Câmara Cível - Des. Jose Carlos Paes. (RIO DE JANEIRO, 2010).
Decisão referente ao erro de diagnóstico, o que levou a paciente (autora) a suportar procedimentos invasivos e danosos, tirando-lhe a oportunidade de ser tratada através de procedimento mais conservador. Aplicou-se a teoria da perda de uma chance, entretanto o quantum a ser indenizado foi referente ao dano moral no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), face às peculiaridades do caso concreto.
No caso a seguir, mais uma vez é reconhecida a teoria, porém, a indenização é concedida a título de dano moral.
APELAÇÃO. INDENIZATÓRIA. Erro no procedimento do diagnóstico médico adotado em hospital sob a administração do município recorrente. Laudo pericial elaborado por expert do juízo que concluiu pela ocorrência de nexo causal, por erro diagnóstico, aplicando-se a teoria da perda de uma chance. Teoria aplicada ao presente caso, diante do não esgotamento de todos os meios necessários ao restabelecimento da saúde do paciente o que culminou no óbito mesmo. Responsabilidade do município de natureza objetiva devidamente demonstrada pelo nexo de causalidade existente entre o óbito da menor e a prestação de serviços de forma irregular por seus agentes. Redução da verba indenizatória a título de dano moral que se impõe para assim adequar-se aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade considerando-se o direcionamento do quantum indenizatório para o mesmo núcleo familiar. Recurso da municipalidade que se dá provimento parcial em reexame necessário. TJRJ - Apelação Cível nº 2007.001.32061, 03/10/2007, Décima Terceira Câmara Cível - Des. Azevedo Pinto (RIO DE JANEIRO, 2007).
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais tem se manifestado no sentido de entender a perda de uma chance como um dano autônomo, porém, nos casos em que é aplicada, a reparação está atribuída à esfera dos lucros cessantes.  
Na decisão a seguir, proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, nota-se a aplicação da teoria da perda de uma chance, entretanto, a concessão da indenização fundamenta-se na esfera no dano moral
EMENTA: INDENIZAÇÃO - QUEDA DE FOGUEIRA MONTADA EM FESTA ORGANIZADA PELO ENTE MUNICIPAL - RESPONSABILIDADE OBJETIVA (ART. 37, § 6.º, DA CR/88) - QUEIMADURAS - DANO E NEXO DE CAUSALIDADE COMPROVADOS - DANOS MORAIS, MATERIAIS E LUCROS CESSANTES - CONFIGURAÇÃO - PERDA DE UMA CHANCE - DEVER DE INDENIZAR. Comprovados o liame de causalidade entre a conduta da pessoa jurídica de direito público e o dano ocorrido, não tendo se verificado a ocorrência de nenhuma das causas excludentes da responsabilidade, tem-se por certo o dever de reparação. O valor do dano moral deve ser fixado de forma a compensar a vítima pela dor e sofrimento experimentados e, ao mesmo tempo, desestimular o causador do dano a reiterar na conduta lesiva. Quando passíveis de identificação em separado, é cabível a cumulação de danos morais com danos estéticos, mesmo que decorrentes do mesmo evento. O deferimento dos danos materiais e dos lucros cessantes fica condicionado à demonstração do efetivo prejuízo suportado pela vítima. A perda de uma chance verifica-se quando se dá a frustração de uma oportunidade em que seria obtido um benefício sério e real, em virtude da ocorrência de um ato de terceiro. TJMG - Numeração Única: 5832372-96.2005.8.13.0024, 03/05/2011 - Relator: Des.(a) Geraldo Augusto. (MINAS GERAIS, 2011).
Trata-se de reexame necessário da sentença que julgou parcialmente procedente o pedido do autor, para condenar o Município a pagar o valor de R$ 100.000,00 a título de danos morais e danos estéticos também no valor de R$ 100.000,00, bem como, a título de danos materiais e lucros cessantes, pensão mensal de 1,5 salário mínimo. Nesta decisão foi aplicada a teoria da perda de uma chance, contudo, a fixação do quantum indenizatório teve com base o instituto dos lucros cessantes.
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. SERVIÇO PRIVADO DE EMERGÊNCIA MÉDICA. DEMORA NO ATENDIMENTO. FALECIMENTO. FALHA DO SERVIÇO. APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. QUANTUM INDENIZATÓRIO REDUZIDO. Caso em que a parte autora se desincumbiu do ônus que lhe competia, isto é, demonstrou a existência do dano (morte). Causalidade compreendida a partir da teoria da perda de uma chance. Deficiência da prestação do serviço, pois o autor, com a expectativa de aguardar poucos minutos para ver seu pai atendido, em virtude da prévia contratação entabulada, foi obrigado a esperar por quase uma hora os serviços contratados. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. TJRS - Apelação Cível nº 70040330409 Relator: Leonel Pires Ohlweiler. Nona Câmara Cível. Julgado em 23/11/2011. (RIO GRANDE DO SUL, 2011).
Analisando a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Ceará, abaixo transcrita, observa-se que, apesar de a aplicação da teoria da perda de uma chance ser sido suscitada na fundamentação, acaba tornando-se um mero agregador ao dano moral.
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. FALECIMENTO DE USUÁRIO DE PLANO DE SAÚDE. DEMORA NO ATENDIMENTO. PRIMEIROS SOCORROS. PACIENTE CARDÍACO. AMBULÂNCIA NÃO DISPONIBILIZADA ATEMPADAMENTE. INCIDÊNCIA DA TEORIA DA CONCAUSA E DA PERDA DA CHANCE. COMPROVAÇÃO DO ATO LESIVO. NEXO DE CAUSALIDADE SUFICIENTE A SUPORTAR A CONDENAÇÃO. VERBA INDENIZATÓRIA MANTIDA COM MODERAÇÃO DO QUANTUM. APELAÇÃO PROVIDA PARCIALMENTE. [...] 4. Dessarte, ocorrendo subsídios a confirmar a tese de que a demora no atendimento realizado pela Unimed Fortaleza, concorreram para o fatídico falecimento, noticiado na lide, deve ser mantido o decisorium que arbitrou indenização em face da operadora de plano de saúde. In casu, a tardança na disponibilização de ambulância, para o transporte de paciência cardíaco, leva a aplicação da perda da chance, além de representar descumprimento indevido do dever contratado em instrumento de prestação de serviço. 5. No entanto, devem ser minorados os valores indenizatórios fixados pelo juízo a quo, em homenagem ao princípio da razoabilidade. 6. Apelação provida, em parte. TJCE - Apelação Cível nº50728545200080600011. Relator: José Mário dos Martins Coelho. Órgão julgador: 6ª Câmara Cível. Data de registro: 15/06/2011.   (CEARÁ, 2010)
Observa-se na próxima decisão, que o Tribunal de Justiça do Amapá, se posiciona no mesmo sentido, quando condena o réu ao pagamento de indenização por dano moral.Após a morte do pai do autor devido à demora de atendimento que deveria ser prestado por plano de saúde, apesar de ser mencionada a perda da chance de sobrevivência da vítima, a concessão da indenização teve como fundamento o dano moral.
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. DANO MORAL. TEORIA DA PERDA DE CHANCE. INCÚRIA DA REDE PÚBLICA HOSPITALAR. NÃO REALIZAÇÃO DE EXAME ESSENCIAL PARA O DIAGNÓSTICO CORRETO, POR DEFEITO EM APARELHO MÉDICO DO ESTADO. NEXO CAUSAL COMPROVADO NO DESFECHO DO EVENTO FATAL. 1) Autoriza a indenização por dano moral o fato da perda de uma chance, concreta e realizável, de um diagnóstico preciso que certamente o exame de tomografia computadorizada recomendado pelos médicos permitiria ministrar no paciente, que foi a óbito sem sequer ter a oportunidade de ser tratado adequadamente, pela incúria estatal, demonstrada no descaso no conserto do aparelho de exame médico, e no entrave burocrático para autorizar o exame na rede médica particular. 2) Apelo provido para reformar a sentença recorrida e condenar o réu ao pagamento de indenização por dano moral. TJAP – Apelação Cível nº17893. Relator: Desembargador Edinardo Souza Órgão julgador: Câmara Única. Publicado no DJE N.º 14 em 25/01/2011. (AMAPÁ, 2011).
Observa-se que em alguns tribunais do país a jurisprudência faz menção à teoria da perda de uma chance, não restando dúvida quanto a sua aplicação. Entretanto, as indenizações, em sua grande maioria são concedidas com base em outros institutos, devido à inexistência de parâmetros para uma correta classificação. Em suma, como na doutrina não é pacífico o entendimento acerca da natureza jurídica do instituto, o mesmo fato vem a refletir na jurisprudência.
Em alguns estados não são encontrados julgados nesse sentido. Nos casos em que houve a aplicação da teoria, verifica-se que a concessão da indenização pele perda da chance encontra amparo em outros institutos. Em pouquíssimos casos a fixação do quantum indenizatório baseia-se em critérios específicos, concernentes ao instituto, cabíveis quando a perda da chance é vista como um dano autônomo.
Vale ressaltar que grande parte das demandas tem como objeto a reparação pela chance perdida de cura ou melhor tratamento de doença, bem como pela chance perdida de recorrer de uma decisão judicial pela desídia de advogado. Estas seriam as situações de maior incidência abraçadas pela teoria da perda de uma chance nos tribunais brasileiros.

NASCIMENTO, Silvia Renata Segatto Santos. Teoria da perda de uma chance . Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3515, 14 fev. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23709>. Acesso em: 15 fev. 2013.

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